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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este trabalho pretende identificar, a partir da análise do discurso e da prática da conservação e restauração, o primeiro plano de restauração proposto para Ouro Preto, nos anos 30 do século 20, caracterizando o uso da teoria de Viollet le Duc.

english
This work aims to identify, from the discourse analysis and practice of conservation and restoration, the first restoration plan proposed to Ouro Preto, in the 30s of the twentieth century, featuring the use of Viollet le Duc theory.

español
Este trabajo tiene como objetivo identificar, desde el análisis del discurso y la práctica de la conservación y la restauración, el primer plan de restauración propuesto a Ouro Preto, en los años 30 del siglo XX, con el uso de la teoría de Viollet-le-Duc.


how to quote

SILVA, Fernanda dos Santos. Viollet le Duc e o primeiro plano de restauração de Ouro Preto MG. Teoria e prática. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 188.01, Vitruvius, jan. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.188/5906>.

A ponte dos Contos em registro recente, Ouro Preto MG
Foto Abilio Guerra


Introdução

O primeiro Plano de Restauração executado em Ouro Preto, nos anos 30, tem um importante significado pois, trata-se de um projeto em que os referenciais teóricos do restauro podem ter sido utilizados como fonte de consulta para as tomadas de decisão de forma pioneira.

Serão abordados aqui, três estudos de caso: a Ponte dos Contos, o Chafariz dos Contos e o Chafariz de Marília de Dirceu, onde fica evidente, o emprego das técnicas leducianas. Ao analisar os métodos aplicados pelo restaurador Epaminondas de Macedo, nos chafarizes, pontes e igrejas de Ouro Preto é notável que os recursos e métodos explorados são pontos chaves da teoria de Viollet le Duc.

Eugéne Emmanuel Viollet-le-Duc, francês do século 19, aborda profundamente o conceito de restauração até seu tempo. Sua teoria, muito criticada, tem por objetivo resgatar a genuinidade da obra primária. Nesse caso, o restaurador deve se colocar no lugar do arquiteto idealizador da obra. E ainda, se preciso for, para que transpareça uma unidade estilística, lança mão de novos elementos.

A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo. É restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento. (...) antes de mais nada, admite por princípio, que cada edifício ou cada parte de um edifício devam ser restaurados no estilo que lhes pertence, não somente como aparência, mas como estrutura. (...) É, portanto, essencial, antes de qualquer trabalho de reparação, constatar exatamente a idade e o caráter de cada parte, compor uma espécie de relatório respaldado por documentos seguros, seja por notas escritas, seja por um levantamento gráfico” (1).

Assim, ao analisar o caso de Ouro Preto, nota-se que o que se idealizava estava muito próximo das propostas de restauração de Viollet le Duc. A busca da genuinidade encontrou em Ouro Preto, o barroco mineiro.

Primeiro plano de restauro de Ouro Preto MG

A cidade de Ouro Preto, no começo do século 20, encontrava-se em um contexto social peculiar. Deixara de ser capital do Estado de Minas Gerais, no final do século 19, em 1893, produzindo um grande êxodo populacional e gerando na comunidade um sentimento de perda que culminou com um saudosismo exacerbado e uma cidade destituída de vida que foi se deteriorando fisicamente (2). Em seguida, nas primeiras décadas do século 20, os modernistas, embriagados de um desejo nacionalista, buscam o resgate das culturas locais, redescobrem o Barroco Mineiro e se utilizam dele para a construção da memória e da identidade nacional. Somam-se a isso as novas políticas públicas voltadas à valorização da história e do patrimônio que são criadas. De especial atenção, para Ouro Preto, a criação do APM- Arquivo Público Mineiro, em 1895, e o MHN (Museu da história nacional), 1921.

Em Ouro Preto, encontra-se um significativo registro desse momento: o primeiro plano de restauração proposto em larga escala, no Brasil. Este projeto, que se inicia em 1928, teve execução em 17 das 26 propostas, até 1935. Dá-se especial reconhecimento a Gustavo Barroso (3) que, por fruto dos seus esforços pessoais, cria a Inspetoria de Monumentos Nacionais no Museu da História Nacional, onde desenvolve meios de se restaurarem monumentos significativos da cidade, como igrejas, chafarizes e pontes.

Em primeiro lugar, seria longa tarefa, mas integral, um trabalho lento aliado a execuções criteriosas, em que, ao lado do carinho, viva o interesse principal em assemelhar as coisas velhas e gastas ao que eram originalmente; verdadeira obra de restauração, a primeira que se levaria a efeito no país, ligando-nos ao passado por laços imperecíveis.(grifo nosso) (4).

O critério e a busca da originalidade são fatores que Gustavo Barroso leva em consideração na carta de apresentação do plano. Influenciado pelo desejo de defender os monumentos nacionais e vendo em Ouro Preto um exemplo genuíno de glória, cujo abandono era lamentável, parte com empenho no interesse da restauração da cidade, já em 1926. Junto ao presidente Antônio Carlos, em 1935, consegue levantar uma verba de 200 mil cruzeiros para obras emergenciais e mais 50 mil cruzeiros do então ministro da Viação, Dr Victor Konder. A verba seria repassada inteiramente à Prefeitura de Ouro Preto e caberia a ele apenas fiscalizar e inspecionar as obras.

Por indicação de Konder, o engenheiro Epaminondas de Macedo lidera as propostas de intervenção. Realiza os orçamentos de obras, levantamento fotográfico, acompanhamento no canteiro de obras, como sugere le Duc. Ja inicia seus trabalhos, em 1928, antes mesmo de sua designação oficial via decreto, que só sairia em 1935, como noticia o Jornal Voz de Ouro Preto, em 29 de dezembro daquele ano(5).

De 43 edificações descritas no projeto, a fim de inventariá-las e registrar seu estado, 26 delas receberam propostas de restauração e, no total 17 edificações foram levadas a cabo com a execução das obras: 6 igrejas, 7 chafarizes e 4 pontes. A justificativa das obras gira em torno do discurso de retomada das características e seus usos originais. Restabelecimento da água nos chafarizes e fontes, calçamento com pedras irregulares nas ruas, recuperação estilística e artística das igrejas em ruína, e reutilização dos espaços por seus usos originais. Para tal, o restaurador buscou documentos como os arremates das obras, fotografias antigas, e, em alguns casos, a história oral, a fim de captar a genuinidade da obra primitiva.

É possível, assim, estabeler relação entre a teoria de Viollet Le Duc e a prática desse plano de restauração. Para este fim será dado destaque aqui, a três casos particulares. São eles, a Ponte dos Contos, o Chafariz dos Contos e o Chafariz de Marília de Dirceu.

A Ponte dos Contos

A Ponte dos Contos foi construída em 1744. Através do termo de arrematação da obra, ja explorado em diversos estudos, foi possível caracterizar, com precisão, sua descrição (6). Um levantamento publicado por Feu de Carvalho, em 1921, traz a descrição de todas as verticalizações exploradas neste estudo (Ponte dos Contos, Chafariz dos Contos e Chafariz de Marília). Quanto à Ponte dos Contos, o documento diz que era chamada de Ponte São José, nome da rua onde se encontra, até, pelo menos, 1802, mas em função da mudança da instalação da Casa dos Contos, para a casa de José Roiz de Macedo, ao lado da ponte, foi popularmente rebatizada de Ponte dos Contos.

Foi construída aquela ponte no 2º exercício da administração de Gomes Freide de Andrade, 1744, sendo arrematante Antonio Leite Esquerdo, a 8 de abril, pela quantia de quatro mil cruzados e cento e cincoenta mil réis. Foram Fiadores Agostinho Golçalves Souto, morador do Bom Sucesso, e Jeronymo Soares, no Virasayas. [...] Para o início da construção, foram levantados dous grandes paredões de pedra grossa com alicerces profundos e seguros até a altura determinada pela planta. Assim construídos, foi posta uma fiada de cantaria, em rigoroso nível, para, em cima da mesma, firmar a volta do arco, o qual tem de largura trinta palmos, como indicava o risco, sendo as aduelas do arco de cantaria com grossura determinada, assente com cal e areia. Assim feitos até o nível da rua, levou pela parte de fora, pelas beiradas, outra fiada de lages de cantaria, servindo de soleira do parapeito. Esse parapeito tinha de grossura três palmos, com assentos na forma indicada pelo risco, levando a significativa e indispensável cruz no meio da ponte. Depois de terminada a obra, foi toda calçada com pedra grossa e dura; sendo ultimada com segurança e perfeição no espaço de oito meses [...]. Não indicava o risco do parapeito o seu comprimento, ficando ao critério do pedreiro constructor fazer o que fosse necessário”. (7)

Seguindo as características arquitetônicas da ponte, a proposta de restauração incluía não apenas resgatar seus traços, mas aplicar os mesmos materiais utilizados e recuperar sua composição estilística inicial. Epaminondas encaminha a descrição da ponte como a vê antes da restauração:

Ponte de São José, hoje conhecida por ponte dos Contos, de alvenaria de pedra argamassada, de um arco central de quatro metros de vão, extradorso constituído de aduelas de itacolomito rejuntadas, intradorso de lajes também de itacolomito ligadas intimamente, o enchimento de pedra todo argamassadas, os nascimentos do arco apoiavam-se em uma fiada de cantaria. O enchimento, ao alcançar o nível da rua, cessa, vindo então uma fiada de lajes de cantaria que pelo lado de fora da ponte vai servir de soleira ao parapeito que existia. Hoje vamos encontrar cachorros de pedra servindo de apoio aos varões de um gradil. Dois espigões de pedra argamassados servem de escora ao pegão de entrada. Quando construída, a ponte era servida por paralelepípedos de pedra em toda sua extensão e com assentos em comprimento que não pudemos precisar, mas pelo que mostram as pontes que os possuem, estes deviam se estender de três metros para cada lado da cruz central posta no parapeito. O serviço de calçamento pouco alterou o leito da ponte, é o que vamos constatar ao observar que os bueiros cavados na fiada de lajes servindo de soleira ao parapeito estão em plena função. Com a restauração completa desta ponte e da casa ao lado, privada em seu jardim de um belo tanque de cantaria, comtemporâneo da construção da ponte e da Casa dos Contos, iríamos ter um dos mais agradáveis conjuntos de Ouro Preto; faz-se, pois, necessária a reposição aí do tanque e de alguns jarros que ornavam a varanda da referida casa, hoje também dali retirados. Conseguir-se-ia com estes trabalhos e com a restauração do chafariz dos Contos, que é emoldurado por construções todas primitivas, a recomposição integral deste pedaço da cidade (8).

Pela descrição de Epaminondas fica evidente o desejo da recomposição visual “primitiva” do espaço. O gradil, elemento nada colonial, que aponta, não faz parte da construção inicial. Na obra de Carvalho o gradil é citado como contemporânea de seus dias e provavelmente em função dele a cruz, os assentos e o parapeito foram retirados.

Ponte dos Contos com a grade, antes das obras, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Acervo Luiz Fontana]

Obras de restauração na Ponte dos Contos, detalhe dos cachorros e da retirada das grades, Ouro Preto MG [Anais do MHN, 1944]

Nota-se que seguindo modelos estilísticos de outras pontes, o engenheiro supõe a recomposição do parapeito e dos assentos. No orçamento, o engenheiro aponta como serviços necessários a limpeza da cantaria e do córrego e a retirada do gradil para dar lugar ao antigo parapeito de pedra com assentos e a colocação da cruz de pedra no centro, como era antes, em 1744, quando foi construída. “O gradil é modificação recente” (9). Ainda determina que a pedra a ser utilizada deva ser a Itacolomi, como antes, finalizando um total de 3.226 réis no orçamento. Já a execução teve 17.200 réis de diferença, em decorrência da adição do peitoril de pedra, não previsto no orçamento, uma vez que só se viu a necessidade após comprovada a baixa resistência dos cachorros com a retirada do gradil. Além do acréscimo de uma laje de concreto para receber o peitoril e uma placa, que já não existe mais, comemorando a restauração. Mais uma vez, a preocupação em manter o aspecto original é colocada. Para que não haja a descaracterização visual, mesmo lançando mão de novos elementos, os cachorros seriam mantidos e os acréscimos necessários para manter a estrutura deveriam ter soluções invisíveis.

A ponte dos Contos restaurada, Ouro Preto MG
Foto divulgação [Acervo Luiz Fontana]

Chafariz dos contos

Carvalho transcreve todas as cláusulas do Auto da Arrematação dessa obra, que devia ser executado seguindo o desenho, planta e materiais impostos.

A obra seria de cantaria de alvenaria, levaria dous paredões e a sua grossura seria a que o desenho mostrasse, assim como a altura dos mesmos paredões e o seu comprimento teria setenta palmos que era o da frente. No meio do paredão levaria a fonte ficando igual comprimendo dos lados e o outro paredão ficaria cordeando com a casa de Manoel Rodrigues fazendo engra – canto formado por duas paredes- em esquadro. O paredão teria a mesma grossura do da fonte e nelle levaria uns assentos de cantaria. No fim do allidido paredão levaria um tanque de cantaria de treze palmos de comprido, tres de alto e de lagura tambem tres. A grossura das paredes do mesmo tanque seria de um palmo e teria seu sumidouro, o qual iria se juntar com o da fonte por baixo do chão, em forma tal que iria cair no barranco da frente, para ali se fazer uma fonte de lavar. Este tanque levaria uma bica com a sua carranca de bronze em altura sufficiente, o paredão em apreço extender-se-ia desde onde apanhava a altura da terra, ou, donde se achava a fonte velha, até confinar com o da frente. Como remate por cima, levaria uma fieira de pedras de cantaria. Levaria uma pia de pedra do Itaculumy debaixo do chão com as suas repartições paara se encaminharem as águas para as bicas, como o desenho mostrava, as quaes seriam de bronze. A referida pia teria seis palmos em quadra e de grossura. No meio levaria um concavo, alem do principal, suficiente para se reterem as arêas e ficaria em fórma tal, que quando se quizesse limpar se podesse fazer sem muito trabalho (10).

Comparando essas características com as que Epaminondas vê, muitas mudanças são identificadas. Na ocasião, encontrava-se com um paredão de pedra caiado recebendo, no centro, a abertura para a saída de água, com duas pilastras laterais de cantaria. Dois imensos ornatos uniam-se pela base para sustentar o cálice, que recebia uma palma de onde saíam duas bicas. Pede verba para a recomposição da cantaria, toda mutilada.

Chafariz dos Contos antes das obras de restauração, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Acima, uma verga ondulada se liga à arquitrave da pilastra formando o coroamento e, sobre ela, um enfeite acabando em uma tocheira. Na base da construção, uma fita de cantaria de um metro de largura, com juntas tomadas a breu, contém os furos dos dois antigos poiais que serviam de descanso para barris de água, faltando o tanque. Num fitão, célebre legenda latina. É, talvez, o chafariz mais adulterado que existe, pois as nóticias sobre ele mencionam um paredão lateral também de pedra que formava o canto com o de frente, provido este paredão de uma pia com uma carranca, alguns descansos e um tanque, estando o serviço d’água em ligação com a fonte principal (11).

O restaurador encontra no Banco Comércio e Indústria a parede mencionada para sua reposição e propõe, junto a ela, a recomposição do ornato e coroamento com rejuntamento a breu, a confecção do tanque em cantaria Itacolomi nas dimensões originais e estilo colonial, a confecção e colocação dos quatro descansos de ferro para os barris e o retorno do serviço de encanamento d’água.

Processo de restauro nas volutas laterais, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]


Processo de restauro nas volutas laterais, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Restauro do tanque finalizado, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Novamente a teoria de Viollet-le-Duc é identificada na proposta de recomposição do tanque e demais elementos faltantes e alterados. É possivel identificar também uma alteração entre a relação do chafariz com o nível da rua. Para reduzir a inclinação do traçado da via um nivelamento foi executado melhorando a vista do chafariz.

Chafariz dos contos após restauração, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Chafariz de Marília de Dirceu

Ainda que com alterações menores, se comparadas as anteriores, o chafariz de Marília de Dirceu também segue os mesmos procedimentos adotados com base nos parâmetros de restauração leduquianas.

Seguindo a descrição de seus traços originais esse chafariz era composto por um paredão de frente de 5mx6m, pilastras laterais de 1mx5m, uma bica ornamentada por quatro carrancas de bronze guarnecidas por cantaria, uma concha de cantaria com quatro poiais para receber os barris, um paredão à esquerda, um fundo para a pia e bica e chão de pé de moleque (12).

Levando em frente essa reconstituição, além da limpeza por picão, foi recomendada a recomposição do rejuntamento, a retirada da parede da frente, a recomposição do calçamento com pé de moleque, o conserto dos paredões laterais e o serviço de recebimento de água para que se parecesse ao original. Tudo como era nos tempos da Mirília.

Recomposição do calçamento e limpeza da pia, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

 

Recomposição do calçamento e limpeza da pia, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Recomposição do rejuntamento e conserto dos paredões laterais, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Recomposição do rejuntamento e conserto dos paredões laterais, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Recomposição do rejuntamento e conserto dos paredões laterais, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Anais do MHN]

Duas medidas são de especial destaque: a reconstrução das carrancas iguais as “atuais” e a reconstrução de uma pia, seguindo os mesmos padrões do risco de arremate. O coroamento do chafariz também recebe ação curiosa. Seguindo fotografia, Epaminondas pede autorização para sua retirada. Tratava-se de um coroamento “falso” como aponta o projeto. Com a autorização da Inspetoria, foi retirado. Não se encontrou nenhum registro fotográfico da ponte antes da restauração. Portanto não se sabe a respeito desse coroamento. De qualquer maneira a harmonia do conjunto atual não parece deixar espaço para nenhum arremate na coroa.

Sua execução exigiu um excedente de investimento de 3.800 réis. Houve a busca do antigo encanamento e dificuldade em captar novamente a passagem de água. Essa dificuldade é registrada nas cartas trocadas entre o restaurador e o inspetor, Epaminondas de Macedo e Gustavo Barroso. Mais uma vez a busca da originalidade da obra é reafirmada. O orçamento ficou em 3147,704 réis.

Chafariz do Marília após restauração, Ouro Preto MG, sem data
Foto divulgação [Acervo Luiz Fontana]

Considerações finais

A teoria de Viollet-le-Duc foi amplamente utilizada nestes projetos de restauro, não apenas nos casos aqui elucidados, mas em todas as obras exploradas naquele estudo.  A pesquisa inicial recorrendo a documentos e fotografias para a busca do aspecto colonial, a retirada de elementos modernos, a construção de elementos condizentes com o estilo, a busca dos elementos originais, o uso de materiais idênticos, o registro do avanço das obras e a criação embasada em outros modelos comparativos são exemplos claros disso.

Em menos de três anos a Inspetoria de Monumentos Nacionais, com Epaminondas de Macedo à frente, executou a recuperação da abandonada Ouro Preto. Com todas as dificuldades financeiras e atravancamentos burocráticos, a cidade restabelecia sua arquitetura e vida. A restauração proporcionou a redescoberta da cidade e um novo discurso que a associava à herança colonial como marca da formação das Minas Gerais. Mais tarde, em 1938, tornar-se-ia cidade monumento.

As ideias de Viollet-le-Duc foram convenientes para o contexto sociocultural de Ouro Preto sessenta anos depois de sua publicação. O desejo de restaurar tal como era a Vila Rica dos tempos áureos, trouxe para a metodologia do primeiro plano de restauro proposto em Ouro Preto, o uso de sua teoria, ainda que não declarado. Mais que o uso da teoria, o projeto aplicou os princípios e procedimentos operativos, como uso das mesmas ferramentas, materiais e tecnologias aplicadas na feitura das obras. A busca da unidade estilística e tais procedimentos estão presentes desde o discurso de justificativa do projeto até as ações interventivas.

A ponte dos Contos em registro recente, Ouro Preto MG
Foto Abilio Guerra

notas

NA – Este trabalho faz parte da pesquisa desenvolvida no Programa Jovens Talentos para a Ciência, em que o estudo crítico de intervenções de restauração consideradas emblemáticas, na cidade de Ouro Preto, foi produzido, identificando os principais protagonistas, os critérios e princípios adotados, os procedimentos metodológicos, os materiais e as técnicas de projeto e de obra utilizados.Apresentado no congresso De Viollet Le Duc à carta de Veneza Teoria e prática do restauro no espaço iberoamericano.

SILVA, Fernanda, Teoria e prática. Viollet le duc e o primeiro plano de restauro de ouro pretomg. In: De Viollet Le Duc à carta de Veneza Teoria e Prática do Restauro no espaço Iberoamericano, 2014, Lisboa, LNEC, 2014. v. 1.

1
KÜHL, Beatriz, Restauração – Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc. 3ªedição, Ateliê Editorial, São Paulo, 2000. tradução - 1868), p29.

2
MENICONI, Rodrigo, A construção de uma cidade-monumento: o caso de Ouro Preto. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999.p.67.

3
Gustavo Barroso foi diretor do Museu Histórico Nacional (a partir de 1922); secretário geral da junta de Jurisconsultos Americanos (1927); representou o Brasil em várias missões diplomáticas, entre as quais a Comissão Internacional de Monumentos Históricos (criada pela Liga das Nações) e a Exposição Comemorativa dos Centenários de Portugal (1940-1941). Era membro da Academia Portuguesa da História; da Academia das Ciências de Lisboa; da Royal Society of Literature de Londres; da Academia de Belas Artes de Portugal; da Sociedade dos Arqueólogos de Lisboa; do Instituto de Coimbra; da Sociedade Numismática da Bélgica, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de vários Estados; e das Sociedades de Geografia de Lisboa, do Rio de Janeiro e de Lima. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Nem Rothschild Nem Trotsky: o pensamento antissemita de Gustavo Barroso. Rev. hist., São Paulo, n. 129-131, 1994. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br>. Acesso em 30 de maio de 2015.

4
Museu histórico nacional, Documentário da Ação do Museu Histórico Nacional na defesa do patrimônio tradicional do Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional, vol. 5, 1944, p.35

5
Ver Anais do Museu Histórico Nacional, nº5, 1944.p.127. A notícia diz: “ Dando cumprimento ao Decreto n.º 24.735, de 12 de julho de 1934, que regulamenta Inspetoria de Monumentos Nacionais, o Diretor Geral do Museu Histórico Nacional, Dr. Gustavo Barroso, por portaria de 2 do corrente, designou o engenheiro Epaminondas de Macedo representante desta Inspetoria nesta cidade.”

6
Além da obra de Feu de Carvalho, o arremate da ponte é explorado nos trabalhos de Fabiano Gomes da Silva, A construção da urbes,  de 2009 e nos Anais do MHN, 1944.

7
CARVALHO, Feu de, Reminiscências de Villa Rica. Vol. 19, RAPM,1921, p.40.

8
Museu histórico nacional, Documentário da Ação do Museu Histórico Nacional na defesa do patrimônio tradicional do Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional, vol. 5, 1944, p.75-76.

9
Ibidem, p.83.

10
CARVALHO, F. Reminiscências de Villa Rica. Vol. 19, RAPM,1921, p.74-75.

11
Ibidem, p.75.

12
Ibidem, p.49.

sobre a autora

Fernanda dos Santos Silva é graduanda em Tecnologia em conservação e restauro de bens imóveis pelo Instituto federal de Minas Gerais, IFMG Ouro Preto, e graduada em licenciatura e bacharelado em história pela Universidade Estadual Paulista, UNESP Franca.

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