A cidade, palco da vida cotidiana do homem, conforma um dos campos mais complexos e extensamente estudados na arquitetura e urbanismo. Esses estudos atravessam diversos campos de abordagem, passando pela história de sua formação e evolução, tipos de apropriação, desempenho e forma urbana. Dentre eles, o estudo da forma urbana, vem se consolidando como forte campo de investigação, já que configura instrumento fundamental para seu conhecimento e este é essencial para que se possa intervir de forma adequada sobre o espaço.
Sabe-se que são inúmeros os fatores que interferem no resultado da construção do espaço citadino, como a configuração do sítio, a diferenciação de interesses de agentes e autores e a cultura local, que interfere diretamente na questão da apropriação do lugar. Diversos autores tem se dedicado ao estudo da forma da cidade e múltiplas definições tem sido colocadas sobre o tema. A maior parte delas coloca o sítio como elemento primordial na configuração espacial da forma urbana. Os elementos que compõe o espaço, como vias, lotes, edifícios e os arranjos possíveis entre eles dão origem a outros elementos, como as quadras e o traçado, que compõe variados modelos e dão origem às cidades.
Dentre os elementos considerados na formação física da cidade, pode-se notar que os de cunho geográfico-natural, não são abordados de forma consistente e o sítio é colocado como componente único e articulador entre natureza e cidade. Fica evidente que ele é entendido, pelos autores que investigam a forma urbana, como produto da articulação das partes formadoras do ambiente natural, como cursos d'água, lagos, oceanos, relevo e vegetação, mas que cada uma dessas partes não é estudada separadamente. Sabe-se que, desde que o homem deixou de ser nômade, criando as bases de assentamento que viriam a formar as cidades, o mesmo passou a intervir sobre os elementos naturais para que esses pudessem ser usados da forma que lhes fosse mais conveniente e desde a fundação dos primeiros povoados, na Mesopotâmia, rios e cursos d'água foram desviados e canalizados para abastecer suas necessidades. Entendemos que essa postura em relação aos elementos naturais, que sempre foram vistos como “terreno a ser trabalhado, modificado e explorado”, levou ao cenário que se tem hoje sobre a defasagem do estudo dos componentes naturais na relação à configuração do espaço e forma das cidades.
É devido a essa ausência de análise que este trabalho pretende abordar a influência dos elementos naturais e sua preservação sobre a forma urbana. Para isso foi adotado como estudo de caso o bairro planejado de Riverside e o mesmo será analisado em comparação com a cidade de Chicago, onde está inserido. Riverside é o primeiro loteamento planejado nos Estados Unidos da América que coloca a preservação dos recursos ambientais e aplicação de diretrizes da arquitetura da paisagem como primordiais ao desenvolvimento do projeto (1) e, além disso, trabalha questões de conservação do leito do rio Des Plain, que corta quase que ao meio a área do projeto, respeitando suas áreas de várzea, vegetação existente e relevo. A temática ambiental atravessa todas as faces do projeto e Frederick Law Olmsted, projetista responsável pela criação do desenho do bairro, entendia a importância do contato com a natureza para a saúde física e mental das pessoas. Olmsted é conhecido como criador da profissão de arquiteto paisagista e um dos responsáveis pela criação do sistema de conservação de parques estaduais e nacionais nos Estados Unidos. É visto hoje como o nome de maior destaque na área da paisagem e seus projetos emblemáticos tem sido amplamente estudados e usados como modelo pelos profissionais da área.
Conservação e desenho ambiental, uma breve conceituação
Os conceitos ligados à conservação ambiental surgiram no século 19 a partir da inquietação de alguns pensadores mediante a situação de devastação dos recursos naturais para dar lugar às cidades e para servir ou apoiar a produção de bens de consumo. Nomes como John Muir e Frederick Law Olmsted são peças chaves quando tratamos de conservação e planejamento ambiental.
A relação entre as ações antrópicas e os elementos bióticos datam dos primórdios da história da civilização humana, já que o homem estabeleceu nos recursos naturais suas bases de sobrevivência, fazendo uso dos mesmos para alimentação, usando-os como ferramenta de caça e elementos para construção de moradia (2). Civilizações foram quase que completamente dizimadas devido a extensiva extração e degradação de recursos como água potável e vegetação, como é o caso dos Rapa Nui da Ilha de Páscoa e os Maias na América Central (3).
Segundo Franco, conservação ambiental pode ser conceituada como: “o convívio e harmonia do homem com a natureza com o mínimo impacto possível, isto é, sem esgotar os recursos ambientais, permitindo a vida das gerações futuras” (4).
O movimento conservacionista teve início nos Estados Unidos da América com a criação dos primeiros parques nacionais, Yellowstone em 1872 e Yosemite em 1890, com a finalidade de conservar áreas de valores paisagísticos e naturais para a sociedade. Nesse contexto prevalece a figura de John Muir; escocês, autodidata, estudioso de geologia, química e botânica, criador da teologia biocêntrica da natureza e escritor de dois livros: Our National Parks, de 1901 e A thousand-mile walk to the Gulf de 1916 (5). Muir é considerado como idealizador do movimento conservacionista americano e suas ideias constituíram a base do movimento ambientalista que começara a se formar.
Quando se coloca em pauta o desenho ambiental, pode-se dizer que foi utilizado no contexto urbano da cidade moderna por Frederick Law Olmsted em seus projetos para o Sistema de Parques de Boston, também conhecido como Emerald Necklace, e para Riverside, bairro residencial projetado em Chicago. Agricultor e jornalista, nascido nos Estados Unidos na América em 1822, viajou para Londres em 1850 e encantou-se com a ideologia dos parques ingleses e os trabalhos de Capability Brown e Joseph Paxton. Viu nos parques ingleses, além de questões relativas à natureza como potencializadora de qualidade de vida, espaços capazes de desenvolver a integração da sociedade, independente das classes sociais. Olmsted é o criador do termo e da profissão de arquiteto paisagista, bem como da Associação Americana dos Arquitetos Paisagistas – ASLA.
Segundo Franco, o conceito de desenho ambiental deve ser entendido nos cenários “inter, multi e trans-escalares” (6) e deve incorporar a visão sistêmica nos ecossistemas urbanos, naturais e agrossistemas. Trata do projeto integrado entre o urbano e o natural, visando a preservação dos recursos naturais, cursos d'água, vegetação e vida selvagem, permitindo a perpetuação da vida em meio ao contexto de crescimento acelerado das cidades. A metodologia de desenvolvimento de projetos deve ser diferenciada das formas tradicionais de planejamento urbano e Franco sugere a utilização de “cenários ambientais” (7), projeções de situações futuras para o meio ambiente que atinjam a solução de problemas preexistentes ou a sua amenização.
Abordado no contexto urbano, o desenho ambiental pretende preservar áreas com interesse ecológico que estejam inseridas na cidade, de forma que tais áreas possam recriar um cenário natural simbólico da paisagem, exercer aspectos ligados a recreação e manter o processo ecológico, funcionando como base de suporte para produção de água e ar puro, visando o equilíbrio ecossistêmico entre meio natural e meio construído.
A forma urbana e os elementos urbanos
Muitos são os autores que trabalham no sentido de definir a forma urbana. Esse trabalho entende que ela é o resultado da composição e relação entre os elementos físicos que compõe o espaço urbano. Segundo Antonucci, “a forma urbana é decorrente da combinação entre o sítio natural e os traçados viários preexistentes, entre o parcelamento do solo e a implantação de infraestrutura” (8). Para Moudon:
“A forma urbana é definida por três elementos físicos essenciais: edifícios e seus espaços abertos correlatos, lotes urbanos e ruas. A forma urbana pode ser entendida em diferentes níveis de resolução. Em geral, quatro são reconhecidos, correspondendo ao edifício e seu lote, o quarteirão, a cidade e a região. A forma urbana somente pode ser compreendida historicamente desde que os elementos dos quais é composta passam por contínua transformação e mudança” (9).
Para Coelho, a questão da forma urbana é analisada sempre que se discute e reflete sobre a cidade e para que se possa projetar e intervir sobre a mesma deve-se ter uma análise bem embasada desse território (10). O autor coloca o tecido urbano como o elemento que unifica os demais componentes do espaço urbano, sendo eles públicos ou privados e usa a análise decompositiva desse elemento apenas com cunho teórico e modelo de análise simplificada, já que decomposto, o conjunto perde todo seu significado histórico e temporal. Os elementos usados para a composição do tecido urbano pelo autor são: o traçado, a malha, a praça, a rua, o quarteirão, a parcela, o edifício singular e o edifício comum, sendo que os quatro primeiros são entendidos como componentes da esfera pública e os quatro últimos da esfera privada.
Como dito, o tecido reflete a cidade construída e é composto da relação entre os demais elementos que o compõe. O traçado é formado pelo sistema de vias e espaços abertos que compõe o espaço e que através de sua articulação formam uma estrutura complexa e indivisível. Fernandes coloca a importância da topografia (suporte físico) como definidora desse traçado e também como elemento deformador do mesmo na medida em que os acidentes geográficos criam obstáculos ao desenho do traçado e formação do tecido urbano (11).
Malha é o elemento originado através da composição específica de lotes que definem as quadras e da composição dessas no espaço. Trindade (12) descreve, através da tradição portuguesa de criação de novos núcleos de povoamento nos séculos 13 e 14, como os elementos fundamentais de criação das cidades se articulam e impactam na composição da malha.
A praça é um dos elementos mais importantes das cidades e exprime os valores socioculturais da sociedade. É elemento vital e estruturador do espaço, parte integrante do traçado e formada através da configuração dos edifícios que delimitam seu espaço. Silva (13) coloca a função que exerce de lugar de encontro, comércio, circulação e representação como relevantes mesmo com as transformações de desenho e valores que possam sofrer com o decorrer do tempo.
A rua é o principal elemento formador do tecido já que, como elemento preponderante de composição do espaço de circulação, articula os demais elementos que compõe o tecido urbano. Proença coloca a rua como elemento “linear e contínuo do espaço público da cidade” e também como espaço atrelado ao sentido de moradia, percurso e lugar (14).
O quarteirão é o elemento que faz a transição entre as escalas pública e privada, podendo ser gerador do traçado urbano ou resultante do mesmo. Costa coloca sua relevância como campo de experimentação da arquitetura contemporânea devido às possibilidades de desenho possíveis no mesmo quando pretende articular o espaço privado de moradia e trocas da sociedade com os espaços públicos de circulação e permanência (15).
A parcela é a porção de terra resultante da divisão do espaço em lotes. Segundo Leite é o elemento que “materializa fisicamente a divisão da propriedade, rural ou urbana” (16).
Como componente de formação do quarteirão é importante na definição entre o espaço público e privado, exerce influência na constituição da densidade urbana e ajuda a construir a identidade de determinadas áreas. Tem relação dinâmica com os projetos do sistema viário já que diferentes categorias de via configuração diferentes padrões de parcelamento.
O edifício é colocado como o último elemento da hierarquia urbana e é classificado em duas categorias: edifício singular e o edifício comum, de acordo com seu uso e tipologia arquitetônica. Pereira analisa a importância histórica de determinados períodos e tipos arquitetônicos na composição da imagem do espaço (17). Monteys coloca o fator de repetição do tipo do edifício comum, geralmente as casas, também como criador da imagem das cidades (18).
Este trabalho irá utilizar a classificação desenvolvida por Coelho como forma de análise de resultados da produção do espaço analisado adiante, desconsiderando os aspectos intrínsecos às cidades portuguesas que são a base de estudo da obra referenciada.
A cidade de Chicago e o bairro de Riverside
A cidade de Chicago foi fundada em 1833 e se estabeleceu como ponto de trocas de mercadorias já que se situava entre o Rio Mississipi, importante canal de escoamento de mercadorias e os grandes lagos, tendo o rio Chicago como ligação entre esses pontos. Em 1785, o Plano de Ordenamento Territorial do Nordeste dos Estados Unidos da América, ou Lei de Terras, desenha sua primeira divisão de cidades, utilizando como base um desenho retangular, que prevê a divisão dessas cidades em lotes também quadrangulares. Em 1830, como é possível averiguar no desenho, James Thompson desenha o primeiro plano de Chicago, que foi baseado no princípio da grelha (19). Em 1870, com a conclusão da ferrovia, a cidade sofre um grande crescimento populacional e inicia seu processo de expansão acelerada pelo território. A implantação da ferrovia foi vista pelos especuladores imobiliários, como grande oportunidade e diversos loteamentos residenciais começaram a ser planejados nos subúrbios da cidade.
Nesse contexto surge Riverside, um loteamento planejado, aberto, localizado nas margens do rio Des Plaines, a 14 km do centro de Chicago, projetado por Frederick Law Olmsted e seu sócio Calvert Vaux entre 1868 e 1870. Sua importância na história do desenho urbano deve-se ao fato do seu caráter inovador, pois nenhum loteamento ou subúrbio desenhado antes no país se assemelhava à Riverside, que toma como princípios norteadores de projeto a arquitetura da paisagem e a preservação ambiental. Seu valor paisagístico é reconhecido em nível internacional e em 1970 ele foi decretado Patrimônio da História Americana (20).
Olmsted utiliza no desenho de Riverside muitos elementos que são característicos de seu modo de projetar e que podem ser observados em muitos de seus projetos (21). O mais evidente deles é a influência da Escola Inglesa da paisagem e principalmente do Birkenhead Park, que trabalha com áreas de transição entre cidade e parque onde as duas tipologias são colocadas em conjunto criando áreas mistas de moradia e lazer. Olmsted fez uso dessa concepção e criou o conceito de “parque design”, que vincula a vida doméstica e as áreas caracterizadas como de lazer e parques, desenhando-as de forma unificada, quebrando a rigidez da grelha planificadora das cidades americanas.
Em relatório sobre a concepção do projeto para Riverside, Olmsted evidencia os princípios norteadores que seriam adotados para a área:
“Nas rodovias, aceleração será de menor importância do que o conforto e a conveniência de movimento, e para direcionamento comum linear em ruas da cidade, com a sua regularidade de plano, gostaria de impulsionar o ímpeto de seguir em frente, sem olhar para a direita ou a esquerda, nós devemos recomendar a adoção geral, na concepção de suas vias, de linhas curvas graciosas, espaços generosos, integrando lazer, contemplação, tranquilidade e felicidade” (22).
Tais princípios seriam desenvolvidos focando atingir um objetivo que era projetar um bairro que mesclasse ideias de urbano e de campo, através de uma sequencia de espaços abertos e vistas que pudessem demonstrar, através da construção desse espaço, o que melhor se pode encontrar no campo e na cidade. Desse objetivo foram derivados quatro princípios fundamentais de projeto: vistas coordenadas; melhoria da qualidade de vida com a promoção da saúde e convivência; criação de espaços abertos e a preservação e valorização dos recursos naturais (23).
A gleba destinada ao desenvolvimento do projeto é cortada pelo rio Des Plain que teve seu leito original preservado e usado como eixo organizador de todo o projeto. As várzeas do rio também foram preservadas e tratadas, hora com mata ciliar, hora com espaços abertos que capturavam vistas interessantes da paisagem. Na escolha das espécies vegetais, Olmsted adotou espécies nativas e composições que remetessem aos campos e florestas naturais, recusando todo tipo de formalismo. A topografia do terreno também foi mantida em sua formação original.
Os espaços públicos foram tratados com grande atenção e foram acomodados em algumas das áreas mais interessantes do terreno, como várzeas com funções ecológicas e morrotes elevados que permitissem belas vistas do conjunto da paisagem. A intenção do projetista era possibilitar aos moradores que utilizassem essas áreas para encontro, ativando laços de comunidade e sociabilidade e de práticas esportivas, contribuindo com a melhora da saúde mental e física e qualidade de vida. Espaços comuns foram também previstos entre e ao longo das residências, protegendo as mesmas do leito carroçável. Essas áreas de quintais fronteiriços às residências foram concebidas como espaço privado de função pública.
A ideia de criar “vistas coreografadas e cênicas” é um dos pontos relevantes do projeto. Através da composição de elementos usados em diferentes escalas e arranjos, Olmsted pretendia fazer do movimento do caminhar do pedestre uma experiência, criando surpresas através das vistas que de desdobravam através dos caminhos curvilíneos que se acomodavam à topografia natural do terreno, do arranjo da vegetação, da colocação de canteiros triangulares na intersecção de vias. Utilizou o artifício de deixar as vias destinadas ao trânsito de veículos mais fundas do que as áreas comuns, de forma que não criassem bloqueios visuais na paisagem e a tornasse contínua, engrandecendo-a.
O impacto do desenho ambiental sobre a forma urbana: análise de Riverside
Como visto acima, o projeto desenvolvido para Riverside, toma como base diretrizes de preservação ambiental e critérios cênicos para sua composição e como resultado vê-se um desenho bem diferente do restante da cidade, que é composta com base no desenho de grelha ortogonal. Como critério de análise e relação entre esses dois modelos, e para avaliação da influência da preservação ambiental na composição da forma urbana, será utilizado método decompositivo de elementos e avaliação através de imagens. É sabido que a forma da cidade de Chicago sofreu alterações desde sua criação e que estas são originadas com base em dinâmicas complexas que derivam de fatores urbanos, econômicos e sociais. Não se pretende, nesse estudo, desconsiderar esses fatores e sua importância, tampouco homogeneizar a leitura da cidade e sim destacar os elementos que diferenciam a forma urbana de Riverside quando comparados ao restante da cidade.
Dos elementos usados para a composição do tecido urbano pelo autor, serão utilizados neste estudo apenas os que consideramos apresentar resultados mais significativos para análise proposta. São eles: rua, a malha, o traçado e o tecido. A tabela abaixo faz uma síntese comparativa entre a abordagem desses elementos no projeto de Riverside e no tecido dos subúrbios residenciais de Chicago.
A análise da rua, que considera para avaliação toda a caixa da rua, dos modelos estudados apresenta considerável diferença de desenho. O padrão do subúrbio (e da maior parte da cidade) de Chicago apresenta uma hierarquização de ruas e avenidas organizadas em forma de grelha ortogonal que prioriza, hoje, o tráfego de veículos motorizados, em detrimento ao de pedestres, apresentando leito carroçável com áreas para estacionamento, calçadas estreitas entre os mesmos e as residências, e rede elétrica aérea aparente nas calçadas. Muitas das casas possuem cerca delimitando seus quintais, o que afeta a compreensão do espaço como todo e distingue claramente o público do privado.
Em compensação, as ruas (ou caixas das ruas) do loteamento de Riverside possuem um caráter bucólico, advindo de suas diretrizes de projeto, que pretendiam trazer o campo para todo o bairro. Um único tipo de via é usado, sem hierarquização, contendo duas faixas de veículos e largas calçadas verdes extensamente arborizadas. Árvores nativas de grande porte foram plantadas ao longo dessas calçadas, provendo sombra e ar fresco aos moradores. Como o regulamento do condomínio, que foi escrito na época de seu lançamento, não permite o cercamento dos quintais nas áreas lindeiras às ruas, a sensação do espaço público é ampliada e o que se percebe é um entendimento de vastas áreas verdes e vegetadas, remetendo ao ideal de um parque. A iluminação urbana é feita a partir de pequenos postes na escala do pedestre, o que traz um ar ainda mais bucólico ao local.
A malha é constituída pela composição das quadras e seus lotes. Quando analisada a malha tradicional de toda Chicago nota-se a presença do desenho da grelha, que forma os lotes particulares e compõe as quadras, dando origem à um desenho padrão em praticamente toda a cidade, que varia apenas em tamanho e escala, já que a posição centralizada das edificações nos lotes residenciais também obedece um certo padrão.
A malha de Riverside mostra configuração muito diferenciada em relação à do entorno. A divisão de lotes não segue um padrão de desenho e nem se tamanho e portando forma quadras com desenho diferenciado, que lembram folhas de árvore. Essas quadras são compostas também sem seguir uma regra e são, na verdade, originadas do desenho do traçado, que segue padrão curvilíneo e acomoda grandes canteiros entre ruas. Algumas quadras permitem passagens em seu interior, entre o fundo dos lotes, agregando espaço público entre o privado e facilitando os acessos de pedestres. As edificações são, de forma geral, localizadas no centro do lote e em composição com os grandes terrenos onde estão implantadas, não chegam a compor ritmo ou padrão que se perceba na paisagem, também devido à grande quantidade de árvores que dominam a leitura do espaço, o que acrescenta ritmo maior à paisagem.
O traçado de Chicago segue os princípios de grelha do Plano de 1930. O traçado de Riverside apresenta clara diferenciação em relação ao traçado do restante de toda a cidade de Chicago e é seu elemento de maior destaque, que lhe confere muito do valor que lhe é identificado e que foi proposto em projeto.
O desenho das ruas foi desenvolvido em função de dois parâmetros: a preservação das curvas de nível originais do terreno, o que lhes garante caráter de inclinação suaves e curvas e também a idéia de se criar vistas e cenários diferenciados durante o caminhar. Para atingir o objetivo da criação das vistas diferenciadas e sair do padrão monótono e linear presentes em Chicago, são criadas , nas interseções de vias, canteiros praceados e vegetados que trazem uma composição especial ao conjunto, já que trazem o elemento natural para o capturar da visão e escondem a vista das residências a fundo, não deixando com que em uma passada do olhar seja visto um conjunto grande de residências, como acontece nos subúrbios da cidade.
O tecido urbano, como elemento resultante da composição dos demais, evidencia a análise desenvolvida dos elementos decompostos. Ao se observar Riverside, inserido no tecido urbano de Chicago, três pontos são imediatamente percebidos: o traçado diferenciado, originado das ondulações naturais do relevo local, e que remete às curvas do rio e da natureza, o próprio rio com seus meandros e as áreas de preservação de vegetação, que criam uma ruptura no traçado e toda a mancha verde presente no conjunto, resultante da arborização extensiva que foi utilizada no projeto. A foto aérea retirada do Google evidencia os pontos citados acima.
Considerações finais
Com base na análise morfológica decompositiva desenvolvida sobre o bairro de Riverside, em comparação ao tecido tradicional de um bairro também com predominância de uso residencial do restante da cidade de Chicago, pode-se perceber claramente a influência dos elementos naturais e do desenho ambiental sobre a forma urbana. Asplund coloca a importância do sítio geográfico na definição do traçado urbano, ressaltando que acidentes geográficos tornam-se obstáculos ao desenho do mesmo, criando rupturas, deformações, inversões de direção ou convergências (24). O autor enfatiza o valor do sítio como formador do traçado quando o mesmo mostra as alterações naturais de relevo nas vias da cidade, fato que fica muito evidenciado no projeto estudado, mostrando como a preservação das características naturais do terreno, ou sítio, exercem forte influência na composição da forma das cidades.
Aplicando o método da decomposição utilizado por Coelho ao sítio geográfico e analisando seus elementos naturais, podemos dizer que ele o sítio é constituído de um suporte físico, sua base, e de mais dois elementos: água e vegetação. A água pode se apresentar na forma de oceanos, lagos e rios (25). A vegetação, por sua vez, pode estar concentrada em grande ou pequenas manchas ou estar presente de forma esparsa. Esses dois últimos elementos configuram obstáculos à implantação e crescimento das cidades, e por isso, durante os últimos anos e principalmente após a revolução industrial, quando houve um grande crescimento das mesmas, esses elementos foram tratados como obsoletos e alterados de acordo com as necessidades de cada momento. Matas foram cortadas para dar lugar a edifícios e cursos d'água desviados ou canalizados para dar lugar à ruas e a grandes avenidas.
Nesse sentido, fica claro que as questões relacionadas à preservação e desenho ambiental exercem forte influência sobre a forma urbana, de forma direta sobre a composição do traçado e indireta sobre os demais elementos que a compõe. Elementos contínuos, como rios e parques lineares, conectores ecológicos naturais e de biodiversidade tão valorizados no desenho e planejamento ambiental, representam rupturas quando vistos pela ótica urbana e podem criar obstáculos à urbanização. Ilhas fechadas às questões urbanas, como áreas de preservação de vegetação, nascentes e lagos, representam manchas impenetráveis e deformadoras do tecido urbano.
Ao mesmo tempo que apresenta essas divergências, este trabalho mostra a importância do desenho ambiental como instrumento de desenho das cidades, propulsor de qualidade de vida, de transformação e requalificação de espaços. A preservação de áreas naturais e sua inserção na malha urbana, adquirindo caráter e funções de espaços públicos, instiga a convivência social e a reaproximação do homem com a água e a vegetação, trazendo a natureza de volta ao contato humano.
notas
1
NEWTON, Norman T. Design on the land: the development of landscape architecture. Massachusetts, The Belknap Press of Harvard University Press, 1970.
2
JELLICOE, Geoffrey and Susan. The Landscape of Man. New York, Thames and Hudson Inc., 1995.
3
ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, Gustavo Gili, 2001.
4
FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo, Annablume, 2000, p. 89.
5
Idem, ibidem.
6
Idem, ibidem.
7
FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Desenho ambiental – introdução à arquitetura da paisagem com o paradigma ecológico. São Paulo, Annablume, 1997, p. 132.
8
ANTONUCCI, Denise. Morfologia urbana: o conceito. In: I Seminário Projetos Urbanos Contemporâneos no Brasil, 2006, São Paulo. I Seminário Projetos Urbanos Contemporâneos no Brasil. São Paulo, Universidade São Judas Tadeu, 2006.
9
MOUDON, Anne Vernez. Urban morphology as an emerging interdisciplinary field. Urban Morphology, n. 1, 1997, p. 7. Tradução nossa.
10
COELHO, Carlos Dias (org.). Os elementos urbanos. Lisboa, Argumentum, 2013. (Cadernos MUrb Morfologia Urbana, v. 1).
11
FERNANDES, Sérgio Padrão. O traçado. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
12
TRINDADE, Luísa. A malha. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
13
SILVA, José Miguel. A praça. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
14
PROENÇA, Sérgio Barreiros. A Rua. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
15
COSTA, João Pedro. O quarteirão. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
16
LEITE, João Silva. A parcela. Um instrumento de leitura dos elementos lineares emergentes. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
17
PEREIRA, Paulo. O edifício singular. Edifícios discretos. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
18
MONTEYS, Xavier. O edifício comum. Casas lisboetas. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
19
CHICAGO HISTORICAL SOCIETY, 2005
20
FAIKS, Sarah; KEST, Jarrett; SZOT, Amanda; VENDURA, Molly. Revisiting Riverside: A Frederick Law Olmsted Community. Dissertação. School of Natural Resources and Environment, University of Michigan, Michigan, 2001.
21
idem, ibidem.
22
OLMSTED, Frederick Law; VAUX, Cauvert. Preliminary Report upon the Proposed Suburban Village at Riverside. Chicago: Olmsted, Vaux & Co, Landscape Architects, 1868. Disponível em: <www.fandm.edu/david-schuyler/urban/preliminary-report>. Acesso em: 04 junho 2015.
23
FAIKS, Sarah; KEST, Jarrett; SZOT, Amanda; VENDURA, Molly. Op. cit.
24
FERNANDES, Sérgio Padrão. O traçado. In: COELHO, Carlos Dias (org.). Op. cit.
25
COELHO, Carlos Dias. Op. cit.
sobre a autora
Evy Hannesé arquiteta e urbanista, especialista em Arquitetura da Paisagem e Desenho Ambiental pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Docente de Projeto Urbano e Paisagismo na Universidade Paulista (UNIP).