A demanda por habitação de interesse social continua, aproximadamente de 5 milhões de unidades, apesar do maior programa habitacional da história do Brasil, o Programa Minha Casa Minha Vida, ter ofertado dois milhões de unidades e ter contratado mais de três milhões. O processo rápido de urbanização, com o povoamento de metrópoles desprovidas de suficiente infraestrutura associada ao aumento da pobreza e do desemprego das últimas décadas, pode explicar em parte a expansão das formas irregulares de habitação no Brasil (1).
Na cidade de São Paulo, aproximadamente três milhões de pessoas moram em favelas, cortiços, ou loteamentos irregulares e a construção de conjuntos habitacionais e melhorias nas infraestruturas nesses locais podem viabilizar melhores condições de moradia.
“Essa nova forma de atuação da municipalidade, que reconhece a existência da favela como fenômeno territorial, resultou na implantação de uma série de projetos, que foram sendo aprimorados, e que atualmente apontam para a organização desses territórios de modo a incorporá-los à cidade reconhecida dentro das normas das legislações vigentes” (2).
Neste âmbito, o Programa de Urbanização de Favelas, o qual visava transformar os assentamentos precários e loteamentos irregulares, garantindo o acesso à cidade formal fez parte da política habitacional do município, entre 2005 e 2012. A partir de 2005, a Secretaria de Habitação – Sehab implantou um sistema intenso de planejamento, o qual contribuiu para a elaboração do Plano Municipal de Habitação – PMH.
Vale colocar que o Plano Municipal de Habitação, de 2009-2024 (3), apresenta como princípios fundamentais: moradia digna; justiça social; sustentabilidade ambiental; gestão democrática e gestão eficiente. Neste âmbito a moradia digna é caracterizada pelo atendimento as demandas do residente, contando com a infraestrutura mínima necessária. Além disso, a compreensão deste conceito está relacionada a inclusão sócio espacial.
“No campo da produção habitacional, o desafio é equilibrar os investimentos para o saneamento e a consolidação dos assentamentos precários, a prevenção da ocupação de áreas impróprias ou de proteção ambiental com investimentos na produção de novos empreendimentos habitacionais. Não há uma solução única, ao contrário, a diversidade de soluções deve pautar a política de atendimento habitacional” (4).
Heliópolis, a maior favela de São Paulo, está localizada no bairro do Ipiranga, região Sudeste, tem uma população aproximada de 65 mil habitantes (5). A divisão foi realizada em 14 glebas. O início da ocupação de Heliópolis ocorreu na década de 1970, como resultado da transferência de famílias que viviam no bairro da Vila Prudente para um alojamento no local onde atualmente situa-se a gleba K. Nos últimos anos, esta comunidade continua sendo alvo de intervenções urbanísticas que objetivam melhorar as condições de infraestrutura e até mesmo realizar a transferência das famílias.
“Os levantamentos Habisp (2012) contabilizam 15.843 domicílios em Heliópolis, com atendimento de 83% dos domicílios com abastecimento de água, 62% com esgotamento sanitário, 100% de coleta de lixo e 94% de rede elétrica domiciliar. Os dados do IBGE apontam para uma diferença de cerca de 3 mil domicílios . Entretanto os programas de Urbanização buscam atender a demanda apresentada pelo Habisp” (6).
Segundo dados da Superintendência de Habitação Popular, antigo Habisp (7), 92% da área de Heliópolis está compreendida em Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS. Vale colocar que o novo Plano Diretor Estratégico – PDE consolida as ZEIS como instrumento de planejamento habitacional e urbano, visando garantir beneficiar os mais de 25% dos habitantes que vivem nestas áreas.
O Plano Urbanístico 2010/2024 realizado pela Prefeitura de São Paulo para a comunidade de Heliópolis propõe diretrizes como a integração entre as glebas e com seu entorno imediato. Segundo a Superintendência de Habitação Popular “qualquer proposta de melhoria nas favelas, que têm altos índices de vulnerabilidade, deve considerar o fato de que as favelas estão encravadas nas áreas metropolitanas” (8).
Sobre essa perspectiva o projeto da Gleba G em Heliópolis está situada em uma posição de conexão entre a cidade formal e informal, na confluência da Avenida Comandante Taylor e a Avenida Juntas Provisórias. A relação espaço/cidade é baseada no modelo "quadra europeia", justamente privilegiando essa articulação.
“É fato que o perfil das obras de habitação de interesse social em São Paulo vem mudando nos últimos anos, e para melhor. Experiências como o Residencial Corruíras (AU 236) e o Jardim Edite (AU 231) mostram que é possível fazer habitação popular de qualidade, com projetos de arquitetura elaborados especificamente para as condições físicas e sociais do lugar, superando a velha lógica de repetição de tipologias pré-determinadas que dominavam as políticas habitacionais na cidade em um passado não tão distante” (9).
A necessidade de se produzir conjuntos habitacionais e pensar planos urbanísticos que atendam as demandas populacionais é algo latente. No âmbito do planejamento urbano, fóruns com a participação da população foram realizados para que fossem definidas as diretrizes do plano para Heliópolis. Já para o setor de projetos habitacionais o Conjunto Heliópolis Gleba G (2011-2014), atribuído ao escritório Biselli Katchborian Arquitetos Associados exemplifica essa preocupação, privilegiando os espaços públicos de interesse do morador.
“A participação popular em todos os aspectos do empreendimento garante o surgimento não só de um conjunto habitacional, mas de uma comunidade: ao lado das moradias, surgem creches, oficinas culturais, centros comunitários e outras atividades, que resultem em espaço de uso coletivo. Cria-se uma identidade entre os moderadores e sua habitação que se distingue na selva cinza que caracteriza a periferia” (10).
O Conjunto da Gleba G é apontado como sendo um exemplo de arquitetura focada nos moradores e que busca atender ás exigências dos novos programas de habitação (11).
“Uma quadra colorida que se integra à animada paisagem do bairro e que, quando confrontada com os antigos conjuntos, transforma-se em lição de arquitetura, confirmando que é dessa forma que se consolidam as cidades inclusivas, apostando na qualidade dos projetos e na integração de territórios” (12).
A questão pragmática de que os conjuntos habitacionais devem seguir a lógica de baixo custo e fácil execução, permeou a forma de concepção dos projetos durante várias décadas. Porém, estudos de casos como o Conjunto Habitacional Gleba G, exemplificam a nova lógica que deve ser implantada na habitação de interesse social.
“É certo que todo arquiteto defende seu projeto como um produto da aplicação da lógica face aos dados fornecidos para sua elaboração. Mas, em arquitetura parece que temos uma lógica para cada projetista, pois se dependêssemos meramente da lógica, o processo seria universal e já não caberia qualquer preocupação sobre o assunto. Talvez, neste caso, a ação de projetar e construir já teriam sido integralmente resolvidos pela indústria, através de seus computadores e máquinas” (13).
As soluções construtivas em projetos para a habitação de interesse social visam em geral a racionalidade e repetição. Sobre os aspectos dos materiais utilizados na construção de conjuntos habitacionais, a técnica usada com maior frequência é a de alvenaria de blocos de concreto, por serem de fácil obtenção, manuseio e mão de obra. O mesmo sistema construtivo utilizado no projeto do escritório Biselli & Katchobiran Arquitetos Associados, mas que não prejudicou a expressividade da arquitetura produzida.
Em 2010 foi lançado o Selo Casa Azul, o qual passou a ser considerado um instrumento de classificação socioambiental. Esta certificação é pioneira no Brasil e adequa-se as características nacionais. Dessa forma torna-se interessante fundamentar-se nas premissas estabelecidas pelo Selo Casa Azul para analisar o projetos de habitação, inclusive as de interesse social, produzidas no Brasil.
A pesquisa tem por objetivos: avaliar a inserção urbana do projeto, tendo em vista a questão da conexão entre a cidade formal e informal; analisar os aspectos construtivos empregados neste projeto; compreender as diretrizes que nortearam a concepção arquitetônica e urbanística e indicar as principais qualidades do projeto e os aspectos que poderiam ser aprimorados.
A temática que envolve a habitação de interesse social vem sendo debatida devido a sua relevância no contexto nacional e ao fato do crescimento das cidades não ser acompanhado por infraestruturas e equipamentos sociais. A urbanização de favelas realizada no início do século 21 foi explorada por autores que participaram do processo (14).
O Selo Casa Azul da Caixa tornou-se relevante para a análise de conjuntos habitacionais, ao abordar questões relacionadas à sustentabilidade do empreendimento, da sua implantação até a pós-ocupação. Segundo análise sobre o Conjunto Residencial Rubens Lara (15), na cidade de Cubatão, que apesar de não sido executado para receber o Selo Casa Azul, pode ser considerado uma referência nacional em termos de arquitetura e urbanismo sustentáveis.
A análise dos conjuntos habitacionais sobre uma perspectiva mais ampla se fez necessária e dessa forma a utilização de critérios de sustentabilidade atendem as novas demandas por uma arquitetura mais consciente de seus impactos. Sobre este âmbito, o conceito de sustentabilidade aborda também questões relacionadas às práticas sociais, as quais envolvem aspectos relativos a gestão do projeto e a participação da comunidade neste processo.
O método empregado na pesquisa foi o desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa “Arquitetura e Construção”, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na análise de vários conjuntos habitacionais de interesse social (16), podendo ser elencado nas seguintes etapas: pesquisa bibliográfica; análise e tratamento dos dados; análise do projeto: inserção urbana; materialidade; gestão da água e gestão da energia, fundamentados pelos quesitos indicados pelo Selo Casa Azul da Caixa Econômica Federal; redesenho para elaborar simulações computacionais com o softwares Autodesk Flow Design 2014 e o Relux Professional; visitas in loco e entrevistas com o arquiteto Mario Biselli.
Heliópolis
A Comunidade de Heliópolis tem como áreas limites: o Município de São Caetano do Sul; a via Anchieta; a Avenida Almirante Delamare; a Rua das Juntas Provisórias; a Estrada das Lágrimas e o Córrego Independência em São João Clímaco. Atualmente, a Secretaria de Habitação desenvolve um plano de intervenção que está sendo realizado em etapas pelo Plano Municipal de Habitação (PMH), 2009-2024. As glebas que estão recebendo novas unidades habitacionais são: A, G, K e N. A Gleba G, a qual está sendo analisada, tem uma localização de conexão entre cidade formal e informal. Sobre este âmbito, o Plano Urbanístico visa justamente a maior integração entre o bairro do Ipiranga e Heliópolis, o que coloca os projetos da Gleba G em posição de destaque.
Desde 2005, a Secretaria Municipal de Habitação tem desenvolvido uma política habitacional em São Paulo que resultou na elaboração do Plano Municipal de Habitação Social da Cidade de São Paulo (2009- 2024). Outro aspecto relevante está relacionado ao fato do plano incentivar a formação de bairros compactos com predominância de uso misto. O novo Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, lei 16050/14, colocou que o Programa Minha Casa e Minha Vida atende a população que ganha de 0 a 6 salários mínimos. Vale ressaltar que, em empreendimentos de interesse social não são computáveis até 20% da área construída para usos não residenciais, como estímulo ao uso misto. No projeto da Gleba G, foram reservados espaços no térreo para a implantação de comércios.
O projeto
A habitação pode ser entendida como parte significativa da arquitetura que compõe a cidade e esta interpretação reflete na importância dos projetos habitacionais (19), o modo mais recorrente de concepção projetual no Brasil, está associado a uma lógica desenvolvida do todo para a parte, porém nos projetos de HIS a concepção tem como ponto de partida a célula mínima habitacional.
O projeto de um conjunto habitacional envolve questões relativas ao projetar a quadra e até mesmo a cidade. No âmbito da habitação, a análise do histórico brasileiro remonta para a proposta higienista da década de 1970, a qual estava em consonância com as propostas modernistas da Carta de Atenas (1943). Le Corbusier propunha a interpretação do solo da cidade como sendo público justificando a adoção dos pilotis, o primeiro croqui da figura 3 representa esta opção de projeto. Na cidade de São Paulo, sempre foi aplicado o conceito de uso do solo que têm como princípio o território privado. Dessa forma, a cidade contemporânea enfrenta questões relativas a segregação espacial, como a questão dos muros nos conjuntos habitacionais, mesmo estes estando dentro das comunidades, os quais se transformam em condomínios fechados e geram condições inadequadas para os pedestres.
O projeto da Gleba G de Heliópolis visa romper com o pensamento de uma cidade marcada pela segregação. Os arquitetos propuseram uma forma de conceber o projeto para que não fossem criados muros, o prédio seria uma barreira para garantir a privacidade no miolo de quadra. A topografia do terreno foi explorada para que a construção não ultrapassasse os doze metros permitidos pela legislação e a circulação vertical fosse realizada sem o uso dos elevadores, para tanto foram utilizadas passarelas que mantém a cota de acesso.
As grandes circulações horizontais para projetos habitacionais tornam-se ineficientes, e dentro desse argumento os arquitetos colocaram acessos verticais a cada quatro apartamentos, diminuindo dessa forma os percursos. O Conjunto habitacional foi edificado utilizando-se a técnica construtiva da alvenaria estrutural com blocos de concreto, sendo o pórtico de entrada com concreto moldado no local. As passarelas que conectam os edifícios foram executadas com estrutura metálica, fato que não é recorrente em projetos de habitação social brasileiras, por serem onerosas, mas esta foi uma concessão feita pelo poder público. Biselli (20) ressaltou que as passarelas estão afastadas cinco metros do edifício, para atender as normas contra incêndios e que a questão cromática tem o objetivo de contribuir para a distinção entre os blocos.
Análise segundo o selo Casa Azul
Os resultados obtidos a partir da análise proposta e detalhada pelo Selo Casa Azul foram obtidos por meio das entrevistas, levantamentos in loco e bibliografia e são expostos na tabela 1, mediante a adoção dos seguintes critérios:
Sim – Quando o Conjunto Habitacional atender as demandas referentes ao critério exposto.
Não – Mediante o não cumprimento de pelo menos 50% das características em destaque no referido item estudado.
Parcialmente – Diante do cumprimento de 50 % a 90% das características apresentadas na avaliação do critério analisado.
Não se aplica – Perante um critério de análise que não se adeque ao tipo de edificações em questão, impossibilitando uma avaliação.
1. Qualidade urbana
Nas proximidades da Gleba G, a infraestrutura urbana conta com: a estação Sacomã da Linha Verde do Metrô e pontos de ônibus, situados em sua maioria na Rua Juntas Provisórias e Av. Comandante Taylor. A rede de transporte público coletivo não entra em Heliópolis, devido ao grande número de vielas e de suas pequenas larguras, porém isto não influencia diretamente aos moradores do Conjunto Habitacional Gleba G. O projeto está situado no eixo de conexão da cidade formal e informal, estando delimitado pelas R. Comandante Taylor e Av. Juntas Provisórias. Dentro da comunidade há farta oferta de comércio e serviços.
O projeto fez parte do Programa Urbanização de Favelas, o qual visa atender principalmente as famílias da comunidade que estavam em áreas de risco dentro da própria comunidade e o conjunto foi construído para 510 famílias que foram realocadas.
2. Projeto e conforto
Paisagismo
É útil lembrar que a segunda parte do conjunto ainda não foi construída. O projeto de paisagismo prevê a integração dos dois conjuntos, através dos pórticos com variação de pisos impermeáveis e permeáveis com vegetações. Os equipamentos de lazer potencializam o uso do espaço do pátio interno. As espécies regionais utilizadas no projeto foram: Cassia; Ipê Amarelo; grama São Carlos em Placas; Alamanda; Azaléia e Bela Emília.
Mediante visita in loco, foi constatado que as áreas verdes foram implantadas para a inauguração de parte do conjunto, porém estão mal preservadas. A implantação do paisagismo não foi eficiente nas áreas de grande circulação, o jardim se deu no mesmo nível do piso das circulações coletivas, o que contribui para que ocorra o pisoteamento nesses jardins, danificando totalmente o paisagismo nestas áreas.
Por meio da análise das plantas da alvenaria estrutural pode-se verificar que o projeto possui flexibilidade, porém pequena, devido à presença distribuída das estruturas dentro dos blocos, e estas não podem ser removidas.
Relação com a vizinhança
A relação com o entorno ocorre pelas passarelas que na Rua Comandante Taylor, as quais possibilitam o acesso aos blocos, acompanhando a topografia do terreno. Em relação ao gabarito, o entorno imediato possui gabarito médio de sete metros, dessa forma o conjunto assume um posto representativo da verticalização.
As áreas de lazer estão situadas nos dois pátios centrais que compõe o conjunto, onde estão dispostos bancos e equipamentos para o playground. Os moradores pretendem utilizar as salas dispostas no térreo para montarem uma biblioteca e espaço de uso infantil.
Desempenho térmico – vedações
O projeto, por dispor as unidades em forma de lâmina, conseguiu ter ventilação cruzada em todas as habitações. As tabelas abaixo representam os a análise da ventilação por ambientes como o estabelecido pelo Código de Obras da cidade de São Paulo. Os resultados demonstraram que os ambientes possuem área ventilada consideravelmente maior do que o mínimo estabelecido pela legislação, facilitando o bom desempenho térmico do projeto.
Desempenho térmico – orientações ao sol e vento
A avaliação da ventilação foi elaborada por meio do software Autodesk Flow Design 2014 (21), para as análises foi utilizada a velocidade do vento de 5m/s, equivalente a 18 km/h, sendo as direções predominantes do vento para a cidade São Paulo:
“Os ventos predominantes sopram do sul e sudeste, porém não são constantes nem fortes. Rajadas de maior força e intensidade provêm do noroeste. Há outras variações de direção, no nível macro climático, mas as maiores variações ocorrem por conta da topografia irregular da região (vales e colinas) e pela urbanização / verticalização” (22).
As simulações elaboradas por intermédio do software Autodesk Flow Design (23) apontaram que as unidades habitacionais são bem ventiladas e possuem ventilação cruzada, o que favorece o conforto térmico. Destaca-se que as unidades situadas na porção leste do conjunto possuem maior ventilação na área de serviço, tendo grande renovação do ar, fato que acaba sendo conveniente.
Análises de iluminância
Foram elaboradas simulação para averiguar se o desempenho mínimo de iluminância natural é atendido. As análises foram feitas de acordo com as exigências da ABNT NBR 15575:2013 – Edificações habitacionais – Desempenho, segundo a qual devem ser consideradas a análise em dias e horários diferentes: 23 de abril e 23 de outubro as 9h30 e 15h30. As tipologais analisadas foram simuladas com o software Relux Pro( 24 e 25) e os resultados demonstram que a distribuição da iluminação natural nos ambientes atende a referida norma, apresentando luminâncias acima do minímo exigido, atingindo desempenho considerado “superior”. A NBR 1575:2013 classifica os níveis de iluminamento para os dormitórios, copa/cozinha e área de serviço como: mínimo maior ou igual a 60 lux; intermediário maior ou igual a 90 lux e superior maior ou igual a 120 lux. Para os demais ambientes habitacionais não se exige o mínimo em lux e o desempenho denominado de intermediário é de 30 lux e o superior maior ou igual a 45 lux.
Outro aspecto detectado foi o fato de que a tipologia B possui uma distribuição de iluminação com desempenho inferior aos apartamentos da tipologia A, devido à sua localização.
As áreas de uso comum estão situadas no pátio central e os edifícios sombreiam as áreas de lazer, o que acaba sendo positivo durante o verão, pois esse sombreamento resulta em temperaturas mais amenas do que as áreas ensolaradas.
Os arquitetos utilizaram a topografia do terreno, a qual é marcada por um desnível de aproximadamente dois metros e criaram diferentes níveis térreos, evitando dessa forma a necessidade de elevadores. O processo de terraplanagem foi impactante porque, além dos cortes e aterros necessários para implantação dos edifícios no terreno, precisou a execução de troca de parte do solo, após a constatação de argila sem resistência necessária para a edificação do conjunto.
3. Eficiência energética
A eficiência energética do conjunto foi alcançada por meio de emprego de: iluminação e ventilação naturais; materiais e técnicas de acordo com as normas brasileiras, sombreamentos por meio das passarelas e do pátio central. Os aparelhos economizadores ficaram por conta da orientação aos moradores nas áreas privativa. Já nas áreas condominiais foram empregadas lâmpadas de baixo consumo.
4. Conservação de recursos materiais
O projeto da Gleba G foi realizado seguindo os padrões do sistema de alvenaria estrutural. A criação dos pórticos exigiu a adoção de estrutura de concreto armado moldado no local, em decorrência do vão a ser vencido. Sobre o âmbito dos materiais utilizados na obra, pode-se afirmar que são de qualidade, pois foram adquiridos de empresas legais e certificadas. As formas utilizadas são de pinus, sendo que esta madeira é proveniente do reflorestamento.
5. Gestão da água
O projeto contempla medição individualizada de água e os dispositivos economizadores-arejadores foram fornecidos aos moradores. O terreno possui áreas permeáveis e captação das águas pluviais, porém o armazenamento temporário destas não foi previsto, quesito que é obrigatório pelo Selo Casa Azul.
A análise desta categoria demonstrou que iniciativas básicas como a instalação dos dispositivos economizadores não foram realizadas durante a obra, o que exemplifica a postura recorrente em projetos de habitação de interesse social. A gestão da água dificilmente é abordada nestes projetos, porém tem grande relevância para obtenção de certificações sustentáveis.
6. Práticas sociais
A gestão do empreendimento é uma questão relevante e para foram realizadas reuniões durante o processo de projeto, visando incentivar a participação população. A orientação aos moradores se deu através da distribuição do Manual dos Moradores realizado pela SEHAB, o qual contempla os deveres e direito dos moradores. Dentre os deveres deve-se destacar a importância da gestão condominial, tendo em vista que antes de morar nesse conjunto os cidadãos estavam em moradias individuais. Os gastos extras oriundos da gestão condominial é um dos fatores que devem ser muito explicados aos moradores ao receberem as novas habitações, pois estes devem se preparar para novas despesas.
Os moradores foram orientados com relação ao tratamento do lixo, o qual primeiramente deve ser separados e armazenados nas lixeiras dos apartamentos e depois depositados no local de coleta. A capacitação para a gestão do empreendimento ocorreu durante a obra, através de reuniões com os futuros moradores. Os demais quesitos foram preenchidos a partir dos dados fornecidos nas entrevistas com os moradores durante os levantamentos feitos de setembro de 2015 a julho de 2016.
Considerações finais
O conjunto ora analisado adotou o partido de quadra aberta, fato que não é recorrente em projetos de habitação de interesse social brasileiros. Esta concepção consolida a questão de que o projeto habitacional também envolve o planejamento da quadra e interfere na esfera urbana. Sobre o âmbito urbano, a localização do conjunto é privilegiada, encontrando-se na conexão da cidade formal e informal.
A inserção do projeto no terreno marca a adequação do projeto a topografia existente, a qual foi utilizada para manter a cota de acesso permitida sem o uso de elevadores. Sobre a gestão da obra e participação dos moradores contatou-se que foram realizadas reuniões para a participação da comunidade no projeto. As questões de conforto e racionalização dos materiais e técnicas construtivas foram devidamente atendidas.
Sobre a análise a partir dos quesitos do Selo Casa Azul, importante instrumento para a análise de projetos habitacionais, ressalta-se que apenas dois deles não foram contemplados pelo projeto da Gleba G: o aproveitamento de águas pluviais e a geração de energia por meio de painéis solares. Se estas ações fossem realizadas desencadeariam reduções de custos de uso e de manutenção do conjunto para os moradores, além de benefícios ambientais.
Os resultados desta pesquisa podem auxiliar novos projetos de habitações sociais sustentáveis e os critérios apontados pelo Selo Casa Azul fornecem subsídios apropriados para a avaliação da qualidade ambiental e social, mesmo que estes não se propuseram a obtê-lo.
notas
1
ABIKO, Alex; COELHO, Leandro de Oliveira. Urbanização de favelas: procedimentos de gestão. 4a edição. Porto Alegre, Antac, 2009. Disponível em: <www.habitare.org.br>. Acesso em: 20 mar. 2015.
2
FRANÇA, Elisabete. Favelas em São Paulo (1980-2008): das propostas de desfavelamento aos projetos de urbanização. A experiência do Programa Guarapiranga. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2009
3
SÃO PAULO (Prefeitura). Plano Municipal da habitação social de São Paulo. São Paulo, Secretaria De Habitação, 2011. Disponível em: <www.habisp.inf.br/theke/documentos/pmh/pmh_versao_outubro_2011_pdf/PMH_outubro_2011.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2015
4
Idem, ibidem.
5
IBGE. Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais e informações territoriais. Rio de Janeiro: Ibge, 2013. 251 p. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/552/cd_2010_agsn_if.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2015.
6
SUPERINTENDÊNCIA DE HABITAÇÃO POPULAR (São Paulo). Secretaria Municipal de Habitação. São Paulo Projetos de Urbanização de favelas. São Paulo ArchitectureExperiment (tradução para o inglês Valadares Vasconcelos). São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 2010. Disponível em: <www.habisp.inf.br/theke/documentos/publicacoes/spae/index.html>. Acesso em: 5 abr. 2015.
7
SUPERINTENDÊNCIA DE HABITAÇÃO POPULAR (São Paulo). Secretaria Municipal de Habitação. Plano Urbanistíco de Heliopolis. São Paulo, Sehab, 2010. Disponível em: <www.habitasampa.inf.br/theke/documentos/referenciashome/05_heliopolisplanos_urbanisticos-pt-en.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2015.
8
Idem, ibidem.
9
SIQUEIRA, Mariana. Biselli Katchborian projeta conjunto habitacional em Heliópolis, zona Sul de São Paulo. AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 244, São Paulo, jul. 2014. Disponível em: <www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/244/biselli-katchborian-projeta-conjunto-habitacional-em-heliopolis-zona-sul-de-318103-1.aspx>. Acesso em: 03. abr. 2015. Ver sobre os projetos: PORTAL VITRUVIUS. Conjunto Heliópolis Gleba G. Artur Katchborian e Mario Biselli. Projetos, São Paulo, ano 15, n. 172.01, Vitruvius, abr. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/15.172/5511>; PORTAL VITRUVIUS. Residencial Corruíras. Projetos, São Paulo, ano 16, n. 181.01, Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.181/5879>. PORTAL VITRUVIUS. Conjunto Habitacional do Jardim Edite. Projetos, São Paulo, ano 13, n. 152.04, Vitruvius, ago. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/13.152/4860>.
10
BONDUKI, Nabil. Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana. São Paulo, Estação Liberdade, 2000.
11
FRANÇA, Elizabeth. Programa de urbanização de favelas e cidades inclusivas. AU – Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 244, jul. 2014, p. 25-26. Disponível em: <http://au.pini.com.br/au/solucoes/galeria.aspx?gid=5746>. Acesso em: 24 abr. 2015.
12
SIQUEIRA, Mariana. Op. cit.
13
BISELLI, Mario. Teoria e prática do partido arquitetônico. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 134.00, Vitruvius, jul. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.134/3974>.
14
FRANÇA, Elisabete. Favelas em São Paulo (op. cit.); FRANÇA, Elizabeth. Programa de urbanização de favelas e cidades inclusivas (op. cit.); PADIA, Vanessa. Heliópolis (São Paulo): as intervenções públicas e as transformações na forma urbana da favela (1970-2011). Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2012.
17
PISANI, Maria Augusta Justi et al. Sustentabilidade no projeto de habitação de interesse social: o conjunto Rubens Lara em Cubatão. In: CONGRESSO INTERNACIONAL SUSTENTABILIDADE E HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL, 2., 2012, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, PUCRS, 2012. p. 1 - 10. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/279853146_Sustentabilidade_no_projeto_de_habitacao_de_interesse_social_o_conjunto_Rubens_Lara_em_Cubatao>. Acesso em: 20 jul. 2016.
18
Idem, ibidem.
19
BISELLI, Mario. Entrevista concedida a Mariane Gimenes de Oliveira em São Paulo. São Paulo Universidade Presbiteriana Mackenzie, 20 mai. 2016.
20
Idem, ibidem.
21
O software Flow Design, desenvolvido pela Autodesk, simula um túnel de vento virtual para visualizar o fluxo de ar em torno de edifícios, veículos e outras barreiras. No caso de sua utilização na arquitetura, permite simulações sobre a circulação dos ventos no edifício e o seu impacto no entorno. O software suporta grande variedade de arquivos CAD, essa compatibilidade possibilita que as simulações sejam realizadas em diversas etapas de projeto.
22
FRETIN, Dominique et al. Investigação sobre sistema de ventilação natural utilizando-se o projeto estrutural de um edifício. In: FÓRUM DE PESQUISA FAU MACKENZIE, 3., 2007, São Paulo. Forum. São Paulo: Mackenzie, 2007. p. 1 - 10. Disponível em: <www.mack.com.br/fileadmin/Graduacao/FAU/Publicacoes/PDF_IIIForum_a/MACK_III_FORUM_DOMINIQUE_FRETIN.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016.
23
FLOW (Estados Unidos) Design Preliminary Validation Brief. 2014. Disponível em: <http://download.autodesk.com/us/flow_design/Flow_Design_Preliminary_Validation_Brief_01072014.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2017.
24
O software Relux Pro, o qual é desenvolvido pela Informatik Ag, está sendo utilizado em universidades nacionais e internacionais para análises de iluminação natural e artificial. Segundo Erika Figueiredo, o Relux Pro é um programa que realiza análises estáticas para condições de céu específicos, nos padrões CIE (céu claro e sem sol, encoberto, intermediário claro e sem sol). As simulações desenvolvidas para esta pesquisa utilizaram os resultados obtidos em iluminância (lux), os quais foram visualizados através de gráficos de pseudocores. FIGUEIREDO, Erika Ciconelli de. Peles de vidro: otimização do desempenho da luz natural difusa em fachadas envidraçadas. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2016.
25
RELUX (Suíça). Relux Vision 1.1: Manual. Munchenstein: Relux (2009). Disponível em: <www.relux.biz/pdf/manual09.pdf>. Acesso em : 20 mar:2016.
26
FIGUEIREDO, Erika Ciconelli de. Peles de vidro (op. cit.).
sobre as autoras
Mariane Gimenes de Oliveira é graduanda de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsa Mackpesquisa para iniciação científica em 2015 e 2016. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Construção – da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Maria Augusta Justi Pisani é arquiteta pela Faria Brito (1979), especialista em Patrimônio Histórico e Obras de Restauro (1981) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, mestre (1993) e Doutora (1998) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Leciona projeto de arquitetura desde 1986. Atualmente é professora da FAU Mackenzie. Lidera o Grupo de Pesquisa Arquitetura e Construção – CNPq.