Em Brasília, no perímetro que integra a área considerada Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – Unesco, está localizado o Campus Universitário Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília – UnB. Esse Campus segue a diretriz dos espaços criados por Lucio Costa para a cidade: a arquitetura está disposta em um grande parque, pois Brasília foi idealizada para que fosse “de uma parte, técnica rodoviária; de outra, técnica paisagística de parques e jardins” (1).
O Campus Universitário possui cerca de 400 hectares e está localizado entre a Asa Norte e o Lago Paranoá. Abriga edificações que costituem um “acervo que se integra ao cotidiano de Brasília, faz parte do repertório edilício da cidade e tem seu lugar na história da arquitetura brasileira” (2). Dentre esses espaços está a praça Maior. Objeto de propostas de diferentes perfis, a praça se materializou no início da década de 1970 por meio de projeto do arquiteto e paisagista Fernando Magalhães Chacel.
O projeto da praça Maior definiu o paisagismo para uma área que naquele momento era constituída por terra remexida e sem vegetação, fruto de movimentações efetuadas para a construção do Instituto Central de Ciências – ICC. Apesar da denominação de praça o espaço apresenta configuração de parque, sendo composto por vários setores. Dentre os vários elementos propostos por Chacel há um teatro de arena.
O Teatro de Arena Honestino Guimarães integra a paisagem da maior área verde do Campus e recebe eventos que mobilizam a comunidade não só da universidade, mas de toda a cidade. No Arquivo Central – ACE, da UnB há vários registros fotográficos que capturaram diferentes aspectos do Teatro.
Considerando a possiblidade de leitura de um conjunto de fotografias enquanto repositório – ainda que parcial – da paisagem foi realizada análise das imagens existentes no ACE. O objetivo foi sistematizar as fotografias do Teatro de Arena, registrando as características, as alterações e as recorrências na paisagem. A grade de leitura utilizada para a análise das imagens é a proposta por Laurent Gervereau (3) e envolve as etapas de descrição, estudo do contexto e interpretação.
A pesquisa está estruturada em duas partes. A primeira – Teatro na paisagem – aborda algumas características do Campus Universitário Darcy Ribeiro, da paisagem e das fotografias, bem como os procedimentos metodológicos da pesquisa. A segunda parte – Teatros nas paisagens – apresenta o acervo de fotografias sobre o Teatro de Arena e a análise desse material.
Teatro na paisagem
Dentre as tipologias arquitetônicas utilizadas para espaços teatrais, a do teatro de arena tem a peculiaridade de possuir o espaço da plateia disposta – total ou parcialmente – ao redor do palco. Essa tipologia remonta à antiguidade. Um exemplo são os teatros gregos “construídos nas encostas de colinas, compostos pelo theatron (local destinado ao público, “lugar de onde se vê”) e pela orchéstra (área circular onde o coro atuava)” (4).
Quando ao ar livre, comumente a plateia está localizada em um desnível da topografia de forma que permite observar as apresentações que no teatro ocorrem e, também, as cercanias do local, incluindo os espaços arquitetônicos, o paisagismo e as atividades sociais neles desenvolvidas. Desse theatron também se presencia as mudanças acarretadas pelo passar do tempo, seja no ciclo diário, seja no das estações do ano.
O Teatro de Arena desde o início da década de 1970 se integra à paisagem do principal campus da cidade, sendo objeto de diversos registros fotográficos. Em 1997 o local recebeu o nome de Teatro de Arena Honestino Guimarães em homenagem ao estudante da UnB desaparecido na época da Ditadura Militar.
Na área central do Campus estão três edificações emblemáticas da UnB: o Instituto Central de Ciências – ICC, prédio de 700m de comprimento projetado em 1963 por Oscar Niemeyer; a Biblioteca Central – BCE, projetada por José Galbinski em 1969; e a Reitoria, projeto de Paulo de Melo Zimbres, de 1972. Essas edificações integram a maior área verde do Campus, denominada praça Maior.
O projeto paisagístico da praça Maior foi elaborado, em 1972, por Fernando Magalhães Chacel (1931-2011) que é uma referência na área do paisagismo no país. “Com o passar dos anos, até definir-se como arquiteto-paisagista, Chacel trilhou outros caminhos artísticos e profissionais, sempre inclinado à vocação para o mundo das artes, [...] até o dia em que conheceu Roberto Burle Marx e começou a trabalhar em seu atelier, em 1952” (5). Esse encontro definiu o rumo de sua trajetória profissional. Na década de 1970 foi um dos sócios-fundadores da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas – Abap. Segundo proposta de tratamento paisagístico do Campus encaminhada à UnB por Chacel no início da década de 1970, a praça Maior
“Trata-se de uma área extensa, marcada pela presença de uma arquitetura de caráter monumental a exigir uma contrapartida para o equilíbrio da composição – a oposição de massas vegetais compatíveis com a sua escala, para que se possa chegar à integração entre os elementos construídos do Campus com a macropaisagem envolvente.
[...] Será considerado o uso social e a intensa convivência universitária, sendo definidas de acordo com o Plano Geral da praça Maior, áreas destinadas a servirem como praças de encontro, de espera e de pausa entre as atividades” (6).
A porção da praça Maior circundada pelos prédios do ICC, BCE e Reitoria envolvem área de cerca de 130.000 m2com leve declividade em direção ao Lago Paranoá. Inserido em uma rota movimentada de pedestres – entre um dos acessos do ICC e a Biblioteca Central – foi localizado um teatro de arena com palco de 38m de diâmetro e capacidade para cerca de 500 pessoas.
O Teatro de Arena é um dos principais locais de eventos da Universidade, abrigando diversas atividades desde a sua construção. Essa variedade na paisagem do Teatro pode ser observada tanto por quem o vivencia, quanto por meio de registros fotográficos.
Paisagem
O conceito de paisagem é polissêmico e varia de acordo com os campos de conhecimento que ensejam o seu estudo: pode estar vinculado à arte, fotografia, morfologia, espacialidade, história, cultura. Em estudos onde o enfoque é tanto o ambiente físico quanto as questões relacionadas com a história, memória e patrimônio, a definição que melhor sintetiza o conceito de paisagem é a que agrega à configuração territorial as intervenções físicas e os usos que a sociedade deu a ela ao longo do tempo. Paisagem e espaço são conceitos distintos. Como esclarece Milton Santos,
“a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (7).
Espaço está relacionado com o presente. Já a paisagem, considera os tempos presente e passado. Portanto, o conceito de paisagem incorpora as diferentes configurações físicas e espaciais de uma mirada contemporânea abarcada pela visão e também as informações de tempos idos – que temos via história, historiografia, memória, imaginário – sobre o que está à nossa vista. Em outro texto Milton Santos defende que a paisagem,
“É como um palimpsesto, isto é, o resultado de uma acumulação, na qual algumas construções permanecem intactas ou modificadas, enquanto outras desaparecem para ceder lugar a novas edificações. Através desse processo, o que está diante de nós é sempre uma paisagem e um espaço, da mesma maneira que as transformações de um idioma se fazem por um processo de supressão ou exclusão, onde as substituições correspondem às inovações” (8).
A maneira de perceber, assimilar e repassar o que foi vivido é individual e pode variar incrivelmente de uma pessoa para outra, de uma sociedade para outra. Algum componente da paisagem pode impactar sobremaneira a um observador e passar desapercebido a outro. Com isso, os registros sobre ela também serão diversos. Algumas fotografias destacam o uso do espaço, outras a configuração arquitetônica. O momento de contato com a paisagem – se em um dia do cotidiano ou em um algum evento, se durante a época das chuvas na cidade ou durante a seca – também afetará as impressões que se tem sobre ela, bem como o modo de registrá-la.
A dinâmica da sociedade comumente impõe uma reavaliação do que pode e deve ser alterado na paisagem – na sua porção física ou de uso – e do que – por ser um patrimônio, por exemplo – deve sofrer somente as alterações imprescindíveis. Os responsáveis por ela, se for necessário, irão alterá-la a fim de que supra as necessidades do presente. Elementos que compõem a paisagem e, mesmo que sejam considerados com valor patrimonial, não correspondam à lógica da sociedade contemporânea, são submetidos a questionamentos quanto a sua existência.
Para subsidiar a análise ou a decisão de intervenção em uma paisagem é necessário recolher os registros que se tem sobre ela. Um desses registros é a fotografia.
Fotografias
O conjunto de fotografias de um local tem a propriedade de transluzir as imagens sobrepostas na paisagem. Pois a essência da fotografia é registrar diferentes momentos dos espaços. Ao reunir imagens de uma paisagem – como a do Teatro de Arena – pode-se criar uma coleção que abarca as diferentes miradas ocorridas na contemporaneidade ou em tempos pretéritos.
A invenção – ou descobrimento – da fotografia foi resultado de experimentos acerca do comportamento da luz em uma câmera escura. Essa técnica, conhecida e aprimorada durante séculos propiciou a Joseph Nicéphore Niépce a possibilidade de criação, por volta de 1826-1827, da que é considerada a primeira fotografia. A imagem, denominada Vista da Janela em Le Gras, registra a paisagem observada por uma janela. A fotografia, quase dois séculos depois desse descobrimento, é um artefato que continua a registrar e difundir paisagens. Por ela conhece-se, interpreta-se, ressignifica-se e narra-se o espaço. E por um acervo de fotografias sobre um local, pode-se vislumbrar a paisagem.
A fotografia contém informações que perpetuam fragmentos de uma época, sendo centelha do conhecimento da sociedade. Afinal todo conhecimento registrado é potencialmente documental, pois, “para que o conhecimento da sociedade não se perca e possa ser compartilhado, ele é registrado num dado suporte: livro, imagem, foto, disco, etc., passando a se constituir num documento” (9). Em um movimento cíclico, a própria percepção dos lugares é influenciada pelas imagens vistas previamente em fotografias. Como afirma Ignasi de Solà-Morales, “não só a possibilidade de acumular experiências pessoais diretas é problemática nos lugares nos quais não temos vivido por um longo tempo. Também nossa mirada tem sido construída e nossa imaginação, prefigurada através da fotografia” (10).
A paisagem, no momento da fotografia, é filtrada de acordo com o repertório cultural de seu fotógrafo, as possibilidades tecnológicas do equipamento e o evento que naquele exato momento mais lhe chama a atenção. Para que elas cheguem ao conhecimento de outrem, ainda devem vencer as barreiras da visibilidade. Às vezes as imagens estão restritas ao círculo íntimo de um fotógrafo ou grupo. Muitas, porém, integram acervos de arquivos públicos ou privados e podem ser acessadas presencialmente ou pela internet. Comumente, nesses acervos as imagens já sofreram ações de seleção e tratamento visando a disseminação de informações. Pesquisas que abordam a fotografia enquanto documento – e fio condutor de análise de determinado aspecto da sociedade – abrem espaço para uma investigação da cultura visual da sociedade.
A seleção de imagens de um mesmo local constitui uma coleção ou série. Diferentes registros podem propiciar uma análise em relação aos modos de perceber o espaço. Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses indica que “é com séries que se deve procurar trabalhar, ainda que se possam ter imagens singulares que funcionem como pontos de condensação de séries ideais” (11).
Procedimentos
Com o objetivo de analisar os registros fotográficos da paisagem do Teatro de Arena localizado na praça Maior do Campus da UnB, foram escolhidas imagens do acervo do Arquivo Central. A pesquisa demandou as etapas de seleção e análise dos documentos fotográficos.
Na etapa de seleção foram utilizados dois conceitos sobre leitura de imagens fotográficas elaborados por Roland Barthes: o studium e o punctum. O studium é o interesse inicial, objetivo, consciente, vinculado à cultura do receptador da imagem. É o que faz o olhar buscar a foto. O punctum é algo que na foto busca o olhar, que o atrai de maneira irresistível. Ele é subjetivo, inconsciente e pessoal (12).
Após a seleção das fotografias, foi realizada a análise dessas imagens. O procedimento escolhido foi o desenvolvido por Laurent Gervereau. A grade por ele apresentada é flexível, podendo ser adaptada a diferentes situações pois, “é preferível visar um aspecto preciso do que querer abarcar demasiado e não chegar a qualquer resultado firme” (13).
O mote dessa etapa foi a identificação de transformações e recorrências na paisagem. O método proposto por Gervereau envolve três momentos: a descrição, o estudo do contexto e a interpretação. A descrição inclui dados sobre a técnica, a estilística e a temática. O estudo do contexto envolve a coleta de informações a respeito do que ensejou a captura da imagem na data da sua origem e as percepções sobre ela na atualidade. A interpretação aborda considerações sobre a intenção original da imagem e o entendimento na contemporaneidade (14).
Teatros nas paisagens
O Arquivo Central – ACE, é o órgão responsável pela guarda permanente dos documentos – incluindo fotografias – na UnB. Os arquivos identificam a documentação em três fases: corrente, intermediária e permanente. A documentação corrente é a que constitui objeto de consulta frequente. A intermediária é a que aguarda a eliminação ou o recolhimento para guarda permanente. E a documentação permanente é a que foi reconhecida enquanto detentora de valor histórico, probatório ou informativo, por isso é salvaguardada pela instituição. O ACE disponibiliza para consulta cerca de dez mil fotografias digitalizadas e indexadas. Dentre esse montante foram identificadas 120 referentes ao Teatro de Arena.
Consoante com a grade de análise proposta por Laurent Gervereau será apresentada a descrição, o estudo do contexto e a interpretação desse conjunto de fotografias. Conforme preconizado por Gervereau, os itens da grade de análise foram adaptados de acordo com as peculiaridades das fotografias selecionadas e do objetivo dessa pesquisa.
Descrição
Segundo grade de análise proposta por Gervereau (15) a etapa de descrição das imagens abrange informações referentes à técnica – emissor, data de produção –; temática – inventário dos elementos representados, temáticas do conjunto –; e estilística – organização icônica. Desses itens, os que mais estão relacionados ao presente estudo são técnica e temática.
Quanto à técnica, todas as imagens, por integrarem arquivo permanente, constituem acervo institucional de acesso público. Na maioria delas consta o nome do fotógrafo. As quantidades de imagens segundo as datas em que foram produzidas são: 29 da década de 1980, 66 da década de 1990 e 20 capturadas entre os anos de 2002 e 2003. Provavelmente decorrente de mudanças nos trâmites internos na gestão de documentos, não há imagens recentes do Teatro de Arena no acervo do ACE. Há, ainda, cinco imagens sem identificação da data. Portanto há registro do Teatro por um período de mais de duas décadas. Essa informação é relevante pois quanto maior o período, mais esclarecedoras serão as informações sobre o local.
Os indexadores das imagens – como autor, evento, data, origem, descrição – utilizados pelo Arquivo agregam consistência na utilização da fotografia enquanto documento. Considerando o item temática, ao ter-se contato com um acervo de imagens, um dos primeiros ímpetos é especular maneiras de organizá-lo por meio de alguma classificação. Uma das possibilidades seria a organização via cronologia ou evento. Entretanto uma classificação por esse critério não diferiria de uma lista das atividades ocorridas no local. Algo que pode ser feito sem o auxílio de fotografias. Por isso para uma classificação considerando a temática das imagens, foram observadas características das próprias imagens.
No momento da definição das temáticas das fotografias foram utilizados os conceitos de studium e punctum de Roland Barthes em relação ao que domina a área de superfície da fotografia e o que mais atrai o olhar. Tendo como diretriz a separação das imagens de acordo com a parte do teatro que foi alvo da mirada do fotógrafo, foram identificados seis temas de interesse: conjunto (treze imagens), entorno (nove imagens), teatro (treze imagens), palco (doze imagens), plateia (dez imagens) e fragmentos (63 imagens). Não é objetivo deste artigo reproduzir a totalidade das imagens pesquisadas. Optou-se em reproduzir uma pequena seleção de fotografias que apresentam um panorama sobre os documentos fotográficos analisados.
As imagens identificadas com o tema conjunto são as que abrangem o palco, a plateia e, ainda, áreas do entorno. Por meio dessas fotografias pode-se contextualizar o Teatro em relação às edificações existentes nas proximidades. Treze imagens tem o conjunto como tema principal.
Nove imagens apresentam o entorno do Teatro, ou seja, seus arredores. Um exemplo é a fotografia que registrou a visita de Chico Buarque de Holanda à instituição.
Treze fotografias têm o teatro como tema principal. Elas apresentam simultaneamente tanto o palco quanto a plateia. Exemplo desse tipo de foto é apresentado figura que registrou ato contra a impunidade com presença de Luiz Inácio Lula da Silva.
O palco é o tema principal de doze imagens, como as da apresentação folclórica, assembleia de funcionários e comemoração dos calouros.
Dez imagens apresentam somente a plateia, incluindo a figura acerca de uma assembleia de alunos.
A maioria das imagens foi classificada como fragmentos. As 63 fotografias dessa categoria não apresentam um elemento do espaço físico circundante que identifique onde a imagem foi capturada. O vínculo com o espaço físico só é expresso quando a fotografia está inserida em uma série ou quando é acompanhada por algum descritor ou indexador. Imagens como as da cerimônia de entrega de Doutor Honoris Causa a Darcy Ribeiro ou ao Dalai Lama – se observadas fora do conjunto de outras imagens, ou sem os dados descritivos – poderiam levar a supor que foram capturadas em qualquer lugar.
Estudo do contexto
A etapa de estudo do contexto, segundo Gervereau (16), se refere às circunstâncias em que a imagem foi realizada – linguagem, quem a encomendou –, à difusão na época da sua elaboração e aos testemunhos posteriores. Dentre as imagens estudadas, a apresentada na figura do Teatro de Arena e Biblioteca Central – é a exceção, pois utiliza uma linguagem que destaca as linhas arquitetônicas. Nas demais imagens percebe-se que a intenção era realizar o registro de atividades específicas que ocorreram naquele local, como as atividades do movimento estudantil e classista, culturais ou institucionais.
Essa peculiaridade indica que as imagens devem ter servido à divulgação desses eventos em veículos de comunicação tais como jornais e revistas. Pelo menos até o momento não foram salvaguardadas no acervo do ACE número significativo de imagens que privilegiem o registro deste espaço em momentos que não sejam os de eventos.
O acervo sempre revela um pouco do arquivo que o mantém. Na UnB, datam da década de 1980 as primeiras iniciativas para a criação de um arquivo que abrangesse a guarda e o acesso à documentação institucional. Somente em 2014 foi criado o Arquivo Central, vinculado à Reitoria, com o objetivo de atender às determinações da Lei nº 12.527, de 18/11/2011, que regulamenta o acesso à informação no âmbito dos órgãos públicos, incluindo fundações. O acesso às fotografias e demais documentos digitalizados que integram o acervo do ACE pode ser realizado por meio de endereço on line (17). Esse material constitui uma memória institucional de fácil acesso utilizada para vários fins. Fotografias do seu acervo integraram exposição por ocasião dos 55 anos da Universidade e, devido à facilidade de obtenção, tendem a ser cada vez mais utilizadas, tornando-se, mais ainda, referência imagética do Campus.
Interpretação
A etapa de interpretação, segundo Gervereau (17), se refere às significações iniciais e significações posteriores – por meio da especulação tanto das interpretações sugeridas pelos seus criadores quanto da análise das imagens na contemporaneidade. O conjunto de imagens analisado indica que as fotografias tinham como principal objetivo registrar eventos relevantes que ocorriam na UnB: apresentações culturais, assembleias e manifestações ou, entrega de títulos de Doutor Honoris Causa.
Para cada um desses registros há um sem-número de opções descartadas. Poderiam constar no acervo imagens cujo tema principal fosse a integração do Teatro com o paisagismo circundante ou o seu uso em momentos em que não ocorre um evento específico. Mas o que sedimenta o conhecimento sobre um local é a informação que ficou registrada. Não a que se perdeu no tempo. Há de existir em outros acervos fotografias das primeiras décadas do Teatro destacando peculiaridades não capturadas nas imagens estudadas, mas, tratando-se de disseminação de informações, não basta somente existir. É necessário que haja meio de acessá-las.
Após décadas desses registros, as fotografias extrapolaram um papel de divulgação de eventos para converterem-se também em fragmentos de uma época. A raridade desse conjunto de imagens – pouco mais de cem referentes às três primeiras décadas do Teatro de Arena – torna-o ainda mais relevante enquanto registro de paisagens de outrora.
As alterações na configuração física do espaço se deram por meio do desenvolvimento e a consolidação do paisagismo ao longo do tempo. O espaço construído, porém, não se modificou, a despeito de algumas intervenções provisórias e pontuais, como a instalação de cobertura em lona.
Assim como a fotografia registra a forma física e as atividades que ocorrem em um determinado local, o conjunto de imagens pode registrar um pouco da paisagem. A visualização do conjunto de imagens do Teatro de Arena permite que o observador acesse diferentes informações sobre espaço físico, uso e momentos temporais. Essa mirada do conjunto de fotografias apresenta um espaço caracterizado como um local aglutinador da vida universitária, seja para se manifestar, para homenagear, ou para celebrar. Os registros fotográficos também apresentam a diversidade dos modos de ocupação do palco. No Teatro de Arena, pelo conjunto de fotografias pode-se ter acesso a vários teatros e a várias paisagens, frutos de registros em diferentes contextos.
Uma mesma paisagem acarreta variadas leituras de acordo com o momento e o repertório individual ou da sociedade que a contempla. Isso influencia a maneira de fotografá-la. As imagens que sobrevivem ao tempo e, na contemporaneidade, podem ser acessadas ampliam esse repertório, consolidando algumas características do espaço. Porém, para cada peculiaridade lembrada e registrada há imponderáveis informações desaparecidas no esquecimento.
A análise da paisagem a partir de um único tipo de documento – a fotografia – e de um único acervo por certo é fragmentária. Mas, considerando todos os campos de pesquisa possíveis, o quanto de informação seria necessário para que se conseguisse apreender a totalidade das características de uma paisagem?
O campo de conhecimento de muitos profissionais que trabalham com paisagem convencionalmente parte do todo – a gleba, a planta de situação, a imagem aérea – para a análise ou especificação do detalhe. Mas no caso da pesquisa do documento fotográfico essa lógica pode ser alterada, pois fotografia é essencialmente secção cujo entorno será criado pelo leitor da imagem.
Apontamentos sobre uma paisagem visando situá-la enquanto palco de atividades de uma sociedade são realizados a partir do repertório de cada observador. O conhecimento sobre essa paisagem será construído por meio da elaboração de estudos diferentes, fragmentários e complementares.
Considerações finais
Como já foi mencionado, antes da documentação ser identificada enquanto acervo permanente de uma instituição, há as fases corrente e intermediária. No cotidiano da Universidade, várias fotografias são geradas e incluídas nesses arquivos. O número de fotografias que chegavam aos acervos institucionais há alguns anos atrás era ínfimo, considerando a facilidade de captação e de disponibilização de imagens na atualidade.
Como até o momento da redação desse artigo, as imagens mais recentes do Teatro de Arena disponibilizadas pelo Arquivo Central datam de 2003, achou-se por bem encerrar o texto com uma imagem fora do recorte apresentado. Essa imagem contemporânea do Teatro de Arena foi capturada durante a divulgação do resultado do Programa de Avaliação Seriada – PAS. A fotografia integra um acervo fotográfico constantemente ampliado no âmbito da UnB: o da Secretaria de Comunicação, Secom. Várias imagens desse acervo são disponibilizadas por meio do endereço on line (19).
Para quem não tem a possibilidade de vivenciar presencialmente a paisagem do Teatro de Arena, esta última imagem, datada de 2018, informa que o theatron localizado na praça Maior da UnB continua sendo palco de movimentados eventos da UnB. Um local de integração entre relevantes edifícios da universidade e de sociabilidade da comunidade universitária. Essa fotografia também faz lembrar que camadas de informações sobre a paisagem são criadas a todo momento e que cabe também a essa técnica descoberta no início do século 19 resguardá-las do esquecimento.
notas
NE – Este artigo foi desenvolvido como parte de pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – PPG FAU UnB e originalmente apresentado no XIV Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil – ENEPEA. Os autores são vinculados ao Laboratório de Estudos da Urbe – LabeUrbe da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU. Ver SOARES Eduardo Oliveira; MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida. O Teatro de Arena da Universidade de Brasília capturado na paisagem. XIV Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, ENEPEA, Santa Maria, 2018.
1
COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. In Relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília, Governo do Distrito Federal, 1991, p. 32.
2
SCHLEE, Andrey Rosenthal; GARCIA, Cláudia da Conceição; SOARES, Eduardo Oliveira; TENORIO, Gabriela de Souza; NASCIMENTO, Márcio Luiz Couto do; VULCÃO, Maria Goretti Vieira; CHOAS, Mona Lisa Lobo de Souza. Registro Arquitetônico da Universidade de Brasília. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2013, p. 13.
3
GERVEREAU, Laurent. Ver, compreender, analisar as imagens. Lisboa, Edições 70, 2007, p. 101-102.
4
ROSSINI, Elcio. Cenografia no teatro e nos espaços expositivos: uma abordagem além da representação. TransInformação, set./dez. 2012, p. 158.
5
CURADO, Mirian Mendonça de Campos. Paisagismo contemporâneo: Fernando chacel e o conceito de ecogênese. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2007, p. 78-79.
6
CHACEL, Fernando Magalhães. Proposta para tratamento paisagístico do Campus da Universidade de Brasília. s.d.
7
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4º edição. São Paulo, Edusp, 2006, p. 66.
8
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Unesp, 2008, p. 33.
9
CINTRA, Anna Maria Marques, TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira; LARA, Marilda Lopes Ginez de; KOBASHI, Nair Yumiko. Para entender as linguagens documentárias. 2º edição. São Paulo, Pólis, 2002, p. 21.
10
SOLÀ-MORALES, Ignasi de. Terrain Vague. Archdaily, São Paulo, 1 mar. 2012 <https://www.archdaily.com.br/br/01-35561/terrain-vague-ignasi-de-sola-morales>.
11
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, vol. 23, n. 45, 2003, p. 27.
12
BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p.45-46.
13
GERVEREAU, Laurent. Op. cit., p. 104.
14
Idem, ibidem, p.101-102.
15
Idem, ibidem, p. 58-61.
16
Idem, ibidem, p. 81.
17
Sistema Atom. Universidade de Brasília <https://atom.unb.br>.
18
GERVEREAU, Laurent. Op. cit., p. 97-98
19
Universidade de Brasília. Flicklr, São Francisco <https://www.flickr.com/photos/unb_agencia/>.
sobre os autores
Eduardo Oliveira Soares é arquiteto e urbanista (UFPEL, 1995), especialista em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística (UnB, 2008), mestre em arquitetura e urbanismo (UnB, 2013), e doutorando na FAU UnB, tendo como tema de pesquisa as narrativas fotográficas. Trabalha na Universidade de Brasília.
Ana Elisabete de Almeida Medeiros é arquiteta e urbanista (UFPE, 1994), Mestre e Pós Doutora em Urbanismo (IUG UPMF, 1996 e 2009) e doutora em Sociologia (SOL UnB, 2002). É professora adjunta vinculada ao LabEUrbe (FAU UnB).