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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este discute processos de projeto a partir do texto “Teoria e prática do partido arquitetônico”, de Mario Biselli, em especial sobre a natureza do partido arquitetônico e características como as a transtextualidade e a precedência.

english
It discusses design processes based on the text “Teoria e prática do partido arquitetônico”, by Mario Biselli, especially on the nature of the architectural party and characteristics such as transtextuality and precedence.

español
Discute los procesos de diseño a partir del texto “Teoria e prática do partido arquitetônico”, de Mario Biselli, especialmente sobre la naturaleza de la parte arquitectónica y características como la transtextualidad y la precedencia.


how to quote

QUINTANILHA, Rogério Penna. Teoria e prática do partido arquitetônico. Uma contribuição ao texto clássico de Mario Biselli. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 260.03, Vitruvius, jan. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.260/8380>.

“Somente quem já teve alguma vez a oportunidade de traçar o primeiro risco de uma obra, edifício (não importa o tamanho) ou cidade, conhece a gravidade, a densidade, os significados, os compromissos e a invenção existentes num simples traço sobre o papel.
Risco e traço aqui querem dizer ideias, números, conceitos, realidades, vida.
O caminho mental do arquiteto, racional e insondável, pessoal e, ao mesmo tempo ‘do mundo’, permanece um mistério, como de resto todo o momento criador”.

Joaquim Guedes, I Seminário Sobre Desenho Urbano no Brasil

Em julho de 2011, o arquiteto e professor doutor Mario Biselli publicou na revista Arquitextos n. 134.00 o artigo “Teoria e prática do partido arquitetônico” (1). O número e a frequência de comentários a este artigo no portal mostram que o texto é amplamente utilizado como referência para a discussão tão importante e, ao mesmo tempo, tão obscura: uma “caixa preta”, como diz o autor. O tema foi posteriormente desenvolvido em tese de doutorado apresentada por Biselli junto a Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2014, obra que certamente merece uma discussão a parte. Para efeito deste artigo, assim, tomo apenas o texto publicado na revista Arquitextos para realizar alguns comentários e complementos.

Teoria e prática do projeto arquitetônico.

No texto, Biselli inicia definindo a arquitetura como uma resolução de problemas dados a partir de certa lógica que, no entanto, extrapolaria qualquer matemática universal na medida em que incluiria certa criatividade subjetiva cujos mecanismos, embora fossem conhecidos dos arquitetos, não poderiam ser explicados. É a caixa-preta da criação arquitetônica. Referenciando-se em uma série de outros autores, Biselli observa que:

“Deste modo pode-se concluir, a partir destes teóricos brasileiros, que o Partido Arquitetônico é a ideia inicial de um projeto, que a sua formulação é uma criação autoral e inventiva com base na coerência e na lógica funcional, e que, o partido, sendo uma prefiguração do projeto, faz da projetação um processo que vai do todo em direção à parte” (2).

É importante destacar que esta conclusão não é compartilhada pelo próprio Biselli que a analisa no decorrer do artigo. Primeiro, questiona a precedência do partido ao projeto. Para ele, pouco importando o método pessoal, o fundamental é que o partido, ou a ideia central do projeto seja notada em seu resultado, independente do momento em que tenha surgido ou se imposto. Podemos chamar essa questão de problema da precedência, ao qual voltaremos adiante. De qualquer forma, a caixa preta do partido arquitetônico é atacada por Biselli nos seguintes termos:

“Assim procedem os artistas, um poeta descreve uma paisagem (transposição do ícone para o texto), um escritor descreve um personagem (ícone para texto), um desenhista produzindo um retrato falado (ícone para texto e de novo para ícone), e tantas outras atividades do homem, um artista pintando um retrato (ícone para ícone), um ator em cena (texto para texto mais imagem), sempre pressupondo interpretação de um conteúdo numa linguagem seguido de uma expressão em outra.
O partido arquitetônico, neste contexto, se dá no momento em que o texto, compreendido como articulação semântica — pensamento e ideia — expressa na linguagem verbal, se transforma em ícone, transposição da linguagem verbal para a linguagem não verbal, ou de maneira mais precisa, a operação que faz o arquiteto é de texto e ícone para ícone, pois o programa é texto e o lugar é ícone” (3).

Para Biselli, o partido arquitetônico é, portanto, um problema de transtextualidade: assim como qualquer artista, o arquiteto traduz dados preliminares, programa e lugar, a uma outra linguagem, um edifício. E assim como qualquer artista, esta não é uma tradução literal mas criativa, ao que Biselli conclui:

“Mas o projeto de arquitetura, embora circundado de problemas técnicos e profundamente vinculado ao uso, é por natureza um processo criativo avesso a enquadramentos, formatações, metodologias ou fórmulas. Permanece, portanto, e como desde sempre, aberto à infinita inovação, ao espírito dos tempos, à antecipação de tendências, à revisão de paradigmas, e, no pólo oposto, a novas visitas e itinerários interpretativos pelas tradições do passado” (4).

Biselli está correto ao perceber que o método de projeto arquitetônico está em permanente transformação mas isso de certa forma devolve o problema para dentro da caixa preta como se, ao final do primoroso artigo, o autor pusesse as ferramentas de lado e admitisse que não conseguiu abri-la a força (5). Entretanto, seria possível, com a chave ou a abordagem corretas, se não abri-la completamente, ao menos dilatar uma fresta através da qual se poderia espiar seu conteúdo? Um bom caminho é desenvolver o tópico da transtextualidade, aberto por Biselli, e entender o projeto como uma série de transformações, partindo das condicionantes de projeto para o edifício arquitetônico.

O problema da transtextualidade

Duas abordagens podem ser construídas a partir desta ideia. A primeira entende que a projetação é um processo que parte da realidade, as necessidades e contextos que provocam o projeto, elabora-se mentalmente e depois retorna à realidade na execução da obra. Note-se que em algum momento o projeto deixa a realidade e passa a ser um exercício mental antes de retornar ao mundo real como obra, e isso acontece porque a realidade possui uma característica com a qual o nosso cérebro não pode trabalhar: a infinitude. Podemos dizer que a realidade, as condições que provocam e determinam o projeto arquitetônico são infinitas, ou seja, podem fornecer informações infinitas e infinitamente complexas, ou seja, essas informações não estão realmente isoladas, mas interferem-se infinitamente. Todo projeto arquitetônico inicia-se com uma série de levantamentos, por exemplo, sobre o lote a ser implantado. Quais suas dimensões e topografia, localização e orientação, tipo de solo e vegetação existente, entorno e acessos, visuais e clima…? Na verdade, sendo o terreno um objeto real ele pode fornecer infinitas informações e haveria sempre algo a mais a ser pesquisado: qual a composição química do solo? Há formigas no local? De que espécie? Qual a história de seu parcelamento? Não importa quão extenso seja o nosso levantamento, ele sempre estará incompleto porque todo objeto real é infinito. Extrair essas informações, no entanto, é um processo analítico pois separa os dados como quem desenrosca fios de um novelo embaraçado. Isolamos, em um lado, que o lote tem tais dimensões e, de outro, que está localizado em tal bairro, mas na realidade essas condições não surgiram isoladamente mas sim entrelaçadas: o lote tem tais dimensões porque está em tal bairro; tais dimensões tem um significado diferente por estarem em tal bairro; tais dimensões tem um preço diferente em tal bairro. Novamente, assim como podemos levantar analiticamente infinitas informações sobre o terreno, poderíamos também elaborar infinitas conexões entre cada conjunto de informações em um processo de síntese no qual tentamos reconstruir as interferências perdidas no processo analítico anterior. E como o lote não é a única fonte de informação sobre o projeto, a tarefa precisaria ainda se repetir, ou se estender, sobre o cliente, o programa, a legislação, a técnica construtiva, a história, os custos e outros tópicos que se apresentem conforme a especificidade de cada projeto. Esses tópicos, fique claro, não são particulares do objeto mas categorias de análise nossas que na realidade também se conectam infinitamente. Assim, assumimos que odo objeto real é infinito, pois pode fornecer infinitas informações, e infinitamente complexo, pois essas informações se relacionam de maneira infinita...

Se todo objeto real é infinito e infinitamente complexo, qualquer leitura que se faça dele é parcial, pois é finita e finitamente complexa. Podemos levantar uma grande quantidade de informações sobre o programa, mas não infinitas, e podemos reconstruir sua complexidade de forma sofisticada, mas não infinita. Ao final da análise, então, teremos na cabeça uma versão simplificada das condições reais de projeto e é para essa versão simplificada, e não para a realidade, que projetamos. Essa versão é, na realidade, uma interpretação particular do problema arquitetônico que se estrutura não apenas sobre um levantamento de dados mas sobre a seleção e hierarquização dessas informações. As dimensões do terreno são provavelmente, mas não necessariamente, uma informação mais importante do que as espécies de formiga presentes. Assim, selecionar e hierarquizar informações, ou seja, dizer o que é central, o que é secundário e o que é desprezível é a primeira tarefa do arquiteto e o partido arquitetônico será sua ferramenta para tal.

A seleção e hierarquização das informações levantadas nos processos de análise e síntese só pode ser feita com o auxílio de um parâmetro. Este parâmetro não é natural e não existe como condicionante, mas é colocado subjetivamente pelo arquiteto ainda que a partir das condicionantes de projeto. O partido arquitetônico é este parâmetro e estabelecê-lo significa definir a régua a partir da qual as condicionantes de projeto serão selecionadas e hierarquizadas. Não é natural que a informação dimensões do lote seja importante e a informação espécies de formiga presentes seja desprezível, mas é dado pela característica do projeto que se pretende implantar. Este é um exemplo caricato mas se os visuais são mais relevantes do que o conforto térmico e esses em alguma medida mais relevantes do que o custo da obra pode ser uma classificação que dependa de cada projeto específico ou simplesmente de interpretação pessoal.

A subjetividade do partido arquitetônico merece ser melhor elaborada. É certo que há um componente subjetivo na definição do partido uma vez que arquitetos diferentes podem selecionar partidos diferentes a partir das mesmas condicionantes, como acontece em concursos de projeto, por exemplo. No entanto, esta subjetividade é limitada pela realidade na medida em que o projeto deve retornar a ela em sua execução e posterior utilização, sob pena de tornar-se inexequível ou inadequado. Porém, na medida em que o projeto não se desenvolve na realidade mas sobre uma interpretação desta realidade por parte do arquiteto, o componente subjetivo se faz presente e oferece tantas possibilidades de projeto quantas interpretações de mundo possam existir. O partido arquitetônico, portanto, é sempre um entre outros possíveis.

A função do partido arquitetônico

O desenvolvimento do projeto é feito por uma série de decisões que evidentemente são parciais e não podem contemplar todas as possibilidades. O ato de implantar o edifício sobre o terreno, por exemplo, é uma escolha entre outras possibilidades: determinada implantação favorece os acessos e outra privilegia a ventilação. Outra a circulação mas em alguma medida sacrifica os visuais. Outra favorece a estrutura mas prejudica o custo. Neste momento há diante do arquiteto uma série de opções parciais que não podem impor-se sem que haja uma medida externa que priorize, neste projeto, a acessibilidade ao custo ou a estrutura aos visuais. Sendo impossível tomar decisões sem fazer sacrifícios, o partido arquitetônico definirá, justamente, aquilo que não será sacrificado por decisões de projeto, salvo, como visto, os limites impostos pela realidade a que o projeto deve retornar.

Suponhamos duas possíveis implantações para uma casa sobre um lote, A e B. A implantação A favorece certos visuais interessantes e a implantação B, oposta, favorece a ventilação e o conforto térmico. Forçado a decidir por uma dessas opções, supondo-as inconciliáveis, o arquiteto deve ponderar e hierarquizar as condicionantes vista e conforto térmico, dentro do contexto geral, de modo a decidir conscientemente o que será garantido, o que será sacrificado. A beleza da vista é suficiente para o sacrifício da ventilação? Esse sacrifício pode ser compensado com outra medida como condicionamento de ar, por exemplo? O conforto térmico é um problema, neste caso, maior do que os benefícios da paisagem? O partido arquitetônico é precisamente o fiel desta balança porque define, por exemplo, que a ventilação é neste caso um problema grave e prioritário em relação aos visuais que ainda podem ser aproveitados desde que o conforto térmico não seja sacrificado. A questão é que a escolha entre a implantação A ou B sem a definição clara de uma hierarquia de informações é arbitrária, o que pode levar a armadilhas. Suponhamos que, diante da primeira escolha, tenha o arquiteto optado pela implantação B porque ela favorece a ventilação mas em seguida tenha escolhido materiais, dividido ambientes ou determinado aberturas priorizando os visuais e sacrificando a ventilação. O resultado é uma casa que não tem nem uma boa vista, nem uma boa ventilação. Assim, a principal função do partido arquitetônico é manter a coerência e a coesão entre todas as decisões de projeto. Dito de outra forma, o partido arquitetônico é importante para garantir que a intenção preceda a decisão. Um projeto arbitrário toma decisões e depois justifica as decisões tomadas de forma desordenada e contraditória. Um projeto consistente começa quando as intenções estão claras e todas as atitudes se encaminham harmonicamente para a mesma direção.

“O partido arquitetônico é o ponto de partida.” A resposta que soa familiar a qualquer um que tenha passado pelos ateliês de arquitetura é tão rica quanto inútil se não for bem entendida. Afinal, o que quer dizer ser “ponto de partida”? Toda caminhada, é certo, tem um ponto de partida, mas no primeiro passo há também a perspectiva de um ponto de chegada. Se quero caminhar até minha casa, preciso saber onde ela está. Preciso estabelecer um planejamento, um roteiro, ainda que geral, que me leve do ponto onde estou ao ponto onde quero chegar. E, se ao invés da casa, quiser ir à padaria, meu primeiro passo já será outro, em outra direção. Por isso, a beleza do ponto de partida é que ele já inclui o ponto de chegada e nele se transforma gradualmente a cada passo. É evidente que a caminhada trará surpresas: farei pequenos desvios, ajustarei a rota, atravessarei a rua, mas a estrutura do caminho será mantida. O mesmo vale para o projeto arquitetônico. Sem esta estrutura, projetar corresponde a correr para qualquer lado esperando chegar, por acaso, em casa, ou a algum outro lugar interessante. Pode acontecer ou não, mas demanda mais energia e não constrói nenhum método sólido de ação.

Pode parecer, neste momento, que definir um partido arquitetônico é uma forma de restringir ou limitar o projeto, mas isso é apenas parte da verdade. De alguma forma, ainda que limite o projeto a um entre tantos possíveis, o partido arquitetônico também procura ampliar, aprofundar e sofisticar a discussão em torno do projeto e por isso é importante sempre observar se o que defino como partido arquitetônico é uma ideia abrangente, isso quer dizer, um ideal grande o suficiente para que todas, ou quase todas, as decisões de projeto caibam dentro delas. Por exemplo, definir em certo projeto o partido arquitetônico como “grandes janelas” é inútil pois não trata de uma ideia abrangente, mas de uma atitude, uma escolha de projeto. Uma vez que as “grandes janelas” estejam postas e o (equivocado) partido atendido, a implantação, os materiais construtivos e o restante do desenvolvimento do projeto perde a referência como se o partido fosse um item a ser cumprido e não uma estrutura de pensamento. Se, no entanto, ao invés de “grandes janelas” dizemos “conforto térmico” ou “visuais” ou “relação com o exterior”, agora temos a tomar uma enorme quantidade de ações disponíveis, atitudes de projeto, que podem incluir, mas não se limitar a, grandes janelas. “Conforto térmico” é capaz de guiar a implantação, a escolha dos materiais construtivos e revestimentos, a posição das aberturas e pés-direitos, e praticamente toda questão até o fim do projeto.

Residência Hélio Olga, de Marcos Acayaba

Como é comum às obras do arquiteto e professor doutor Marcos Acayaba, a famosa residência Hélio Olga é um fantástico exemplo de seu domínio sobre os processos de projeto. Desde o início, havia um problema evidente: o terreno em declive de 100%, sujeito a erosões, dificultava qualquer implantação tradicional. O próprio Hélio Olga pensou em uma implantação linear no sentido leste-oeste, paralelo a fachada e seguindo a curva de nível. Acayaba, no entanto, rotacionou o edifício e colocou-o no sentido da queda, resolvendo o problema topográfica através da famosa implantação. Evidentemente, o enfrentamento da topografia era o centro do partido arquitetônico, mas a rotação fez mais: aproveitou a melhor insolação, protegeu a casa da umidade vinda da represa de Guarapiranga, abriu melhores visuais... Tornar possível a ocupação de um terreno com 100% de inclinação era o mais importante, a questão da qual não se poderia abrir mão e o problema era tão grande que nem a implantação genial foi capaz de resolvê-lo sozinho: era preciso de uma técnica construtiva capaz de ser executada em um terreno em que nem as máquinas conseguiam descer. Acayaba e Hélio Olga desenvolveram então os 20 módulos cúbicos de 3,30m, aproveitando o módulo de 1,10 dos painéis wall utilizados como vedação. Esse módulo, evidentemente, influenciou o tamanho e a distribuição dos ambientes e a circulação da casa. Para poder executá-lo, Acayaba e Hélio Olga desenvolveram detalhes construtivos que permitiram resolver o problema da ventilação sem sacrificar a solução da topografia, mas adaptada a esta. Essencialmente, o partido arquitetônico é a solução do problema fundamental que não desobriga a solução de outros problemas importantes, médios e pequenos, mas adaptando as soluções pequenas às soluções fundamentais e não o contrário. Como não há uma lista prévia dizendo quais são os problemas a serem enfrentados em cada projeto e, menos ainda, qual é o problema fundamental, quais são os problemas grandes e quais são os problemas pequenos, é a leitura do arquiteto que seleciona e hierarquiza subjetivamente essas informações (6). É aqui, portanto que o arquiteto se coloca: a sua interpretação da realidade do projeto espelha em algum grau seus próprios valores, experiências e visões de mundo. O que pretendo destacar aqui é que o arquiteto se coloca no projeto antes mesmo do primeiro traço, na maneira como recolhe e organiza as informações básicas sobre o projeto que terá que enfrentar.

O problema da precedência.

Retornamos assim ao problema da precedência, levantado anteriormente. Lembremo-nos: Biselli comenta que não importa o momento em que o partido arquitetônico tenha surgido, antes ou durante o desenvolvimento do projeto, desde que seja notado no resultado final. Para analisar essa afirmação podemos nos perguntar se: 1. É necessário que o partido arquitetônico surja no início do projeto? 2. Se o partido arquitetônico puder não surgir no início, mas durante o desenvolvimento do projeto, quais as consequências metodológicas e no resultado final do projeto?

Uma abordagem capaz de analisar esse argumento se baseia nas três formas de raciocínio classificadas por Peirce: abdução, dedução e indução. Segundo Ghizzi:

“As características particulares de cada modo de raciocínio determinar o seu significado podem ser assim resumidas: 1. o raciocínio abdutivo faz associação de ideias por similaridade, como o signo icônico, daí sua conclusão não poder ser mais que uma possibilidade (de verdade ou não), uma hipótese abstrata; 2. o raciocínio dedutivo (ou necessário) constrói um argumento de necessidade, relativamente àquela hipótese abstrata, de tal modo que, havendo tal coisa no universo, uma outra coisa (sua conclusão) é necessariamente verdadeira: sua conclusão é o tipo de verdade limitado ao estado de coisas ou fatos contidos na premissa, independente da correspondência com o mundo real, embora já contenha, virtualmente, as consequências de daquele estado de coisas para uma experiência possível; 3. a indução, ou argumento “transuasivo”, consiste em comprovar ou refutar , por meio da experiência, aquilo que está virtualmente previsto na dedução. Pode afirmar a verdade ou falsidade de uma ideia” (7).

As relações entre os três raciocínios são bastante complexas e não serão aprofundadas neste artigo em que basta considerar que todos são participantes e dominantes, em diferentes etapas, durante o desenvolvimento de um projeto arquitetônico. Em primeiro lugar, no início do projeto, o arquiteto recebe e recolhe uma certa quantidade de informações sobre este, normalmente legislação aplicada, programa de necessidades, orçamento disponível, localização da obra etc. Em uma visita a um terreno, por exemplo, o arquiteto procura construir esta base a partir de suas próprias observações fazendo levantamentos sobre dimensões e topografia, acessos e vizinhança, pré-existências, clima, tipo de solo e outros. Evidentemente, estando o projeto, que chamaremos doravante de problema arquitetônico, posto na realidade, o levantamento de dados sobre ele é potencialmente infinito e infinitamente complexo e, portanto, impossível de coletar em sua totalidade seja na quantidade de informações disponíveis seja na relação de cada uma dessas informações com as demais. Apesar disso, o arquiteto não se furta a imaginar uma primeira resposta que pode ou não assumir uma forma arquitetônica, mas antes é uma resposta de como organizar, selecionar e hierarquizar essas informações. Este primeiro contato é, portanto, abdutivo.

O raciocínio abdutivo parte da realidade e oferece uma resposta contingente. Se vemos, por exemplo, um bebê chorando, podemos raciocinar abdutivamente para entender o motivo: Como foi o seu dia, o que comeu, como dormiu, como está o clima, se apresentou alguma alteração de comportamento, se grita ou se resmunga, como está a digestão e um sem número de outras informações que possivelmente, mas nunca absolutamente, explicam aquele choro. O pai acha que é fome, a mãe acha que é frio e os vereditos podem variar tanto quanto forem os juízes pois dependem da quantidade de informações disponíveis e da qualidade de sua organização, ou seja, aquele que passou mais tempo o com o bebê, ou que o conhece melhor, tem melhor capacidade de julgamento pois tem mais informações disponíveis. Por outro lado, aquele que tem mais experiência com bebês, um médico por exemplo, leva vantagem na qualidade da seleção e organização dessas informações. Entretanto, nenhum deles será capaz de afirmar, através de um raciocínio abdutivo, com absoluta certeza o que está acontecendo. Se depois de muitos veredictos alguém descobrir por acaso que está nascendo um dentinho na boca do bebê, as hipóteses fome e frio deixam de parecer as melhores respostas e isso aconteceu porque uma informação, “está nascendo um dentinho”, escapou tanto ao pai quanto à mãe. O problema é que, sendo a realidade infinita, sempre haverá informações que nos escapam e, portanto, nossas respostas sempre serão parciais, adequadas apenas ao recorte da realidade que conseguimos processar. O raciocínio abdutivo sempre oferece, portanto, uma resposta contingente, ou seja, que por sua natureza pode ser ou não ser verdadeira ou adequada.

Já o desenvolvimento do projeto arquitetônico é, em tese, um raciocínio dedutivo, que por sua vez não parte da realidade mas de premissas. Tomemos o famoso silogismo: Todo homem é mortal; Sócrates é homem; logo, Sócrates é mortal. A conclusão, Sócrates é mortal, não é contingente, mas necessária, de acordo com as premissas. Entretanto, embora necessária, a conclusão é necessariamente verdadeira apenas dentro do próprio silogismo e não no mundo real. Se Sócrates pudesse tomar um remédio que prolongasse indefinidamente sua vida, mesmo sendo mortal, e isso não fosse dito nas premissas, seria mortal no raciocínio e imortal na realidade. Porém, a conclusão ainda estaria correta dentro das premissas apresentadas e o que resta analisar é se as premissas são verdadeiras e/ou se são suficientes, ou seja, descrevem suficientemente bem a realidade para que sua resposta seja válida não apenas dentro do próprio argumento.

Porque o partido arquitetônico deve preceder ao projeto e porque não precede

Dessa forma, entre o primeiro contato do arquiteto com o problema arquitetônico e o desenvolvimento da proposta temos, seguindo o argumento de Ghizzi (8), uma passagem de um raciocínio abdutivo, que parte da realidade, para um dedutivo, que parte de premissas. Esse é o papel do partido arquitetônico: transformar a realidade e premissas, ou seja, selecionar quais informações da realidade serão consideradas no processo dedutivo que se seguirá durante o desenvolvimento do projeto, e qual peso será dado a cada uma delas e por isso é fundamental que o partido surja exatamente neste ponto: entre o levantamento das condicionantes de projeto e o início de seu desenvolvimento. Assim que toma os primeiros contatos com as condicionantes de projeto (raciocínio abdutivo) e formula sua primeiríssima resposta ao problema arquitetônico (raciocínio dedutivo), o arquiteto já está selecionando e hierarquizando informações mesmo que de forma sumária. Mesmo que não chame por esse nome, uma aproximação elementar do problema arquitetônico que gere uma resposta arquitetônica igualmente elementar já tem necessariamente a intermediação, refletida ou irrefletida, de um partido arquitetônico. O problema é que este partido arquitetônico elementar está, muito provavelmente, errado, e não por uma falha de raciocínio, mas, justamente, por uma característica do raciocínio abdutivo que é fornecer respostas contingentes. Como visto, esta resposta contingente sempre pode estar correta ou errada, e as chances entre um e outro variam conforme o conhecimento do arquiteto sobre o seu problema arquitetônico. Quanto mais conhece o problema, maior a chance de acertar o diagnóstico e isto é um problema para a necessidade da adoção de um partido no início do projeto: se temos que adotar um partido arquitetônico no início do projeto, estaremos fazendo no momento em que é mais improvável que ele esteja correto e não por falha nossa mas por característica do próprio raciocínio que o gerou. O panorama até aqui, portanto, é: o partido arquitetônico é mais útil quanto mais cedo, mas mais correto quanto mais tarde, for adotado. Mas antes de resolver essa questão, vamos desenvolvê-la.

Le Corbusier dizia que a arquitetura é a resposta a uma pergunta bem formulada e se o desenvolvimento do projeto é um raciocínio dedutivo e necessário como defendemos aqui, ele está coberto de razão. Se a resposta é necessária, o que diferencia um projeto do outro é, pois, a exatidão e sofisticação na leitura do problema, ou seja, na formulação da pergunta. Todo arquiteto provavelmente conhece um projeto que embora seja muito bem justificado e coerente dentro da própria teoria, na prática não funciona tão ou nada bem. Trata-se de uma pergunta mal formulada. Um edifício incorreto pode ser uma resposta correta a premissas falsas ou incompletas. Da mesma forma, todo arquiteto concordará que conhece melhor o seu problema arquitetônico ao final do projeto do que no começo, o que é evidente pois toda a etapa de projeto é também uma investigação sobre as condições a que o projeto deve responder.

Durante o projeto da residência Hélio Olga, Marcos Acayaba provavelmente elaborou para si mesmo uma série de perguntas: a primeira foi: “como fazer uma casa?” Tendo observado a inclinação do terreno, reformulou a questão para “como fazer uma casa em um terreno com inclinação de 100%?”. Com o programa de necessidades em mãos, reformulou sua novamente sua questão: “como fazer uma casa em um terreno com inclinação 100% que tenha 4 quartos?”.

Evidentemente, não só as condições anteriores são importantes mas cada decisão de projeto do próprio Marcos Acayaba torna-se imediatamente parte da pergunta para a decisão seguinte. Após definir o módulo estrutural de 3,30m como resposta a problemas anteriores, o arquiteto se perguntou: “como fazer uma casa em um terreno com inclinação 100% que tenha 4 quartos respeitando o módulo estrutural de 3,30m?” (9). O que quero dizer é que esta pergunta pode ser sempre mais refinada e se Marcos Acayaba conhecesse suficientemente bem seu problema arquitetônico logo ao primeiro contato, saberia respondê-lo também ao primeiro contato e teria imediatamente seu projeto. Como sabemos que projetos não são feitos imediatamente, concluímos que não conhecemos verdadeiramente o problema arquitetônico, a pergunta, até que tenhamos encontrado a sua resposta e se o arquiteto desavisado imagina que passou muitos meses trabalhando sobre a resposta a um problema, afirmamos que o trabalho, na realidade, foi para formular a pergunta.

O processo de projeto como investigação do problema e formulação da pergunta correta é o motivo pelo qual o desenho é tão importante para os arquitetos. Ghizzi (10) argumenta que o raciocínio dedutivo, aquele que caracteriza o desenvolvimento do projeto, também pode ser chamado diagramático, ou seja, as relações entre suas partes podem ser representadas por um diagrama. Para o arquiteto, o desenho é o diagrama que melhor reproduz o problema arquitetônico (11), de tal modo que o desenho não apenas representa as relações mas as revela. Ou seja, o desenvolvimento dedutivo do projeto acontece em três momentos: primeiro, o arquiteto tem um problema arquitetônico, uma pergunta, a responder. Depois, ele imagina uma resposta a este problema e a resposta lhe parece satisfatória. Finalmente ele desenha essa resposta e verifica se ela é realmente adequada e de que forma ela conformará o refinamento da pergunta, e esse é o passo importante pois sem o desenho, a resposta não é capaz de refinar a própria pergunta.

Voltemos à cabeça de Marcos Acayaba com sua pergunta “como fazer uma casa em um terreno com inclinação de 100%?”. A resposta imaginada é, por exemplo, “com uma estrutura sobre pilotis”, e a questão parece respondida. O arquiteto desenha sua resposta e novas questões se colocam: essa estrutura pode ser em “T” ou em “L”? A que distância os apoios devem ficar do limite do lote e quantos metros de altura deve ter para que a entrada permaneça em nível? Tendo vários pisos, que ambientes ficarão acima, que ambientes ficarão abaixo? Como resolver os problemas de ventilação, água e esgoto? Cada nova resposta, se desenhada, refinará a pergunta e exigirá uma nova resposta ainda mais refinada. Quanto mais o arquiteto refizer o ciclo “problema — resposta imaginada — desenho — problema reformulado”, mais refinado será seu projeto o que significa que melhor ele é compreendido pelo próprio arquiteto e, portanto, mais provavelmente correto.

Casa Hélio Olga, croquis, São Paulo SP, 1990. Arquiteto Marcos Acayaba
Imagem divulgação [Website marcosacayaba.arq.br]

Se o conhecimento sobre o problema arquitetônico vai sendo refinado ao longo do projeto, é natural que a seleção e hierarquização de informações sobre ele, o partido arquitetônico, também se refine. É claro que os primeiros esboços de qualquer projeto são gerais, porque a compreensão do problema e o próprio partido arquitetônico também o são. Assim, um partido arquitetônico completamente conhecido seria a chave para uma compreensão perfeita do problema arquitetônico e consequente perfeita resposta arquitetônica, ainda que dentro de certas premissas. Como isso é impossível, podemos apenas seguir refinando o partido arquitetônico e, com ele, o problema arquitetônico e sua resposta.

Refinar o partido arquitetônico, entretanto, significa aprofunda-lo, mas não substituí-lo. A verdade é que o partido arquitetônico possui camadas superficiais e profundas, tema que precisará ser tratado em outro momento, mas precisa permanecer o mesmo do início ao fim do projeto e o motivo é simples: se adotamos um partido arquitetônico no início do projeto e as primeiras decisões são tomadas de acordo com esse partido, você não pode abandonar esse partido sem rever, e provavelmente também abandonar, todas as decisões já tomadas para verificar se elas continuam a fazer sentido dentro da sua nova hierarquia de prioridades. Retomando a metáfora da caminhada, se decido ir para casa e imagino o meu roteiro até lá, posso fazer pequenas alterações de rota e certamente conhecerei o melhor percurso ao longo do caminho. Mas se no meio dele mudar de ideia e resolver ir ao supermercado, preciso rever meu roteiro desde o início e possivelmente terei que retornar ao ponto de partida para iniciar a nova jornada. Claro que isso nos acontece com frequência, mas, se durante o desenvolvimento de projeto o arquiteto perceber que precisa não ajustar, mas alterar radicalmente seu partido arquitetônico, isso significa retornar também à folha em branco e no máximo podemos alegar que retornar à folha em branco não é começar o projeto do início novamente porque já temos ao menos a experiência de um projeto equivocado para nos guiar. De qualquer forma, o projeto em si precisa ser retomado do início e, dessa forma, discordamos de Biselli e consideramos que o partido arquitetônico necessariamente deve preceder ao projeto, embora permaneça sendo conhecido, aprofundado e refinado conforme o projeto avança.

Considerações finais

Não é preciso recordar, no entanto, que o partido arquitetônico é um conceito criado pelos arquitetos como auxiliar na reflexão da prática e metodologia arquitetônica, assunto que é de evidente interesse aos profissionais. Dessa forma, enquanto conceito, pode ser compreendido e explicado de tantas formas diferentes quanto forem os métodos possíveis para a concepção de um projeto arquitetônico. Sabendo disso, entretanto, é pouco producente mirar em um artigo que há de ser publicado e lido por outros apenas a experiência individual ou relatos do que o partido arquitetônico é para mim ou o método pessoal de projeto de cada arquiteto, sem nenhuma responsabilidade sobre o que há, no fundo, de universal ou de comum. Só assim as reflexões construídas merecem ser compartilhadas e podem servir a mais alguém. O limite entre o pessoal e o comum, entretanto, é muito tênue e espero, neste artigo, ter acrescentado algo de válido a experiência geral da arquitetura assim como faz Mario Biselli no artigo citado e em sua tese em que desenvolve para muito além estes e outros temas e que, sem dúvida, merece atenção e fornece todo o palco para discussões futuras.

notas

1
BISELLI, Mario. Teoria e prática do partido arquitetônico. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 134.00, Vitruvius, jul. 2011 <https://bit.ly/35slQaX>.

2
Idem, ibidem.

3
Idem, ibidem.

4
Idem, ibidem.

5
É importante destacar que, como dito, o autor voltou ao trabalho em sua tese de doutorado, conseguindo novos e notáveis avanços nesta tarefa que, em parte, se aproximam dos temas levantados neste artigo.

6
É importante recordar que, segundo conta o arquiteto Marcos Acayaba, o antigo proprietário do terreno não considerou a topografia como o problema mais importante e pretendia aterrar toda a área deixando-a ao nível da rua. Muitos caminhões de terra depois, quando descobriu que seu projeto era inexequível, vendeu o terreno para Hélio Olga sem conseguir perceber que o problema não estava na declividade do lote mas na sua leitura das condicionantes de projeto.

7
GHIZZI, Eluiza Bortolotto. Arquitetura em Diagramas: Uma Análise da Presença do Raciocínio Dedutivo-Diagramático no Processo Projetivo em Arquitetura. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, vol. 3, n. 2, São Paulo, PUC SP, jul./dez. 2006, p. 116<https://bit.ly/3rPtKCQ>.

8
BISELLI, Mario. Teoria e prática do partido arquitetônico (op. cit.).

9
ACAYABA, Marcos. Modos de habitar. YouTube, San Bruno, 19 jul. 2018 <https://bit.ly/3G37fPP>.

10
GHIZZI, Eluiza Bortolotto. Op. cit.

11
Podemos argumentar aqui que construir e demolir repetida e imediatamente as paredes até encontrar o projeto correto como uma maquete em escala 1:1 seria um representante absolutamente fiel do projeto, mas a técnica seria absolutamente contraproducente embora talvez o desenvolvimento da realidade virtual possa trazer em breve essa discussão ao palco. A questão é que o desenho está mais próximo da realidade do que o pensamento, assim como a maquete se aproxima ainda mais e finalmente o projeto executado é idêntico a si mesmo.

sobre o autor

Rogério Penna Quintanilha é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Estadual de Londrina (2004), mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008) e doutor pela Universidade de São Paulo (2016), com a tese As cidades que criamos: A arquitetura de cidades novas a partir da experiência da Caraíba de Joaquim Guedes. Atualmente é bolsista FAPESP de pós-doutorado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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