Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Investigou-se o uso da legislação urbanística nas pequenas cidades da Zona da Mata mineira, conforme requisitos do Estatuto da Cidade e das leis orgânicas. Constatou-se a falta de recursos e negligência das exigências legais pela maioria dos municípios.

english
The use of urban legislation in small towns of the Zona da Mata of Minas Gerais was investigated, in accordance with the requirements of City Statute and organic laws. There is a lack of resources and neglect of legal requirements by most cities.

español
Se investigó el uso de la legislación urbana en pequeñas ciudades de la Zona da Mata de Minas Gerais, según Estatuto de la Ciudad y leyes orgánicas. Hay una falta de recursos y descuido de los requisitos legales por parte de la mayoría de las ciudades.


how to quote

STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro; STEPHAN, Lina Malta; CIVALE, Leonardo; PEREIRA, Ana Clara de Souza. Avaliação das condições de planejamento urbano nas cidades com menos de dez mil habitantes na Zona da Mata Mineira. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 282.01, Vitruvius, nov. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.282/8943>.

Há uma extensa experiência em planejamento urbano nas metrópoles, nas grandes e nas médias cidades brasileiras. Porém, em relação às pequenas cidades, ainda há um amplo campo de pesquisa e de descobertas a ser trilhado. Embora possam não sofrer na mesma escala os problemas urbanos dos grandes centros, os municípios de pequeno porte demográfico sofrem com a falta de definição de diretrizes, regras e instrumentos para orientar seu desenvolvimento. Cabe ao município a responsabilidade de exercer o controle sobre o uso e ocupação do solo e criar condições para o desenvolvimento sustentável e mais justo do seu território (1).

De modo geral, esses municípios têm dificuldades para levar adiante uma prática de planejamento e gestão urbana, por vários motivos. Nas pequenas cidades, prevalece uma legislação mínima, residual, defasada e desrespeitada, comumente reduzida a um antigo Código de Posturas, eventualmente contando com um Código de Obras cinquentenário. Os perímetros urbanos em geral estão defasados. Raramente, há uma lei de parcelamento do solo ou uma lei de zoneamento. Projetos de obras são aprovados por leigos, sem atender a nenhum critério técnico, e a fiscalização de obras é uma atividade pouco desenvolvida. Predomina a negligência às regras de produção do espaço urbano, quando essas existem.

Desse modo, este texto foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a existência e a aplicação de legislação urbanística em municípios com população inferior a dez mil habitantes da Zona da Mata de Minas Gerais. Buscou-se identificar quais municípios desse grupo deveriam ter elaborado seus planos diretores, quais leis urbanísticas possuem esse documento e quais setores da administração deveriam tratar do planejamento e da gestão da política urbana.

Observa-se que na Zona da Mata mineira, as pequenas cidades são vítimas das velhas práticas políticas, assim como “da manutenção de práticas políticas conservadoras, que só podem ocorrer perante a manutenção da condição precária de vida da maioria” (2).

Referencial

Um município com pouca população não deve prescindir de criar, no seu Plano Diretor, um referencial para cuidar de seu território e orientar seu desenvolvimento. Mesmo que algumas cidades pequenas não se enquadrem nos casos de obrigatoriedade estabelecido pelo Estatuto da Cidade, previstos no artigo n. 41, há um ponto negligenciado há décadas que as enquadram na obrigatoriedade: a política urbana e a elaboração do plano diretor estão presentes em quase todas as Leis Orgânicas Municipais do país (3).

É preciso definir, dentre outros pontos, quais áreas podem crescer, onde estão as áreas de risco, onde poderão ser instaladas futuras indústrias, quais espaços devem ser preservados, onde alocar moradia de baixa renda, como valorizar e preservar o patrimônio cultural (4), como ocorre em várias cidades. É necessário que haja um setor da prefeitura que cuide da implementação do plano e do cumprimento das demais leis urbanísticas, assim como um conselho municipal com capacitação mínima que ampare decisões, bem como o acompanhamento da população para que tenha efetividade.

Área central de Senhora de Oliveira MG
Foto Ítalo Itamar Caixeiro Stephan, 2022

O Estatuto da Cidade contém um conjunto de instrumentos adequados às cidades maiores. Para uma cidade pequena há outros tipos de dificuldades, pois há, quase sempre, uma carência de recursos financeiros e humanos e disputas evidentes entre grupos políticos rivais. O crescimento e o ordenamento urbano, feitos à base de obras pontuais e desconexas, muitas delas irregulares (de acordo com a Lei n. 6766/1979 e o Código Florestal Brasileiro), são fatores impactantes no ambiente assim como a ocupação e o adensamento de áreas inapropriadas, ou o espraiamento descontrolado.

O Estatuto da Cidade completou vinte anos de existência em 2021. Exigiu planos diretores — PDs — para centenas de municípios. De positivo, trouxe a discussão sobre política urbana para cidades que nunca tinham colocado esse tema em pauta. O estatuto ampliou o conhecimento sobre nossas cidades, mas não cumpriu totalmente sua missão, dadas as dificuldades em sua aplicação.

Edésio Fernandes (5), ao avaliar novos planos diretores, chama atenção sobre “planos diretores excessivamente complicados e burocráticos, quando não ininteligíveis; que não conteriam uma definição clara das prioridades sem considerar a pouca capacidade de gestão dos municípios”. Alerta também que “a enorme maioria dos planos diretores e das leis urbanísticas que os apoiam ainda se limita a dizer “o que pode ser feito onde, como, quando e por quem”, mas, além de não dizer, “não pode”, tampouco diz “tem de fazer” — e assim não impõe obrigações aos proprietários e não enfrenta diretamente a estrutura fundiária. (6).

Entre 2001 e 2008, quase dois mil planos diretores aprovados, no Brasil, foram feitos para atender à lei. Em alguns municípios o plano se encerrou na fase de elaboração ou na aprovação. Houve vários casos de cópias de planos ou de planos elaborados de forma irregular: etapas de participação popular em desacordo com as resoluções n. 25 e n. 34 do Concidades.

A grande maioria dos planos não foi revisada após os dez anos e não foi implementada, também por não terem dispositivos autoaplicáveis. Segundo conclusões de Ítalo Itamar Caixeiro Stephan (7), ainda constatáveis em pesquisas de até treze anos depois, a criação do órgão de acompanhamento da maioria dos planos permaneceu apenas no papel; e:

“A elaboração dos dispositivos legais e a regulamentação dos instrumentos presentes nos planos, previstos para alguns meses após a aprovação das leis dos planos, como revisão ou elaboração de leis de controle do uso e ocupação do solo, não foi sequer iniciada” (8).

Recentemente, uma proposta de Emenda Constitucional ameaçou o desaparecimento de municípios de até cinco mil habitantes na forma de fusão com outros que, para permanecerem como municípios, deverão comprovar sustentabilidade financeira, até o dia 30 de junho de 2023 (9). A autora aponta:

“Será que esses municípios, com a extinção, seriam efetivamente assistidos pelos municípios incorporadores? Em outras palavras, será que os recursos economizados com a extinção das prefeituras e câmaras de vereadores iriam voltar para os municípios incorporadores e aplicados aos seus novos distritos?” (10).

Segundo Carlos Lobo, Rodrigo Nunes Ferreira e Marcos Antônio Nunes (11), “como era de se esperar, a proposta de extinção dos pequenos municípios foi mal-recebida pelas entidades municipalistas”. Para os autores a PEC se baseia em “um argumento raso da necessidade de ajuste fiscal e redução do gasto público, propondo uma solução drástica: extinguir a autonomia constitucional desses entes federativos — tidos como “insustentáveis financeiramente”. Informam que a Confederação Nacional dos Municípios — CNM “apresentou uma série de argumentos contrários à proposta, sintetizando a posição defendida pelos municipalistas: observa que 82% dos municípios brasileiros, independentemente do seu porte populacional, não conseguem superar o limite de 10% de receitas próprias” (12). Os resultados obtidos pelos autores:

“Em geral, permitem observar que, entre os 1.211 municípios com até cinco mil habitantes, que não superam o limiar de 10% de participação da receita própria em 2015, boa parte apresentou desempenho similar ou superior à média nacional na prestação de serviços públicos” (13).

Segundo Fernando Abrucio, Hironobu Sano e Cristina Sydow (14), a descentralização, prevista na Constituição Federal de 1988, resultou em avanços inquestionáveis para o país. Possibilitou o surgimento de soluções administrativas inovadoras no nível local, que serviu de inspiração para outros governos e em diferentes escalas. Porém, como afirma o autor, tal medida não esteve imune às críticas. Esse processo resultou, em alguns casos, na acentuação e na reprodução das desigualdades pré-existentes. “De tal modo que os governos municipais ganharam autonomia, mas muitos deles não tinham condições financeiras, administrativas e políticas para usufruir da nova condição” (15).

A possibilidade de fusão de municípios traz à tona questões históricas e culturais. Todas as cidades possuem sua história, sua cultura, sua identidade, e a amalgamação pretendida poderá trazer dificuldades ainda maiores de gestão às localidades e poderá acelerar o processo de deterioração das condições de vida. Há necessidade do aperfeiçoamento do atendimento nas três escalas federativas, de forma a produzir efeitos benéficos na ponta mais frágil dos municípios com pouca população.

Metodologia

O termo “pequenas cidades” é muito amplo. Para este trabalho, o termo será utilizado com o significado de município de pequeno porte demográfico com menos de dez mil habitantes. Estudar pequenas cidades é necessário, visto que cada uma delas tem seu significado e seu papel (16).

Este trabalho foi estruturado com o objetivo de avaliar a existência e a aplicação de legislação urbanística em municípios com população inferior a dez mil habitantes da Zona da Mata Mineira. Esta pesquisa tem caráter exploratório, em que “são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (17).

A primeira etapa foi verificar se os municípios se enquadram nas exigências estipuladas pelas respectivas leis orgânicas municipais e pelo Estatuto da Cidade. Foi verificado se os municípios fazem parte de Circuitos Turísticos ou se possuem, em seus territórios, empreendimentos com impacto ambiental. Foi pesquisado, nos sites das respectivas prefeituras e câmaras municipais, baixadas e lidas, as Leis Orgânicas e se estas contemplavam a existência de plano diretor.

Nas mesmas fontes, foram pesquisadas a existência de plano diretor, lei de uso e ocupação do solo, de parcelamento do solo, código de obras e código de posturas.

Procurou-se identificar a existência de algum setor administrativo que tratasse especificamente de algum aspecto da política urbana e quais as exigências para aprovação de projetos (o que é pedido quanto ao projeto arquitetônico, qual setor recebe o pedido, quem analisa, quais leis são as bases para elaboração de projetos). Foram obtidas informações em trinta prefeituras.

Legislação urbanística nas pequenas cidades

A Constituição Federal estabelece, em seu Artigo 29, que:

“O município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado” (18).

A Lei Orgânica — LOM é a lei maior de um município, que pode ser entendida como a Constituição do município. A LOM é um conjunto de normas que organiza o funcionamento da administração pública e dos poderes municipais. Inclui diretrizes gerais para políticas setoriais (saúde, educação, meio ambiente etc.) e a política urbana. Quase todas incluem o plano diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento do município. Em geral, trata da função social da propriedade e inclui alguns elementos que devem estar presentes nela. Os primeiros anos seguintes à entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 foram de ampla disseminação das leis orgânicas municipais, com muitas delas servindo de cópias para os municípios.

Para Cymbalista e Santoro, o “Estatuto da Cidade e a Constituição, além de instituírem um nova ordem jurídico-urbanística no Brasil, redefiniram a função do Plano Diretor municipal”. Elogiam o plano diretor participativo que, no lugar de uma peça técnica que circula apenas entre especialistas, emerge como uma peça política, que deve ser construída democraticamente com a participação popular (19).

O Estatuto da Cidade identifica as cidades com a obrigatoriedade de aprovar seus planos diretores. Também contempla, no seu artigo n. 42, o conteúdo mínimo para um plano diretor, o que inclui instrumentos urbanísticos e critérios para a regularização fundiária. Um dos principais aspectos do Estatuto da Cidade é o que exige como componente do plano a criação de um sistema de acompanhamento e de controle, que deve ser uma estrutura de planejamento urbano, formada por um conselho setorial de política urbana e um órgão para lidar com a política urbana (secretaria ou departamento) (20). O plano diretor é uma peça legal raramente presente na legislação dos municípios pouco populosos. Mesmo que exista, é ainda mais raro que seja revisado após os dez anos exigidos pelo Estatuto da Cidade. Deve ser adequado às condições locais e oferecer condições para que a terra seja adequadamente equipada (21).

O zoneamento consiste na repartição da cidade e das áreas urbanizáveis conforme sua destinação de uso e ocupação do solo, para delimitar os locais de utilização específica. Pode ser tratado como instrumento de planejamento para todo o território municipal, como macrozoneamento — base para o planejamento territorial, para a destinação socioeconômica e ambiental das diferentes partes do município. O zoneamento das áreas urbanas pode ser simples nas pequenas cidades, como a definição de zonas de expansão urbana, zonas de uso misto (residencial, comercial, institucional, e de serviços), zonas industriais para receber indústrias não toleradas nas demais partes do tecido urbano, zonas de interesse histórico e ambiental (22). Também se trata de um instrumento raramente existente em pequenas cidades.

O parcelamento do solo pode ser feito mediante duas formas: loteamento ou desmembramento (23). Assim como o zoneamento, o parcelamento do solo é um instrumento raramente existente em pequenas cidades. Eventualmente, quando há a atuação de engenheiros civis ou agrimensores prestadores de serviços, é consultada a Lei Federal n. 6766/79 com um ou outro de seus parâmetros. No entanto, com o tempo, áreas verdes e institucionais são ocupadas de forma irregular por meio de doações. Vias são construídas com largura insuficiente, sem espaços para calçadas, em terrenos de alta declividade, e que, de infraestrutura chega apenas à pavimentação rudimentar, de forma a ignorar soluções de drenagem.

O código de obras é uma lei que estabelece as regras gerais e específicas a serem obedecidas no projeto, licenciamento de obras e atividades, execução, manutenção de obras. O código é necessário para estabelecer regras mínimas de habitabilidade, de segurança contra incêndios e de acessibilidade universal. Diferentemente do zoneamento e o parcelamento do solo, trata-se de um instrumento mais comum em pequenas cidades, embora em geral desatualizado.

Regras que vêm desde o século 19, os Códigos de Posturas ou Posturas Municipais vieram da necessidade de um novo delineamento jurídico para reestruturar as relações sociais, as relações de produção e a convivência nas cidades (24). O Código de Posturas busca disciplinar a conduta do poder público municipal e do cidadão, ao estabelecer normas de polícia administrativa relativas à higiene, à ordem e à segurança pública, aos bens do domínio público e ao funcionamento de estabelecimentos. São as leis mais comuns em municípios pequenos, no entanto, ao mesmo tempo, as mais antigas e desatualizadas.

Um aspecto negligenciado nas pequenas cidades é o da existência de regras e de procedimentos para análise e aprovação de projetos de construção. Sem regras e leis, sem profissionais capacitados, esse procedimento, em algumas prefeituras, eventualmente recebe orientações para que o projeto tenha “bom senso”. Segundo Carneiro e Stephan (25), nas pequenas cidades, algumas dessas carências estão ligadas, dentre outros fatores, à qualidade da administração, esta geralmente baseada em interesses pessoais. Comumente ocorre que a falta de conhecimento técnico, que leva à ausência de bons projetos para solucionar problemas. Essa forma de administração persiste em alguns locais, onde a capacitação tanto técnica quanto educacional é escassa e onde o município é o maior empregador (26).

Os municípios da Zona da Mata mineira

A Zona da Mata de Minas Gerais ocupa uma área correspondente a 6,1% da superfície do Estado, com uma população de 2.017.728 habitantes (27), distribuída por 143 municípios, dos quais 69% possuem menos de dez mil habitantes. A região apresenta elevado grau de urbanização, processo que vem ocorrendo mais em função do êxodo rural interno ou vindo de municípios vizinhos em condições mais precárias, do que do crescimento vegetativo.

Área central de Simão Pereira MG
Foto Ítalo Itamar Caixeiro Stephan, 2022

A média da população dos municípios da zona da Mata, se descontada a população dos sete municípios com mais de 50.000 habitantes, é de aproximadamente 7.500 habitantes. Marcos Mergarejo Netto e Alexandre Diniz já alertavam em 2005 que:

“A despeito de uma posição privilegiada ocupada num passado distante, a Zona da Mata, com base nos dados apresentados, pode ser considerada uma região estagnada em virtude de uma economia titubeante, concentrada e com lenta evolução, além de uma população crescente e um índice de qualidade de vida relativamente baixo, ainda que se observe uma evolução positiva dos mesmos. Outro fator que deve ser registrado trata simultaneamente da heterogeneidade, mas, também da enorme disparidade interna em termos de infraestrutura e condições urbana, ainda que mantenha um alto grau de urbanização” (28).

Essa descrição não mudou muito desde então, embora tenha havido uma consolidação do Polo Moveleiro de Ubá, especialmente, em Rodeiro, Visconde do Rio Branco e São Geraldo. Os municípios acima dos dez mil habitantes conseguem manter um crescimento populacional tímido. Quanto mais abaixo da faixa dos dez mil habitantes, a tendência é ficar na estabilidade ou apresentar um leve decréscimo.

Ângela Maria Endlich e Américo José Marques apontam o que é também constatável na Zona da Mata:

“Embora muitas das pequenas cidades tenham crescido demograficamente, seus papéis foram profundamente modificados. Houve uma perda de centralidade dessas localidades. Configuram-se cada vez mais nitidamente no território, os espaços de esvaziamento e os espaços de concentração demográfica” (29).

Embora estejam sem apresentar significativa expansão demográfica, é possível observar, nas pequenas cidades, a construção de novos parcelamentos de terra, construções novas, ampliações e reformas em andamento. Possíveis explicações apontam para a ocorrência da migração do campo para a cidade (ou mesmo migração regional), a diminuição do número de membros das famílias e o investimento local de nativos que moram em cidades maiores, seja como segunda moradia ou como investimento. Adicionalmente, as áreas rurais periféricas improdutivas vêm sendo sistematicamente transformadas em loteamentos, de forma que o valor do solo, quando transformado para fins urbanos, mesmo em pequenas cidades, sem fornecer a infraestrutura necessária, mesmo que levem décadas para serem ocupados, têm seus valores facilmente multiplicados por 25 a trinta vezes, garantindo um significativo e confortável patrimônio.

Os impactos ambientais são significativos: leitos dos cursos d’água desrespeitados, o que resulta em edificações nas suas margens e, a cada período chuvoso, maiores enchentes e prejuízos. Verifica-se que, com esse crescimento sem controle, acrescentam-se construções de mais de um pavimento que ocupam a totalidade das áreas dos terrenos. Algumas avançam por sobre as calçadas e até mesmo sobre as ruas. No processo de adensamento, não há dotação de vagas de estacionamento, demanda que é levada para as ruas. Na falta de fiscalização, a acessibilidade é comprometida com as calçadas mal construídas e descontínuas; as rampas para as garagens, em geral, avançam nos leitos das vias, e os telhados metálicos jogam as águas pluviais para cima das calçadas e ruas.

Resultados

Como observado, o crescimento desorganizado e sem regras afeta a formação do espaço das pequenas cidades. Compromete a qualidade de vida, ameaça o patrimônio cultural e o meio ambiente, bem como amplia as distâncias sociais.

A seguir, serão apresentados os critérios de exigibilidade para aprovação dos planos diretores, presentes no artigo n. 41 do Estatuto da Cidade.

  • Áreas de interesse turístico: 86 dos 99 municípios são integrantes de catorze circuitos turísticos encontrados na Zona da Mata.
  • Áreas de interesse estratégico, no caso, a existência de pequenas centrais hidrelétricas — PCH no município, condição que coloca doze municípios no critério de exigibilidade (Caiana, Descoberto, Guarani, Guiricema, Reduto, Rio Doce, Rio Preto, Santa Cruz do Escalvado, Santa Rita de Jacutinga, Santana do Deserto, Simão Pereira e Tombos).
  • Lei Orgânica Municipal: nem todos os municípios deixam suas leis orgânicas disponíveis. Dos 99 municípios, foram encontradas 73 leis orgânicas, sendo que 67 apresentam um título sobre política urbana e preveem o plano diretor para o município e 6 não mencionam o plano diretor. A maioria das leis é de 1990, com poucas revisões recentes.
  • Dos 99 municípios, apenas Barão de Monte Alto (5.397 habitantes), Chalé (5.704), Divinésia (3.417) e Senador Firmino (7.812) não se enquadram nos critérios que exigem a elaboração do plano director (30).

A seguir são apresentados os resultados de busca sobre a existência de legislação referente ao ordenamento territorial.

  • Plano Diretor — dos 99 municípios, sete planos diretores foram identificados nos sites das Câmaras Municipais, sendo três deles com menos de seis anos (Caparaó — 5.436 habitantes, Luísburgo — 6.266, Santa Cruz do Escalvado — 4.758), dois com mais de doze anos (Coronel Pacheco — 3.086 habitantes, Rio Novo — 8.949 e Chácara — 3.154) e um de 1992 (Rio Preto — 5.476 habitantes).
  • Zoneamento, uso e ocupação do solo — dos 99 municípios, nove foram identificados, seis deles como parte do plano diretor e três como leis específicas (Ewbank da Câmara, Rio Preto e Santana de Cataguases).
  • Parcelamento do solo — dos 99 municípios, sete leis foram identificadas, sendo apenas uma lei específica (Cajuri); quatro como parte do plano diretor (Chácara, Coronel Pacheco, Luisburgo e santa Cruz do Escalvado); um junto com o código de obras e uma junto com a lei de zoneamento, uso e ocupação do solo.
  • Código de Obras — dos 99 municípios, foram encontradas as leis de dez municípios: Caparaó, Goianá, Luisburgo, Piau, Rio Preto, Santana de Cataguases, Simão Pereira, Tombos — todos anteriores a 2002; Guiricema (2009) e São Miguel do Anta (2011).
  • Código de Posturas — dos 99 municípios, 28 códigos foram encontrados, sendo um de 1943 (São Pedro dos Ferros, 7.781 habitantes); um de 1966 (Santo Antônio do Aventureiro, 3.602 habitantes); dez aprovados entre 1984 e 1999; oito, entre os anos 2000 e 2011, e oito, depois de 2012.

Critérios de exigibilidade para ter plano diretor em municípios com população inferior a dez mil habitantes na Zona da Mata de MG
Elaboração dos autores a partir de dados das câmaras municipais, prefeituras municipai [Munic IBGE, 2022]

 

Além dessas leis, foi investigado qual setor foi definido como responsável por conduzir a política urbana: dos 99 municípios, os setores da prefeitura, com possível atribuição para lidar com o ordenamento do território mais comuns, são as secretarias de obras, em número de 65. Oito municípios acrescentam o nome urbanismo às obras, mas sem explicitar atribuições inerentes. O único município que detalha as atribuições é o de Rio Espera (5.474 habitantes), que:

“Tem por finalidade coordenar as políticas, programas e projetos de desenvolvimento urbano e habitacional, incluindo a elaboração e definição de planos e instrumentos de ordenamento e de regulação urbana, bem como exercer as funções de licenciamento e de fiscalização do cumprimento das legislações urbanísticas, visando ao crescimento equilibrado do Município e à qualidade de vida em uma cidade sustentável” (31).

Dos 99 municípios levantados, apenas Luisburgo apresenta legislação completa, a qual abrange plano diretor, leis de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação (todos incluídos no plano diretor de 2017) e os códigos de obras e de posturas (1999). Santa Cruz do Escalvado possui Plano Diretor, leis de zoneamento, uso e ocupação do solo, parcelamento e Código de Posturas; Caparaó possui todas as leis, menos parcelamento do solo. Santana de Cataguases (3.872 habitantes) (32) só não tem plano diretor.

Um último aspecto investigado foi como ocorre o processo de apresentação, análise e aprovação de projeto nas prefeituras. Alguns municípios têm arquitetos e urbanistas como prestadores de serviços (como em Coronel Pacheco, Rio Preto, Caparaó, Rodeiro, Simão Pereira) para analisar e aprovar projetos. O profissional mais comum é um engenheiro civil, que aprova os projetos (em 25 dos trinta municípios consultados).

Legislação urbanística nos municípios com população inferior a dez mil habitantes da Zona da Mata de MG
Elaboração dos autores a partir de dados das câmaras municipais, prefeituras municipai [Munic IBGE, 2022]

O procedimento mais corriqueiro é apresentar o projeto ao setor de tributos (dentre eles Barra Longa, Patrocínio do Muriaé, Dores do Turvo, Tabuleiro, Caparaó, Senador Firmino, Simão Pereira, Rodeiro, Guiricema, Dona Eusébia, São Francisco do Glória), para a cobrança de taxas (alvará e, eventualmente, Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza — ISSQN).

As leis básicas mais consultadas são o Código de Obras (dentre eles Argirita, Guarani, Itamaraty de Minas, Rodeiro, Guiricema, Dona Eusébia, Santa Bárbara do Monte Verde, Simão Pereira, Volta Grande), o código de Posturas (Barra Longa, Coimbra, Divinésia, Rodeiro), e a Lei Federal n. 6766/79 (dentre eles Guarará, Rochedo de Minas, Senador Cortes).

Considerações finais

É possível que o levantamento tenha algumas imperfeições, pois ainda há dificuldades para encontrar algumas leis nos sites. Há sites incompletos, que não estão funcionando, bem como leis antigas, que não foram digitalizadas. Na busca por informações sobre a legislação urbanística nos órgãos municipais, as informações não são claras, dependem de encontrar os responsáveis técnicos (engenheiros civis, arquitetos e urbanistas, técnicos em edificações) que são prestadores de serviços em dias específicos da semana.

Há alguns paradigmas a serem quebrados, quanto ao planejamento e à gestão da política urbana em pequenas cidades. Em âmbito federal e estadual, persiste o abandono das questões de desenvolvimento regional e urbano, o que deixa o município à mercê das contingências locais, sempre o lado mais frágil. Além de fiscalizar e cobrar pela existência e pela aplicação da legislação urbanística, é necessário que o Estado dê o suporte jurídico, técnico e financeiro. Cabe ao Estado exigir que façam valer os esforços da elaboração do plano diretor, de forma que, com as demandas nele contidas, encontrem-se as oportunidades para a obtenção dos recursos necessários.

No município, é necessário que a Lei Orgânica seja respeitada e que o enquadramento nas exigências presentes no Estatuto da Cidade seja compreendido e atendido. No âmbito municipal, é preciso quebrar a prevalência da política sobre a técnica, que atropela a chance de aplicação das regras. Persiste o amadorismo no trato com o desenvolvimento da produção dos espaços urbano e rural, a inexistência de projetos e de visão de futuro. No entanto, a grande maioria das prefeituras tem engenheiros civis e eventualmente arquitetos e urbanistas, profissionais com condições de contribuir para a elaboração, atualização e atendimento às leis urbanísticas.

Cada município, inclusive os de pequeno porte demográfico, deve ter uma legislação urbanística autoaplicável e adequada às suas condições, por mais básica que seja e sem cópias de outros municípios. O plano diretor tem de ser ajustado ao porte e às condições técnicas, econômicas e ambientais. Eis um grande desafio: desenvolver um plano adequado para um município pouco populoso, com possibilidades de aplicação. É necessário dotar um sistema de análise, de aprovação de projetos e de fiscalização de obras eficiente, em todo o território municipal. As parcerias, os consórcios entre municípios — como os de saúde, de destinação de resíduos sólidos, são um dos caminhos apontados.

Há muito a ser melhorado na gestão dos municípios com menos de dez mil habitantes da Zona da Mata mineira. É necessário repensar as formas de legislar, de administrar e de planejar um município de pequeno porte demográfico; isso não pode ser feito sem ações efetivas nas três escalas de poder. A tarefa não é pequena. É preciso reforçar o investimento em conscientização e capacitação dos prefeitos, em processos participativos e em treinamento e capacitação dos técnicos municipais, para desenvolverem trabalhos que interfiram positivamente no território.

notas

1
CONFEA; MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Diretor Participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Porto Alegre/Brasília, Confea/Ministério das Cidades, 2005, p. 69.

2
ENDLICH, Angela Maria. Pensando os papéis e significados das pequenas cidades do noroeste do Paraná. Tese de doutorado. Presidente Prudente, FCT Unesp, 2006, p. 401.

3
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos n. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jul. 2001.

4
STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro. Patrimônio em risco: o patrimônio arquitetônico na Zona Proibida. Curitiba, Appris, 2021.

5
FERNANDES, Edésio (org.). Vinte anos do Estatuto da Cidade: experiências e reflexões. Belo Horizonte, Gaia Cultural/Cultura e Meio Ambiente, 2021.

6
Idem, ibidem, p. 10.

7
STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro. Planos diretores em Minas Gerais: vinte anos de exigência constitucional. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), n. 10, 2009, p. 46–56.

8
Idem, ibidem, p. 54.

9
ENDLICH, Ângela Maria; MARQUES, Américo José. Réquiem para as pequenas localidades? Reflexões e panorama de municípios demograficamente pequenos. Caminhos de Geografia, v. 22, n. 82, ago. 2021, p. 138–153.

10
Idem, ibidem, p. 9.

11
LOBO, Carlos; FERREIRA, Rodrigo Nunes; NUNES, Marcos Antônio. A sustentabilidade fiscal e a oferta de serviços públicos: uma análise dos municípios brasileiros de pequeno porte. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, n. 14, 2022, p. 5.

12
Idem, ibidem, p. 5.

13
Idem, ibidem, p. 28.

14
ABRUCIO, Fernando; SANO, Hironobu; SYDOW, Cristina. Radiografia do associativismo territorial brasileiro: tendências, desafios e impactos sobre as regiões metropolitanas. In MAGALHÃES, F. (org.). Inter-American Development Bank, 2010.

15
Idem, ibidem, p. 200.

16
ENDLICH, Ângela Maria; MARQUES, Américo José. Op. cit., p. 14.

17
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª edição. São Paulo, Atlas, 2008, p. 27.

18
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Congresso Nacional, 5 out. 1988.

19
CYMBALISTA, Renato; SANTORO, Paula (org.). Planos diretores: processos e aprendizados. São Paulo, Instituto Pólis, 2009.

20
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos n.182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências (op. cit.).

21
VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In O município no século 21: cenários e perspectivas. São Paulo, Fundação Prefeito Faria Lima/Cepam, 1999.

22
ALFONSIN, Betânia. Políticas de regularização fundiária: justificação, impactos e sustentabilidade. In FERNANDES, Edésio (org.). Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte, Del Rey, 2000, p. 195–267.

23
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1979.

24
SCHMACHTENBERG, Ricardo. Código de posturas e regulamentos: vigiar, controlar e punir. X Encontro Estadual de História, Porto Alegre, Anpuh, 2008 <https://bit.ly/4a5iesi>.

25
CARNEIRO, C. M.; STEPHAN, I. Planejamento urbano intermunicipal: um estudo de caso na Bacia Hidrográfica do Rio Piranga, Minas Gerais. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 251.03, Vitruvius, abr. 2021.

26
Idem, ibidem.

27
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. População. Rio de Janeiro, IBGE, 2000.

28
MERGAREJO NETTO, Marcos; DINIZ, Alexandre. A estagnação sócio-econômica da Zona da Mata de Minas Gerais: uma abordagem geohistórica. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina, São Paulo, FFLCH USP, 20 a 26 mar. 2005, p. 9366.

29
ENDLICH, Ângela Maria; MARQUES, Américo José. Op. cit., p. 3.

30
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.

31
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 2022, s.p.).

32
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.

sobre os autores

Ítalo Itamar Caixeiro Stephan é professor titular da Universidade Federal de Viçosa. Arquiteto e urbanista pela UFRJ, mestre em Urban and Rural Planning pela Technical University of Nova Scotia e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professor de Projeto, Patrimônio Histórico e Ética na graduação e de Planejamento Urbano nos cursos de mestrado e doutorado do PPG.au. DAU UV.

Lina Malta Stephan é arquiteta e urbanista pela UFJF, com especialização em Gestão Cultural e mestrado em Ambiente Construído pela UFJF. Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na UFV. Arquiteta e urbanista da Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura de Juiz de Fora e professora da Faculdade Metodista Granbery e do Centro Universitário do Sudeste Mineiro em Juiz de Fora.

Leonardo Civale é professor associado 3 do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa. Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em História pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Filosofia da Ciência pela COPE UFRJ, doutor em História do Pensamento Geográfico pela UFRJ e pós-doutor pelo Laboratório Território e Cidadania da UFRJ.

Ana Clara de Souza Pereira é doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Viçosa (2020) e bolsista Capes. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa (2019). Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Ouro Preto (2015).

comments

282.01 planejamento urbano
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

282

282.00 história da urbanização

Patrimônio fundiário municipal no Brasil

Questões a partir da obra de Murillo Marx

Gustavo Rodrigo Faccin Araujo de Souza

282.02 acessibilidade

Acessibilidade na universidade

Igliane Teles do Bomfim, Celme Torres Ferreira da Costa and Deborah Macêdo dos Santos

282.03 experiência

Encontro poético entre corpo e arquitetura

A experiência da oficina “O que pode o corpo?”

Julia Delmondes Freitas de Santana and Fabiola do Valle Zonno

282.04 intervenção urbana

Leblon de Cajazeiras PB

Uma intervenção urbana

Mirela Davi de Melo and Filipe Valentim Afonso

282.05 contemporaneidade

O filósofo, o cineasta e o arquiteto

Interfaces sincrônicas entre texto e imagem

Maria Isabel Villac

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided