No sertão, os açudes são símbolos de resistência e sobrevivência às secas que assolam essa região. Por esta razão, comumente eles se tornaram relevantes no tecido urbano de muitas cidades sertanejas. Em Cajazeiras, município com cerca de 62 mil habitantes (1), localizado no alto sertão paraibano, encontra-se o Açude Senador Epitácio Pessoa, também conhecido como Açude Grande, amplo recurso hídrico e patrimônio cultural do estado (2) margeado por um espaço público denominado popularmente como praça do Leblon, sendo este o objeto empírico aqui tratado.

Diferentemente do bairro Leblon, no Rio de Janeiro, conhecido pelas praias e alto custo de vida, além da morada de artistas e elite carioca, este Leblon a que nos referimos configura-se como outra realidade. Marcado pela paisagem do açude, o espaço público mencionado adquiriu esse nome por se caracterizar como local de caminhada e atividades físicas diversas, atraindo a população pela proximidade com a água e a consequente amenização das altas temperaturas, especialmente no período noturno.

Entretanto, apesar de seu potencial urbano, social e cultural, enquanto local de encontro e das mais variadas formas de apropriações, do ponto de vista físico este espaço apresenta fragilidades, as quais desestimulam seu uso mais intenso e contínuo pelos moradores em outros horários do dia.

Frente à relevância dessa área e suas problemáticas atuais, em maio de 2022 foi realizada uma ação no local, em forma de mutirão, buscando ressignificar a relação da população da cidade de Cajazeiras com o entorno do Açude Grande, tendo por base a estratégia de urbanismo tático e o conceito de acupuntura urbana — ações rápidas, de baixo custo e reversíveis, entendidas pelo arquiteto e urbanista Jaime Lerner como “uma centelha que inicia uma ação e a subsequente propagação desta ação” (3). A intervenção mencionada foi idealizada no contexto do II URB-Sertão: re(vi)vendo as cidades sertanejas, evento promovido pelo curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Santa Maria — Unifsm, que teve como objetivo discutir temáticas relacionadas às cidades localizadas no sertão.

O presente texto, por sua vez, configura-se como um relato de experiência da intervenção urbana realizada no Leblon de Cajazeiras, Paraíba, objetivando refletir sobre os processos de sua idealização e execução, tendo como ênfase a relação entre teoria e prática, bem como, entre comunidade acadêmica e civil — reunidas através das ações no espaço urbano.

Para tanto, inicialmente será apresentada uma breve caracterização deste objeto de estudo. Em seguida, serão apresentados os modos como os diferentes agentes contribuíram para essa ação ser realizada. Primeiro, no âmbito do ensino de urbanismo, as discussões internas da unidade curricular de Projeto de Urbanismo II e o trabalho colaborativo entre discentes e docentes para escolha do local de intervenção, definição dos conceitos e das frentes de ação. Segundo, no âmbito da prática, o papel da comunidade civil e de coletivos sociais para a materialização do projeto de forma comunitária.

Açude Grande: memória e descaso

Marcado pela irregularidade de chuvas e longos períodos de secas, a região do semiárido brasileiro, em grande parte localizada no Nordeste do país, tem sua história intimamente vinculada à luta pela sobrevivência no cenário de escassez hídrica, dando a este recurso um peso ainda maior na sociedade e na construção do território. Nesse sentido, “se a água é um elemento vital, no Sertão ela se torna o elemento aglutinador ou desagregador das relações sociais, dada a sua relativa escassez e ao histórico uso político dessa realidade” (4).

A história do Açude Grande, assim sendo, se confunde com a própria memória do município de Cajazeiras PB, visto que na fazenda de gado da qual se originou, denominada Sítio Cajazeiras, foram construídos, no ano de 1804, uma casa grande e um açude de pequeno porte para abastecer a comunidade local (5). Após a seca que assolou o Nordeste brasileiro, em 1915, o Governo Federal executou a reforma e ampliação deste reservatório. Desde então, até a década de 1960, o Açude ainda servia à maior parte dos residentes da cidade, os quais coletavam a água ou se valiam de pessoas que ofereciam esse serviço.

Pela sua função na formação do município, sendo um dos pontos estruturantes da malha urbana, a qual se organizou em seus arredores, o Açude faz parte do perímetro de tombamento registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba — Iphaep, através do Decreto Estadual n. 25.140, de 19 de junho de 2004, reiterando seu significado cultural e histórico para a localidade.

Apesar da importância atrelada à memória da cidade, com o crescimento populacional de Cajazeiras, que praticamente duplicou sua população nos últimos cinquenta anos (6), o fluxo de lançamento de esgotos e os pontos de contaminação do Açude Grande se intensificaram, sendo a problemática ambiental uma das mais preocupantes relativa a este bem:

“O fluxo do lançamento de esgotos e de pontos de contaminação do Açude Grande se intensificou sendo, atualmente, amplamente conhecidos, pelo menos, três deles: dois localizados no Bairro dos Remédios e o terceiro no bairro centro que juntos canalizam águas pluviais e também residuárias não só desses mas de outros bairros de Cajazeiras conforme coloca o IBGE (2019), apenas 54,8% dos domicílios do município estão classificados como possuidores de esgotamento adequado isto é, com efluentes sendo tratados, ou destinados a fossas sépticas, o que significa que todo o restante dos seus esgotos (45,2%) possuem destino desconhecido, o que sugere que podem estar contaminando o solo e a água subterrânea e superficial, inclusive o manancial em tela” (7).

Frente ao contexto de degradação ambiental, nos últimos anos viu-se o surgimento de coletivos sociais visando a recuperação do Açude Grande, a destacar o Fórum Açude Grande Vivo (2017). Este grupo reivindica a revitalização das águas deste manancial e a elaboração de um projeto de parque linear no entorno dele — paralelamente, promove atividades culturais na Praça do Leblon, movimentando a área e agindo para a conscientização da população acerca do problema existente.

Com relação às atividades cotidianas presentes no local, observa-se que muitas delas estão associadas ao lazer ativo voltado para atividades físicas, algo motivado pela proximidade do Leblon a duas quadras de esportes. Nestas áreas e em todo entorno do açude, podem ser avistados caminhantes, professores de ginástica funcional com seus alunos e outros tipos de agremiações, tais como: praticantes de zumba, estes com um número significativo de mulheres advindas de zonas periféricas da cidade, skatistas, dançarinos de street dance, e praticantes de futebol de salão feminino e masculino, basquetebol e voleibol.

Quanto aos polos atratores de movimentos nas proximidades do Açude, pode-se destacar a avenida Presidente João Pessoa, via de uso predominantemente comercial, bem como, a presença do Centro de Ensino de Jovens e Adultos Monsenhor Vicente Freitas — Ceja. Somando-se a essas atividades, vale a pena pontuar os eventos que escolhem a paisagem do Açude Grande como pano de fundo. Em 2022, a praça do Leblon sediou o 25º Cajá Rock, festival de rock independente paraibano, bem como, o Festival de Cinema de Cajazeiras PB — Cine Açude Grande.

Localização do Açude Grande e Leblon
Edição dos autores a partir de imagens do Google Earth, 2022

Apesar desta dinâmica, do ponto de vista físico, a praça do Leblon não apresenta uma infraestrutura que possibilite explorar seu potencial. Na atualidade, a pavimentação da área é marcada pela irregularidade, expressa na descontinuidade dos pisos ou pelo mau estado de conservação dos materiais. Os mobiliários presentes no local são precários: bancos desconfortáveis e quebrados, equipamentos de ginástica antigos e enferrujados. Observa-se, portanto, que os usos identificados no local são consequências de uma rotina estabelecida pelos moradores e da necessidade de se viver na cidade, que inclui a prática de atividades ao ar livre, estando em segundo plano a qualidade do ambiente construído, o qual afora seus significados e valores paisagísticos, pouco se mostra convidativo.

Processos do projeto: conceitos

Diante das fragilidades e potenciais percebidos no Leblon, este acabou por ser escolhido como o local da intervenção urbana. Para elaborar o plano piloto que direcionou a ação no espaço foram envolvidos os docentes e os discentes da unidade curricular de Projeto de Urbanismo II, que se encontra no sétimo período do curso de Arquitetura e Urbanismo e visa desenvolver projetos urbanos na escala do bairro. Tais alunos foram escolhidos pois já haviam cursado a disciplina de Projeto de Urbanismo I, a qual desenvolveu, em seu produto, um anteprojeto urbano de espaços livres públicos, como praças e parques. Assim, se caracterizam como discentes mais preparados para pensar em uma área, da dimensão tal qual o entorno do Açude Grande. Além disso, é importante salientar que, fora o papel de estudante, muitos destes graduandos também são moradores da cidade de Cajazeiras, e como tais, usuários do referido espaço público.

Logo, em sala de aula, foi gerada uma dinâmica colaborativa em forma de brainstorming para se determinar o conceito da proposta, as diretrizes projetuais, a identidade visual, bem como as ações que seriam viáveis de serem executadas em um dia de intervenção. Nesse sentido, uma imagem do Leblon foi projetada por meio de datashow na parede, na qual haviam sido fixadas cartolinas para anotações e marcações diversas. Em seguida, realizou-se uma roda de conversa, em que os discentes relataram suas experiências no local, positivas ou negativas, para que fosse possível elencar eixos de atuação mais relevantes.

Discutiu-se a importância social e cultural do Leblon, em que a vida noturna se destaca como um ponto positivo. Em contrapartida, levantou-se o fato de o espaço público carecer de uma maior qualidade estética, que contribua para sua identidade e imageabilidade, e torne-o mais convidativo e instigante ao ser vivenciado. Frente a essas constatações iniciais, pensou-se no uso de cores e marcações com forte apelo à cultura regional e aos significados do açude no sertão, nesse caso, reforçando símbolos caros à história sertaneja. Sol, força e cultura: essas palavras tornaram-se conceitos norteadores da intervenção, a qual seria materializada numa paleta em tons de amarelo, vermelho, laranja e marrom, remetendo ao pôr do sol — momento em que o Açude Grande proporciona suas mais belas perspectivas.

Outros aspectos trazidos pelos discentes foram: a presença de muros e escadarias no entorno da área que se tornavam, sob alguns ângulos, barreiras visuais; apontou-se também a má qualidade da pavimentação, cujo aspecto monocromático e irregular contribui para uma percepção visual negativa e cansativa dessa área. Perante estes dois problemas, foi pensada a criação de um caminho denominado Percurso Sol, conectando pontos importantes desse espaço público, direcionando o usuário e fortalecendo determinados campos visuais.

O caminho proposto seria responsável por interligar a denominada Escadaria Esperança, ao palco presente no Leblon, local de aulas abertas e apresentações musicais, o qual recebeu o nome de Palco Sertão, em que se escreveria, dentre outras frases, a citação “O sertão é dentro da gente”, de Guimarães Rosa, cunhada em Grande Sertão Veredas, que reflete o reconhecimento e valorização da cultura e história sertaneja em cada um que vive nesse contexto. Também se idealizou a pintura dos muros do entorno, destinando trechos das paredes para artistas locais expressarem temas ligados à força nordestina, o Muro Resistência. Ainda reiterando essas ideias, seriam pintadas palavras pelo espaço público, especialmente na Escadaria Esperança.

Registros da concepção do plano piloto
Edição dos autores, 2022

Mãos à obra: relatos do dia de intervenção

Depois de definidas as ações e desenvolvidos os processos do projeto, por meio do plano piloto, a proposta foi levada pelos docentes à Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Cajazeiras, onde foi analisada e aprovada para execução. A partir disso, foi chegado o momento de colocar em prática as decisões. Nesse ponto, salienta-se a importância das parcerias entre entidades privadas e os órgãos públicos para viabilizar ações que beneficiam diretamente a população.

A vivência aconteceu no dia 18 de maio de 2022 e contou com a participação da comunidade civil, englobando moradores da cidade, membros do coletivo social Fórum Açude Grande Vivo e os alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos Monsenhor Vicente Freitas — Ceja, localizado no entorno do Açude Grande, além dos discentes do curso de Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo do Unifsm e docentes da unidade curricular de Projeto de Urbanismo II, autores deste texto e idealizadores do evento II URB-sertão. Aqui é feita uma reflexão sobre a necessidade de contato e colaboração de diferentes grupos sociais que usufruem do espaço com a equipe técnica que idealizou a intervenção; afinal, esse tipo de aliança tende a resultar em propostas mais pertinentes.

A execução da ação se deu em dois dias. No primeiro dia (17 de maio de 2022) às 8 horas da manhã, os docentes foram acompanhados por alguns alunos e ex-alunos do curso mencionado, para fazer as demarcações in loco, tomando como base o plano piloto elaborado coletivamente em sala de aula. Esse momento contou com a participação de poucos alunos, cerca de doze pessoas, que se dividiram em grupos menores para traçar as linhas dos percursos e formas pensadas previamente.

É importante frisar que não foi elaborado um projeto executivo e que a intervenção estava expressa em conceitos, diretrizes e zonas, no plano piloto. Assim, os dimensionamentos e localizações foram executados a partir das percepções locais e adaptados à estrutura do sistema de espaços livres existente. Para as marcações foram utilizadas fitas adesivas, para delimitar as áreas que seriam pintadas no piso, bem como no muro resistência, que se localiza no perímetro do espaço da intervenção.

Após a realização dessa etapa, deu-se início aos primeiros serviços de pinturas. Foi aplicada tinta branca, bem diluída em água, tangenciando as fitas, para fixar as áreas que seriam preenchidas no dia seguinte. Essa foi a solução adotada para garantir que as demarcações resistiriam ao pisoteio, bem como as eventuais mudanças climáticas. Mesmo com indefinições referentes à execução, essa etapa foi concluída sem intercorrências e, coletivamente, foi possível fazer todas as demarcações dentro do período previsto, o turno da manhã. As atividades aconteceram nesse horário, tendo em vista que no turno da tarde o desconforto térmico é maior na região. De modo geral, os trabalhos se desenvolveram sem contratempos, o dia estava ensolarado e facilitou a manutenção das marcações para o dia posterior.

No segundo dia (18 de maio de 2022), momento em que a ação se efetivou com a participação comunitária, as atividades começaram às 8 horas. Inicialmente foram passadas as instruções para todas as pessoas presentes, cerca de oitenta pessoas, onde houve a explicação das motivações, do conceito da intervenção, de onde partiu a iniciativa e o objetivo da vivência. Os participantes opinaram sobre o exposto e se agruparam de acordo com as afinidades pré-existentes e foi feita a partilha das tintas e pincéis, materiais estes e outros disponibilizados pela instituição de ensino superior, acrescidos ainda de doações da própria comunidade que vinha se integrar à atividade. Os grupos se direcionaram às áreas da intervenção, caracterizadas da seguinte forma:

1. Escadaria Esperança: espelhos e pisos pintados com cores diferentes e algumas palavras escritas nos pisos. As cores e as palavras foram definidas em conjunto no momento da intervenção e estão relacionadas com o sertão, a apropriação do espaço público e a diversidade da cidade;

2. Percurso Sol: com formas coloridas, irregulares e ortogonais, que direcionam o percurso até a área do palco e da arte do sol no piso. As formas foram demarcadas no dia anterior e as cores foram escolhidas pelos grupos no dia da intervenção. Os desenhos realizados remetem aos raios solares, às margens do açude;

3. Sol: no dia da intervenção foi proposto por alguns participantes o desenho de uma arte próxima ao palco, concebida por alunos egressos do curso de arquitetura e urbanismo do Unifsm, simbolizando a relação do sertão com o sol, bem como remetendo ao pôr-do-sol no Açude Grande. Nessa parte foram utilizadas cores quentes como o amarelo e o vermelho;

Registros da execução do sol, propostos durante a prática comunitária
Edição dos autores a partir de Haldemy Lima e Diário do Sertão [Cajazeiras em Fatos & Fotos, 2022]

4. Palco sertão: espaço destinado às apresentações e atividades físicas que são desenvolvidas no local, disposto em três patamares circulares sobrepostos. Foram pintadas suas faces laterais, com cores diferentes, além de duas frases sobre o sertão e o açude, elaboradas no momento da intervenção pelos participantes.

Resultado da ação no palco sertão
Edição dos autores a partir de Diário do Sertão, 2022

5. Muro resistência: espaço que se encontrava na cor cinza e foi destinado a pintura de painéis temáticos referentes às problemáticas das cidades sertanejas contemporâneas, como a apropriação da cidade pela mulher nordestina (“O lugar da mulher é onde ela quiser”), as dificuldades encontradas nas cidades mediante às deficiências do planejamento urbano (“as cidades do sertão são feitas com amor e mãos”) e o preconceito sofrido pelos nordestinos diante das demais regiões do país (“o Nordeste é maior do que qualquer preconceito”). Os painéis foram pintados individualmente e alguns ficaram disponíveis para que artistas da cidade pudessem se expressar posteriormente.

Registros da execução e dos resultados no Muro Resistência
Edição dos autores, 2022

A dinâmica do segundo dia aconteceu dentro do esperado, os participantes mostraram-se empolgados e dispostos a cumprir com as demandas. As atividades foram orientadas e acompanhadas pelos docentes. Apesar do calor e da exposição ao sol, as pessoas não desanimaram e permaneceram motivadas para concluir a ação, evidenciando o vínculo com o lugar por parte das mesmas, que, mesmo diante das eventuais adversidades, não hesitaram em continuar os trabalhos.

A intervenção teve quatro horas de duração, sendo finalizada às 12 horas, quando a maioria dos participantes se dispersou. Ao longo da ação algumas pessoas que passaram pelo local buscaram entender o que estava acontecendo e se mostraram animadas com as pinturas e movimentação produzidas. Como a divulgação aconteceu por meio das redes sociais e do contato direto com os coletivos culturais locais, não foi possível alcançar toda a população, o que justifica a surpresa de muitos ao se deparar com a intervenção.

Pode-se dizer que, para além da intervenção física, o momento da ação proporcionou novas percepções e a criação de vínculos, ou resgate deles, com o lugar. O Leblon ficou cheio de vida, ocupado pelas pessoas, que apesar das instruções e trabalhos realizados, fizeram uso do espaço conforme suas necessidades, vínculos sociais e habilidades.

Finalizada a ação, o espaço estava disposto aos antigos e novos olhares. Se constatou, a princípio, um encantamento das pessoas que contribuíram com a intervenção, reconhecendo no lugar o resultado de seu trabalho. Nesse sentido, é possível refletir sobre o fortalecimento das identidades sociais com o espaço físico. Isso pôde ser percebido, uma vez que a direção do Ceja esteve presente registrando as atividades que envolviam seus alunos; tal fato evidencia a relevância social da ação e a manifestação do sentimento de pertencimento e reconhecimento daquele espaço, como lugar de encontro e de consolidação de identidades coletivas e individuais. Destaca-se, aqui, as expressões dos discentes do Ceja, pois o espaço apresenta uma relação direta com a escola.

Em um segundo momento, o Leblon foi ocupado por pessoas que não participaram da ação, mas que estavam ali movidas pela curiosidade, tanto em relação a descobrir o que mudou, quanto a sentir o lugar a partir dessa nova perspectiva. Assim, ações simples como essa, com poucos recursos e interferências físicas, podem contribuir para a revalorização urbana — nesse contexto, a participação comunitária é fundamental.

Considerações finais

Por meio da experiência apresentada constatou-se que o trabalho colaborativo envolvendo a comunidade acadêmica, comunidade civil, lideranças sociais, iniciativa pública e privada é capaz de modificar realidades em prol das demandas sociais, fazendo dos usuários vetores ativos desse processo.

Do ponto de vista acadêmico, a ação possibilitou, aos alunos da unidade curricular Projeto de Urbanismo II, acompanhar as diversas etapas projetuais, desde os estudos preliminares até a execução, aproximando-os da prática do urbanismo e fazendo-os perceber as limitações que emergem com a materialização das decisões projetuais.

Além disso, o momento foi importante para provocar a reflexão de como o projeto de urbanismo interfere diretamente no cotidiano dos habitantes da cidade e que, por meio dele, os espaços urbanos podem ter suas vocações potencializadas, ou não. A pertinência da proposta dependerá de como a população será envolvida nas fases projetuais e da sensibilidade dos profissionais em detectar as demandas e valorizá-las a favor do bem comum.

Em se tratando da experiência com a comunidade, se enxerga, na ação, a oportunidade de restabelecer o vínculo da população com o espaço público. O Leblon constitui-se como um importante ponto de encontro, bastante apropriado, seja para contemplação, seja para a prática de atividades recreativas, na cidade de Cajazeiras. No entanto, é necessário provocar nas pessoas o sentimento de pertencimento ao lugar, para que elas se identifiquem e valorizem o meio em que estão inseridas.

Nesse sentido, é possível dizer que a ação aqui relatada despertou tais sentimentos na população e promoveu uma reapropriação, no dia da intervenção, que reverberou pelos dias seguintes, atraindo novos usuários e acolhendo mais ainda os que já utilizavam o local, uma fagulha com chances de acender futuras ações ainda mais duradouras neste lugar (ser)tão rico, (ser)tão vivo.

notas

1
População estimada, 2021. IBGE, Rio de Janeiro, 2021 <https://bit.ly/47PWzSQ>.

2
GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA. Decreto Estadual n. 25.140, de 19 de junho de 2004. João Pessoa, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, 2004.

3
LERNER, Jaime. Acupuntura urbana. 5ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2011.

4
CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semiárido. Fortaleza, BNB, 2007, p. 48.

5
Dados do Município: Origem. Prefeitura Municipal de Cajazeiras, Cajazeiras, 2002 <https://bit.ly/47QP3r0>.

6
População estimada, 2010. IBGE, Rio de Janeiro, 2011 <https://bit.ly/47PWzSQ>.

7
SOUZA JÚNIOR, Teobaldo Gabriel de; MEIRELES, Ana Célia Maia; OLIVEIRA, Carlos Wagner; SANTOS, Yannice Tatiane da Costa; ROQUE, Rafaella de Lima. Açude Grande de Cajazeiras (PB): Um insustentável exemplo de descuido com a água no semiárido brasileiro. Revbea (Revista Brasileira de Educação Ambiental), v. 15, n. 3, São Paulo, 2020, p. 9.

sobre os autores

Filipe Valentim Afonso é arquiteto e urbanista e mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU UFPB (2019) com a dissertação Mário di Lascio: projeto, tempo e lugar. Atualmente é doutorando no programa de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano do MDU UFPE e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Santa Maria.

Mirela Davi de Melo é arquiteta e urbanista e mestra em Desenvolvimento Urbano pelo MDU (UFPE/2019) com a dissertação O projeto paisagístico e o bem-estar na apropriação de praças em João Pessoa — PB. Atualmente é doutoranda no programa de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU UFPE) e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Santa Maria.