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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo visa a melhor compreensão dos critérios de intervenção que o arquiteto Jorge Derenji adotou para estabelecer uma linguagem compatível com as características visuais dos edifícios do passado.

english
This article aims to understand better the intervention criteria that the architect Jorge Derenji has adopted to establish a compatible visual language between the old and de new buildings.

español
Este artículo tiene como objetivo comprender mejor los criterios de intervención que el arquitecto Jorge Derenji adoptó para establecer un lenguaje compatible con las características visuales de los edificios del pasado.


how to quote

SILVA, Anne Carolina dos Santos; SANJAD, Thais Alessandra Bastos Caminha; DERENJI, Jussara da Silveira. O “construir no construído” a partir da atuação de um dos primeiros arquitetos restauradores da Amazônia. O arquiteto e professor Jorge Derenji. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 286.00, Vitruvius, mar. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.286/8971>.

Inserção de Jorge Derenji na rua Tomásia Perdigão, no centro histórico de Belém, sendo a. detalhe da fachada; b. desenho da fachada do edifício projeto de Derenji; c. desenho da fachada da edificação vizinha
Elaboração das autoras

Há bastante tempo, o continente europeu tem contribuído notoriamente em pesquisas e na atuação quanto a intervenção do patrimônio edificado, além de possuir ampla influência em países como o Brasil. Os pesquisadores, profissionais e arquitetos do restauro, assim com as cartas patrimoniais por eles elaboradas, construíram ao longo dos séculos recomendações internacionais em como se intervir em monumentos antigos, sem prejudicá-los.

No Brasil, a partir das ações governamentais em prol do patrimônio, até então histórico e artístico, como a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Iphan, em 1937, e a sua presença em vários estados da federação, houve uma das primeiras contribuições para a salvaguarda do patrimônio brasileiro, principalmente, no que diz respeito ao arquitetônico por meio de tombamento e intensas pesquisas sobre as tradições construtivas nacionais (1).

O Norte do país, entretanto, somente conquistou uma representatividade mais intensa quando Jorge Derenji criou a regional do Iphan no Norte e se tornou o primeiro diretor e responsável pelos estados do Pará, Amazonas e então territórios do Acre, Rondônia, Amapá e Roraima (2), em 1979. Arquiteto, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo curso de arquitetura na época tendia para a vanguarda modernista e tinha a influência de profissionais como Frank Lloyd Wright e Mies Van Der Rohe (3), em 1986, cursou a especialização em Patrimônio Arquitetônico pelo Centro Internacional de Estudos para conservação e Restauro de Bens Culturais — Iccrom, na Itália, e desta maneira sua formação em patrimônio alcançou níveis mais avançados.

O Iccrom foi criado em 1956, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura — Unesco e se trata de uma instituição intergovernamental criada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) como resposta à grande destruição e à necessidade de recuperar o patrimônio cultural dos países (4), e tem por finalidade executar programas de pesquisa, investigação, prestar assistência técnica, garantir formação e sensibilização dos indivíduos em prol da salvaguarda do patrimônio material mundial (5).

O Iccrom possuía, a sua época de criação, grande influência do restauro crítico e foi neste contexto que Jorge Derenji absorveu os conhecimentos italianos e atuou em restauros e inserções na cidade de Belém, a capital do Pará, no Norte do país.

Cesare Brandi, crítico de arte e o grande representante do restauro crítico, acreditava que o papel do restaurador se limitaria a restabelecer a unidade potencial da obra de arte, não ocorrer em falsos históricos e falsos artísticos, sem eliminar as provas da passagem do tempo e garantir a transmissão destas obras para as futuras gerações (6). Desta forma, o restauro crítico é um resultado de estudo aprofundado das características artísticas e históricas do monumento e a ponderação da importância destas para o que deve ser restaurado.

Ainda que não estivesse explicitado, os trabalhos de Restauro ocorridos em Belém ao final do século 20 e início do 21 seguiram as concepções teóricas de Brandi e as intervenções na Igreja de São João Batista (1996) e de alguns exemplos arquitetônicos presentes no Complexo Feliz Lusitânia como o da Igreja de Santo Alexandre e do antigo Arcebispado (1997 e 1998), do Forte do Presépio e da Casa das Onze Janelas (2001 e 2002) são algumas das obras em cuja esta teoria foi aplicada (7).

Jorge Derenji atuou no patrimônio arquitetônico em Belém, em obras restaurativas e de inserção, baseadas no restauro crítico, com conceitos incorporados na Carta de Veneza de 1964 (8) como o restauro do Palácio Antônio Lemos (1772), em 1992 e 1994; do Palacete Francisco Bolonha (1905), em 2003; do Palacete Bibi Costa (1900s), em 2001; o restauro do antigo Instituto Lauro Sodré (1899), em 2006; e a construção do anexo do Palacete Augusto Montenegro (1900s), em 2005, hoje museu da Universidade Federal do Pará. Estes edifícios possuem proteção por meio de tombamento em escala federal, estadual ou municipal, e por essa razão, os projetos de intervenção foram aprovados pelos respectivos órgãos de proteção.

Em algumas destas intervenções restaurativas, o arquiteto, além de intervir nas edificações antigas, reconhecidas como constituintes do patrimônio cultural local, projetou obras novas devido a necessidade da construção de edifícios, anexos ou não, implantados próximos às edificações históricas.

É notória a qualidade arquitetônica das construções novas que possuem, por si próprias, valores de uso, novidade, artístico e histórico (9), esse último pode existir, por exemplo, naquelas edificações de tendências modernistas construídas na década de 1970.

Algumas estratégias de inserção de edifícios novos no entorno de bens patrimoniais como a opção volumétrica da caixa fechada, o jogo de planos verticais ou a implantação de passarelas e jardins verticais (10) foram umas das utilizadas por Jorge Derenji em obras em Belém. Estas opções foram comprovadamente boas estratégias de inserção do novo no antigo, por meio de premiações nacionais e internacionais nas décadas de 1990 e 2000 (11), período em Derenji também atuou no campo do patrimônio.

O que justifica esta pesquisa é a compreensão de como ocorreu a atuação de Jorge Derenji no campo do patrimônio edificado, como o primeiro diretor do Iphan do Norte do país, um dos professores fundadores do primeiro curso de Arquitetura da região e o idealizador e coordenador, juntamente com Jussara Derenji, do primeiro curso de especialização em restauro da UFPA, por meio das inserções arquitetônicas que assumem sua condição temporal de forma criteriosa.

O objetivo deste artigo é abordar as obras de inserção arquitetônica nas proximidades de edifícios históricos realizados por Jorge Derenji e analisar os conceitos adotados na construção dos edifícios mais recentes e como estes se integram e estão relacionados com os antigos ao seu redor.

A pesquisa é baseada no método lógico, e do tipo descritiva (12), a partir de aspectos de inserção de edifícios novos no entorno de obras históricas por meio de análise de Escala, Volumetria, Ritmo, Cores e Texturas dos materiais de acabamento, com base em Andrade Junior (13).

Aspectos adotados por Jorge Derenji para inter-relação entre os edifícios históricos e os recentes por ele projetados

Pode-se compreender a arquitetura como um produto construído, resultado da manipulação de sólidos geométricos, a partir do arranjo de cheios e vazios, saliências e reentrâncias, em meio a um jogo de luz e sombra, com tratamento estético que alcança determinada finalidade e se insere no ambiente urbano (14). Assim como qualquer outro projeto arquitetônico, as inserções de obras novas em contextos históricos seguem um determinado processo de criação projetual até a culminância de sua materialização na cidade.

E, deste modo, Jorge Derenji optou por algumas características específicas em suas obras nas proximidades de edifícios antigos, partindo da premissa que seria preciso assumir o contexto temporal das construções, realizadas entre a década de 1970 e a de 2000, por tanto, edifícios modernos e contemporâneos, e ainda estabelecer um equilíbrio visual com as edificações antigas do entorno.

Entre os estilos arquitetônicos do patrimônio histórico de Belém, em cujo entorno o arquiteto produziu suas obras novas, estão o ecletismo e o neocolonial, todos protegidos pela ferramenta do tombamento nas três escalas de governo: federal, estadual ou municipal, individualmente ou em conjunto.

E, sendo assim, toda e qualquer intervenção na área de abrangência destes edifícios deve estar enquadrada em certos critérios projetuais para que não haja a desconsideração do valor patrimonial da construção antiga, como exemplo, por meio da obstrução ou redução da visibilidade do edifício (15). Sendo necessária atenção para o entorno do bem cultural conforme recomendam as Cartas Patrimoniais de Atenas (16), Veneza (17), Burra (18), e outras.

Dentre as transformações em edifícios históricos há graus de intervenção que podem ser: 1. radical, em que os novos elementos criam um contraste intencional com a obra preexistente, por meio dos materiais com textura e cores muito distintas do antigo, por exemplo; 2. equilibrado, quando há uma harmonização dos acréscimos ou modificações da obra antiga, pela repetição de tipos, tratamento cromático em equilíbrio com a obra preexistente, contudo sem provocar uma falsa ideia de artístico ou histórico; 3. sutil, quando o novo dificilmente é diferenciado do antigo, seguindo completamente as características da preexistência (19).

A mesma lógica pode ser interpretada quando há projetos de edificações recentes na ambiência das antigas. Em que os objetos arquitetônicos novos podem estar inseridos em um contexto de inclusão, interseção e exclusão. Ou seja, o novo pode estar, literalmente, dentro do antigo (inclusão); quando construções distintas, pode haver um diálogo entre ambas (interseção); ou o novo edifício pode se encontrar com características totalmente diferentes das do antigo (exclusão) (20).

Ainda que existam as recomendações das cartas patrimoniais internacionais para que haja sempre o respeito nas decisões projetuais nas inserções nas obras do passado, muitas vezes influenciadas pelas teorias do restauro europeu, é possível notar a conduta de alguns arquitetos que fazem das obras históricas apenas um suporte para suas criações, impostas radicalmente à preexistência (21).

A postura projetual de Jorge Derenji, diferentemente, está relacionada com a hierarquia: o núcleo imediato (22), ou a primeira referência, dos contextos em que o arquiteto atuou, será sempre o da edificação mais antiga. De acordo com as bases do restauro crítico para evitar falso histórico ou artístico e assumir os tempos construtivos das obras, Derenji definiu projetos em que os edifícios novos não prevalecessem sobre os antigos. Desta maneira, cada intervenção possui suas próprias condições projetuais, no entanto é possível identificar aspectos recorrentes que o arquiteto utilizou ao intervir na preexistência, descritos a seguir.

Volumetria

A volumetria é relativa às características métricas, geométricas e de composição das edificações, demonstrada por meio de poliedros. E influenciam na área visual a partir do tamanho, proporção, complexidade morfológica e participação visual (23).

A volumetria, quando em inserções em edifícios preexistentes, pode ser abordada tanto em consonância quanto em dissonância em relação à construção antiga. Se o novo volume apresenta volumetria semelhante ao antigo e estabelece com ele uma certa harmonia visual se diz que essa inserção é consonante (24). De outro modo, é possível notar inserções de edifícios novos de volumetria dissonante que se impõem radicalmente aos volumes do entorno.

A atual sede do Iphan no Pará é uma antiga residência eclética localizada na avenida José Malcher n. 1131. Propriedade da empresa Remaza, o edifício passou por uma intervenção restaurativa e a construção de anexo realizado por Jorge Derenji, pela DPJ arquitetos associados, no provável ano de 2007.

Conjunto arquitetônico da atual sede do Iphan PA, sendo: a. implantação; b. fachada do anexo; c. fachada principal da antiga residência; d. vista lateral da edificação e conexão com o anexo
Elaboração das autoras a partir do acervo DPJ Arquitetos Associados

O edifício anexo construído nos fundos do terreno respeita a volumetria da lateral da casa eclética e estabelece com ela uma harmonia causada pela compatibilidade das alturas de ambos. A união dos volumes se dá pelas passarelas de interligação.

Há a presença de passarelas de integração em mesmo estilo do edifício anexo nos dois pavimentos superiores e um jardim interno entre ambos, no pavimento térreo. Nota-se que o volume mais recente evidencia seu tempo de construção por meio de uma forma mais simplificada e branca, típica desta fase da obra de Derenji, e a composição de vidros verdes espelhados da mesma cor dos vidros das esquadrias da casa antiga. Ainda que o novo edifício não repita a mesma dimensão, o volume se apresenta consonante ao da edificação histórica.

Escala e implantação

A escala visual é referente a quanto um objeto é grande ou pequeno em relação a seu tamanho normal, ao tamanho dos outros elementos do seu contexto (25) ou em relação ao homem (26). A escala define e afeta a experiência de uma pessoa no que concerne a um lugar, de maneira radical (27).

Na inserção arquitetônica, a escala diz respeito às dimensões do novo objeto arquitetônico e pode estar consonante à obra antiga quando apresenta tamanho aproximado das do entorno (28) ou inferior, quando se apresentar implantada aos fundos do terreno, por exemplo.

A implantação é relativa à localização do novo edifício em razão do espaço urbano e da preexistência que possui alguma relação visual com ele (29) e quando associado à escala do novo volume pode ocorrer, ainda mais, a valorização do edifício antigo, se tornando subjugado à ele visualmente.

A distância considerável entre as obras é uma das características adotadas por Derenji ainda que haja casos em que o terreno das edificações antigas não permita um afastamento maior.

Um exemplo é a sede da Escola de Governança do Estado do Pará — EGPA, e a antiga residência José Leite Chermont cujo principal fator de equilíbrio entre as obras é a implantação do novo volume no terreno. Em 1971, o terreno da antiga Residência José Leite Chermont, de arquitetura neocolonial, recebeu também a sede do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará — Idesp. O edifício, de autoria de Jorge Derenji, em 2003 passou a abrigar a EGPA, de uso atual.

O estilo moderno do edifício da EGPA assume seu tempo construtivo e o diferencia totalmente da edificação anterior. Ainda que possua um número considerável de pavimentos, o edifício moderno estabelece um equilíbrio e harmonia com o neocolonial provocado pelo o afastamento entre ambos. A distância relativa entre os dois prédios garante a hierarquia entre as construções.

A implantação do novo objeto arquitetônico permite que a edificação neocolonial seja a primeira referência deste complexo de edifícios, ainda que parte da construção mais recente ainda seja percebida a partir da via. Contudo, a vegetação ao lado da antiga casa facilita o encobrimento visual do anexo, parcialmente.

Conjunto arquitetônico da atual sede da Casa da ONU no Pará, e da EGPA, sendo: a. sede da EGPA; b. seda da Casa da ONU; c. esquema de implantação; d. vista de parte do edifício neocolonial, aos fundos, o edifício projetado por Derenji
Elaboração das autoras a partir do acervo DPJ Arquitetos Associados

Na inserção de Jorge Derenji, que resultou na construção do edifício em 1971, há uma passarela, também em estilo moderno acompanhada de um jardim vertical e um volume edificado térreo mais próximo da antiga residência, não possui interligação física com a antiga casa.

Ritmo

Na arquitetura, ritmo é a regra que estabelece uma repetição de elementos ou conjunto de elementos, ao longo de um plano, espaço ou direção determinados, no tempo. E deste modo, presume a existência do tempo para sua realização e utiliza a repetição por meio de alternância de motivos. É o conjunto de regras, uma métrica, um código que disciplina (30). Vigas e colunas como saliências, janelas e portas como vazios repetitivos (31) são exemplos de ritmo nas fachadas.

As intervenções na preexistência podem repetir o ritmo das obras do entorno, trabalhar de maneira totalmente diferente ou ainda de forma intermediária, por meio de uma interpretação abstrata da lógica compositiva da fachada antiga (32), interpretando a modulação dos edifícios do entorno (33).

São possíveis as intervenções mediante leituras analógicas nos projetos de edificações novas ao propor uma interpretação crítica das referências histórico-culturais, de modo que haja a incorporação de elementos significativos do contexto, resolvendo a relação com as tradições do lugar, sem imitar a realidade (34).

Jorge Derenji interviu no patrimônio histórico não só com obras de construção de edifícios anexos, nas proximidades ou restaurações, o arquiteto realizou obras de reforma em que as edificações antigas, inteira ou parcialmente, foram substituídas em suas características por uma linguagem arquitetônica correspondente ao tempo de intervenção.

Um exemplo é a Casa Central da Missão do Preciosíssimo Sangue, projetada por ele e edificada na década de 1990. Uma residência para os e padres da congregação do Sagrado coração de Jesus, construída com base em um sobrado colonial ecletizado que foi totalmente modificado e transformado em uma residência com traços típicos da década. Abaixo, se nota a fotografia da edificação, em marrom e branco, e o desenho esquemático da fachada desta e da casa história ao lado. Percebe-se que o arquiteto permanece com o ritmo original na antiga casa, e assim, a relação com o ritmo do entorno ficou preservada.

Cores e texturas dos materiais e acabamento

As fachadas voltadas para as áreas livres públicas (como as vias), são compostas por uma série de características importantes para o aspecto visual da área inserida e entre eles: larguras e alturas, proporções, zoneamento, relações entre vedações e aberturas, materiais, cores, texturas e elementos decorativos (35). Os diferentes materiais, texturas, cores e também os resultados da iluminação podem provocar contrastes entre claro/escuro, além de outros fatores (36).

E neste aspecto específico a questão das características que dialogam com o antigo está mais relacionada aos materiais de acabamento, texturas e cores associadas à composição das fachadas. A cor, em arquitetura, é um elemento de identidade, ou seja, é utilizada para identificar, codificar, descrever e destacar lugares. Assim como a cor, as texturas também identificam o local e estão relacionadas com a faculdade visual e tátil (37) e assim, aplicadas às fachadas de um edifício, compõem uma relação visual com as obras do entorno.

A pesquisa das construções de Jorge Derenji na área de entorno histórico aponta para dois tipos de tratamento de fachadas separadas em simplificação visual e utilização de materiais e elementos na composição de fachadas, comentados a seguir.

Simplificação visual

O estabelecimento de hierarquia entre obras históricas e edifícios mais recentes é um dos nortes das intervenções do arquiteto e os elementos visuais tais como desenho de fachadas e suas cores deveriam corresponder à discrição da intervenção. A utilização de cores neutras como o branco, materiais de revestimento como o concreto aparente, a madeira em esquadrias juntamente com o vidro, e as pedras são algumas das características das obras de Derenji e se tornaram ainda mais favoráveis quando nas proximidades de obras históricas.

O edifício moderno sede da EGPA apresenta basicamente dois prismas de base reta em sua composição, sendo o maior deles o volume correspondente ao edifício em si e o segundo à cobertura da passarela de acesso. À época de sua construção e durante os anos posteriores a edificação apresentava cores claras e neutras.

A residência José Leite Chermont, muito provavelmente apresentava coloração cinza, na época da construção do edifício mais recente. As intensas cores que a antiga residência possui atualmente, como o laranja e o amarelo, são resultado do estudo de prospecções pictóricas ocorridas no restauro de 1997.

No entanto, durante a última intervenção na sede do EGPA ocorrida no segundo semestre de 2018, a fachada ganhou tons de cinza escuro e verde turquesa tornando o contraste visual bastante perceptível entre as duas obras. Houve a ruptura da hierarquia, uma vez que o tom verde vibrante não permite que o edifício localizado nos fundos do terreno seja pouco perceptível. Se nota o contraste cromático das novas cores em relação à edificação histórica.

Já, a Casa Central da Missão do Preciosíssimo Sangue respeita a existência de revestimentos cerâmicos na forma de azulejos decorados nas casas do entorno por possuir revestimento em pastilha cerâmica em tons de marrom correspondentes ao tempo de intervenção de Derenji.

As molduras dos vãos de janelas e portas são simples e na cor branca; as grades de proteção no primeiro pavimento são modestas com desenhos de círculos e arabescos; esquadrias de desenho trabalhado e discreto, em madeira sem revestimento pictórico e vidro liso; a platibanda possui uma decoração igualmente simples com um retângulo pintado na cor branca assim como as molduras existentes.

No caso do Mufpa, o arquiteto projeta um anexo nos fundos do terreno localizado próximo à fachada posterior do palacete Augusto Montenegro. A porção volumétrica de dois pavimentos possui uma fachada com uma secção de cilindro para comportar a escada interna e a existência de laje técnica que também possui função de quebra-sol.

Parte do conjunto arquitetônico do Mufpa, sendo: a. volume de dois pavimentos (2005); b. do Palacete Augusto Montenegro (anos 1900); c. esquema de implantação; d. Vista de ambos os edifícios a partir da fachada principal do palacete
Elaboração das autoras

Diferentemente, o anexo do museu não repete a solução da caixa fechada, desta vez Derenji incorpora volumes novos que o diferenciam do antigo palacete, contudo, a discrição do edifício mais recente é garantida pela simplificação dos revestimentos, uma vez que só há a aplicação de pintura e a faixa de vidro das janelas.

Utilização de materiais e elementos na composição de fachadas

Diferentemente do tópico anterior que se limitou a simplificação visual, este está mais relacionado com os efeitos visuais provocados por componentes de fachada que facilitam e aproximam as novas construções das antigas.

Uma das características das obras de inserção de Jorge Derenji nas proximidades de edifícios históricos é essa utilização de recursos estéticos harmônicos e contemporâneos que permitem uma relação visual coerente com as fachadas dos edifícios antigos.

A sede da Administração Hidroviária Amazônia Oriental — Ahimor, uma obra moderna projetada pelo arquiteto e edificada em 1974, localizada ao lado do palacete Bibi Costa (uma edificação eclética construída no início do século 20), apresenta a utilização de materiais de revestimento aparentes, o amplo emprego do concreto armado e as esquadrias trabalhadas em madeira e vidro de desenho único. Entre estes elementos de composição de fachada um em especial apresenta uma forte relação estética com o palacete eclético: os tijolos aparentes na composição das fachadas.

Conjunto arquitetônico da antiga sede da AHIMOR (1974), sendo: (a) desenho da fachada principal do edifício projetado por Derenji; b) fachada principal do Palacete Bibi Costa; c) esquema de implantação; d) Vista da lateral esquerda do palacete e fachada p
Adaptação das autoras a partir de Amanda Pinto, 2011

A existência de tijolos na fachada da sede da Ahimor suaviza a mudança entre estilos arquitetônicos tão diferentes e isto ocorre pela existência de um tratamento estético em molduras de esquadrias e na marcação de elementos verticais e horizontais do palacete Bibi Costa.

O revestimento externo em tijolos aparentes na sede do Ahimor facilita a inserção visual do novo volume em consonância com o antigo, uma vez que as cores existentes do Palacete Bibi Costa são em tons terrosos como o marrom, o amarelo e o laranja.

Os aspectos arquitetônicos projetuais nesta obra geraram uma relação respeitosa entre o prédio mais recente e o histórico. Contudo, uma recente intervenção descaracterizou a sede da Ahimor, o que interfere na relação visual entre ambos, o edifício de 1974 já não apresenta a mesma qualidade projetual se comparado ao seu projeto original.

Conclusões

A criação de um lugar é o pressuposto da arquitetura. Concretizar uma forma arquitetônica onde já existe uma organização, produto da atividade humana, é um obstáculo (38). Contudo, o novo edifício pode conviver de maneira harmônica com o antigo.

As obras de inserção de Jorge Derenji no patrimônio histórico da cidade, retratam a atenção do arquiteto para com as obras antigas. Sua arquitetura assume totalmente o contexto temporal a que está condicionada e não permite que haja uma possível interpretação de falso histórico ou artístico.

Os moldes do restauro crítico lhe basearam as escolhas de materiais, cores e formas e o gênio criativo impôs às obras de intervenção sua própria linguagem arquitetônica, com as características típicas de seus períodos de atuação, sem desfavorecer o entorno histórico a que estavam e estão submetidas.

Características como o emprego de concreto armado, materiais de revestimentos aparentes como tijolos cerâmicos, esquadrias em madeira e vidro de desenhos únicos, volumes simples como os prismas de base reta, os quebra-sóis, o emprego do vidro em fachadas, e que dizem respeito à sua arquitetura desde a década de 1960 até a de 2010, também se fazem presentes.

Ainda que já existisse no terreno ou entorno, a vegetação contribui para suavizar os novos volumes arquitetônicos, em algumas das obras de inserção na preexistência, favorecendo uma maior contemplação do patrimônio histórico.

Desta maneira, o arquiteto oferece exemplos de como intervir em obras já estabelecidas pelo tempo e consagradas como patrimônio histórico entre tentativas e acertos na medida que identifica certos valores que não poderiam ser ignorados. Valores relativos aos estilos arquitetônicos, aos ritmos, cores, volumes, materiais que se repetem nas construções mais recentes dentro dos contextos históricos encontrados.

As intervenções arquitetônicas na preexistência traduzem um processo evolutivo que garantem uma nova visão da arquitetura como ofício, se por uma lado resgatam o contato com a história, por outro não renunciam o seu tempo construtivo (39). Jorge Derenji, deste modo, ilustra como uma intervenção pode ser cautelosa e garantir os resultados esperados tanto pelos usuários quanto para valorização do patrimônio histórico da característica de seu tempo de atuação.

notas

NA — As autoras agradecem à Capes pela bolsa de estudos concedida ao primeiro autor, ao CNPQ pela produtividade em pesquisa concedida ao segundo autor. Às instituições e pessoas que favoreceram o desenvolvimento da pesquisa, tal como a DPJ Arquitetos Associados, em especial à José Freire, ao engenheiro João Figueiredo, ao Museu da UFPA e à Prefeitura do Campus da UFPA, ao Iphan PA e à Amanda Pinto que gentilmente cederam seus arquivos para a produção de desenhos e figuras.

1
GONÇALVES, Cristina S. Restauração arquitetônica: a experiência do Sphan em São Paulo, 1937-1975. 1ª edição. São Paulo, Annablume, 2007, p. 213.

2
MORAES, Adrieny M.; SANJAD, Thais A. B. C.; NORAT, Roseane DA C.C. A trajetória da prática preservacionista na salvaguarda do patrimônio cultural edificado em Belém PA. Anais do 1º Simpósio Científico Icomos Brasil, Belo Horizonte, 2017.

3
LUCCAS, Luís H. H. O Sul por testemunha: declínio da hegemonia corbusiano-carioca e ascensão da dissidência paulista na arquitetura brasileira dos anos 50. Revista Pós, v. 17, n. 27, São Paulo, 2010.

4
History. Iccrom <https://bit.ly/3Tfe3Uq>.

5
CENTRO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL. Orientações técnicas para aplicação da convenção do patrimônio mundial. Centro do Patrimônio Mundial, n. 11/01, Lisboa, ago. 2011, p. 136.

6
BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. 4ª edição. Cotia, Ateliê Editorial. 2013, p. 261.

7
MORARES, Adrieny. A prática restaurativa no patrimônio cultural edificado de Belém PA. Dissertação de mestrado. Belém, PPGAU UFPA, 2018.

8
Idem, ibidem.

9
RIEGL, Alöis [1903]. O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia, Editora UCG, 2006, p. 120.

10
NAHAS, Patricia Viceconti. O novo e o velho. A experiência do escritório Brasil Arquitetura nos programas de intervenção em edifícios e sítios históricos. Revista de Arquitectura, v. 12, Bogotá, 2010, p. 58-67.

11
Idem, ibidem.

12
VOLPATO, Gilson. O método lógico para redação científica. Reciis: Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, n. 9 (1), jan./mar. 2015.

13
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Metamorfose arquitetônica: Intervenções projetuais contemporâneas sobre o patrimônio edificado. Dissertação de mestrado. Salvador, PPGAU UFBA, 2006, p. 351.

14
SOUZA, Edson Eloy. Arquitetura e geometria. Arq.urb. Revista eletrônica de Arquitetura e Urbanismo, n. 1, São Judas Tadeu, jan./dez. 2008, p. 105-118 <https://bit.ly/3PlP7Iz>.

15
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Brasília, Senado Federal, 30 nov. 1937.

16
EIMSN. Carta de Atenas, de outubro de 1931. Iphan <https://bit.ly/48BtKJM>.

17
ICOMOS. Carta de Veneza, de maio de 1964. Iphan <https://bit.ly/48BtKJM>.

18
ICOMOS. Carta de Burra, de 1980. Iphan <https://bit.ly/48BtKJM>.

19
CASTELNOU NETO. Antonio M. N. A intervenção arquitetônica em obras existentes. Seminário de Ciências Exatas e Tecnológicas. v. 13, n. 4, Londrina, dez. 1992, p. 265-268.

20
GRACIA, Francisco de. Construir en lo construído: la arquitectura como modificación. Guipuzcoa, Nerea, 1992, p 324.

21
OKSMAN, Silvio. Contradições na preservação da arquitetura moderna. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2017.

22
BELTRAMIN. Renata M. G. Caracterização e sistematização de quatro modelos de análise gráfica: Clark, Pause, Ching, Baker e Unwin. Dissertação de mestrado. Campinas, Fecfau Unicamp, 2015, p. 148.

23
KOHLSDORF, Maria Elaine; KOHLSDORF, Gunter. Dimensões morfológicas dos lugares <https://bit.ly/42TJC9c>.

24
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Metamorfose arquitetônica: Intervenções projetuais contemporâneas sobre o patrimônio edificado. Dissertação de mestrado. Salvador, PPGAU UFBA, 2006, p. 351.

25
CHING, Francis D. K. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 339.

26
GRACIA, Francisco de. Op. cit., p. 324.

27
BELTRAMIN. Renata M. G. Op. cit., p. 148.

28
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Op. cit., p. 351.

29
Idem, ibidem, p. 351.

30
SANTOS. André. Conotados clássicos na construção de um Liceu moderno. Resdomus: plataforma editorial de cruzamento e de divulgação de cultura arquitetônica. Porto, Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2016, p. 22 <https://bit.ly/3UVBQdh>.

31
CHING, Francis D. K. Op. cit., p. 339.

32
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Op. cit., p. 351.

33
FERNÁNDEZ-CARNICERO. Clara V. Criterios de restauración, intervención y revitalización del patrimonio industrial. La fábrica de gas de San Paolo en Roma. Tese de doutorado. Madrid, Etsam UPM, 2016, p. 589.

34
Idem, ibidem, p. 589.

35
KOHLSDORF, Maria Elaine; KOHLSDORF, Gunter. Op. cit.

36
SANTOS. André. Op. cit., p. 22.

37
BELTRAMIN. Renata M. G. Op. cit., p. 148.

38
GRACIA, Francisco de. Op. cit., p. 324.

39
FROTA. José Arthur D’Aló. O passado no presente: um caminho para preservação e contemporaneidade. ArqTexto (UFRGS), v. 1, Propar, 2001, p. 110-111.

sobre as autoras

Anne Carolina dos Santos Silva é mestre em Arquitetura e Urbanismo (2019) e doutoranda em História pela Universidade Federal do Pará.

Thais Alessandra Bastos Caminha Sanjad é doutora em Geologia e Geoquímica (Universidade Federal do Pará, 2007), mestra em Arquitetura e Urbanismo (Universidade Federal da Bahia, 2002) e arquiteta e urbanista (Universidade Federal do Pará, 1998). Diretora associada da Universidade Federal do Pará.

Jussara da Silveira Derenji é mestra em História (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), especialista em Paisagismo (Universidade de São Paulo, 1980), arquiteta (Universidade do Rio Grande do Sul, 1969) e urbanista (Universidade do Rio Grande do Sul, 1972).

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286.01 arquitetura contemporânea

A plasticidade do vazio e os tensionamentos artísticos na obra de Koolhaas

Julia Paglis

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