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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Arquiteta carioca, professora da UFRJ, em texto panfletário, afirma que o espaço-favela é do carioca, mas, cinicamente e graças a todos, é do resto do mundo também

english
Architect from Rio and professor at UFRJ, in a pamplheteer text, says that the favela belongs to Rio, but, cynically, and thanks to all, belongs to the rest of the world as well.

español
Arquitecta de Rio, profesora de la UFRJ, en texto panfletario, afirma que el espacio- favela es del carioca, pero, cínicamente y gracias a todos, es del resto del mundo también

how to quote

GUIMARAENS, Cêça. O espaço-favela é do carioca. Mas, cinicamente e graças a todos, é do resto do mundo também. Drops, São Paulo, ano 06, n. 013.03, Vitruvius, nov. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/06.013/1667>.


Meu bem, o espaço do carioca é o mar e as praias estão sujas. Veja você que ainda ontem, na rua que era minha e também nas outras que eram de todos nós, soava a melodia do tom&vinicius e andava a coisa-mais-linda-a-caminho-do. Antes desse ontem, no morro, que era de ninguém e hoje é de todos nós, apenas um alguém, que a si mesma chamava de Maria, descia a ladeira com a lata-d’água-na. Ora veja, meu bem, o espaço do carioca é qualquer lugar onde todos sempre fizeram o que bem entenderam. Alguns (e poucos) privilegiados achavam que era assim que a cidadania da cidade livremente se desenhava. Meu bem, veja, agora a favela-favela se tornou o lugar onde os p**** dos políticos e as p**** das políticas promoveram, e ainda promovem, a lírica da liberdade e da variedade da raça carioca em gênero, número e grau. No baixo, ou seja, na cidade-hoje-favela, o que exprime diversidade é o camelódromo da uruguaiana e adjacências. O centro da cidade é o bairro-favela onde as ruas são feitas para os que andam a pé em volta dos largos de sãos franciscos e das cariocas, junto com as praças dos tiradentes e as calçadas da central que ainda fica onde o Rio era o centro do Brasil. Meu bem, mas e o carnaval? Carnaval? Há o carnaval-favela que dança onde nas imensas bancas de jornal, nas esquinas, nas calçadas. No caminho do caos, esse carnaval-favela é tão prefeituramente (não é perfeitamente, não, viu meu bem?) carioca que não é apenas para os pedestres da cidade-favela-do-centro. Onde estão as perspectivas urbanisticamente excepcionais? Meu bem veja que isto não é quiosque modernoso nem é banca de jornal-e-revista, é supermercado. Ora, meu bem, o rio-da-cidade fez da rua a calçada cheia de favela que atravanca os meus e os teus passos que vagueiam em busca do paço perdido? O Rio é um blefe de cidade? Por que vendemos estes exemplos até ontem muito líricos e, hoje, carcomidos por cada vez mais novos e brancos espaços-favelas? Meu bem deixa pra lá, que hoje ainda muito choverá. Ora, é nesta hora que chamo: vem, vem, meu bem, vem ver o Rio do rio de merda que mora no mar.... O quiosque da atlântica é o mesmo antigo quiosque da rio branco, velhas e centenárias avenidas. Agora meu bem, fala sééééério, as favelas do Rio de Janeiro tomam os espaços de todos que aqui vivem, todos os dias. As visitas das polícias oficiais e mineiras fazem os tiros de vários calibres reproduzirem-se cotidianamente. Muito além da guerra fantástica do irak, é aqui o lugar-favela onde os assaltos perturbam o jantar e o café da manhã. É nessas horas que acaba o breve descanso dos cariocas. Os trabalhadores, os vadios e as vagabundas, esses cariocas que são ricos de paisagem e pobres da miséria, estão fartos da odisséia elegíaca que transmudou em poesia todos os morros e manguezais da maravilhosa cidade. Meu bem, e o rio do resto? Bem, meu bem, é na planície que fica este favela-rio. Esse que nunca morou no mar e que é mais extenso em superfície e diversidade do que a zona das terras onduladas do sul. Acolá, da mesma forma que aqui, a instabilidade da cidadania atópica e republicana é embalada pelos anônimos comerciantes do tráfico e, também, abrilhantada pelos heróicos viciados. Meu bem, você não vê que a cidadania da cidade sonha, a cada dia, em ficar maior? Mas, os pobres e ricos não encontram abrigo em nenhuma vizinhança porque, agora, madame não mais costuma ter domésticos e, muito menos, patrões. Meu bem, quem é essa turma que é adepta do faça-você-mesmo e do atire-mais-que-você-possa? E, o que esses ricos de todos os lugares querem com essa gente que vive de favela? O problema, meu bem, quando está assim tão mal posto, não tem solução de maneira formalística. Meu bem, veja melhor. Em outras palavras, já solucionado formalmente está. Aqui, para tristeza de alguns e felizmente para muitos, não há perspectiva de, nas próximas quatro ou cinco décadas, serem promovidas as “ecologias” físicas e sociais hitleristas do início do século passado. Mas, será que estão em curso outras limpezas????? Pois, ora veja meu bem, nesses lugares de favelas, as diferenças de vida e morte encontram-se arquitetadas de modo pleno em pedra e tijolo, alumínio e caliça misturados com desesperança muita. Nas possibilidades perdidas com os (in)conseqüentes governos, o acesso à educação e à alimentação dependeu, exclusivamente, das democracias e, não pasme, dos casamentos televisionados para os últimos capítulos das novelas globais. Anarquistas sem deus, anarco-legisladores e narco-traficantes, todos os personagens dessas tramas diárias muito tiveram a ganhar. Quem perdeu-perdeu foi você, meu bem. As metodologias, formas e fórmulas arquitetônicas e urbanísticas de hoje substituíram as investidas do poder público e o espaço-favela foi privatizado aqui-ali-e-acolá para salvar os novos pobres que, antes e em todas as grandes cidades brasileiras, eram apenas os desvalidos da indústria da seca nordestina. Para enriquecer, os eternos investidores das favelas-de-bairros do brasil não precisam de professores e, muito menos, de arquitetos e urbanistas! Tenha certeza, meu bem, que a solução poderia estar na escola e na moradia das gentes esclarecidas que poderiam localizar-se na planície e no morro porque, há muito, a humanidade desloca-se sob roldanas e rodas de todo tipo. Mas, e o banco da praça, as esquinas sob o farol (êta sãopaulo!) e o espaço-favela-embaixo-do-viaduto-ou-da-marquise? Meu bem, você acredita que é possível promover a educação contextualizada e qualitativa para todos em todos esses lugares-favelas-bairrinhos? Mas, meu bem, o déficit de moradias estará em breve solucionado porque a previsão é a de que a população vai decrescer em número. O que dizem os que estudam os nascimentos e as mortes dos filhos das meninas-fãs-das-xuxas-e-sóis-da-américa? Agora, fecha a boca e vamos falando mais séééério que isto é conversa sem-fim, é coisa dos contos das mil-e-uma-noites. Por isso, meu bem, vem dormir que o sol tá saindo e o rio de todos os brasileiros está rindo às gargalhadas! Fica quieto porque o favela-rio está gritando esperança. Mas, meu bem, você não vê que aqui, em pernambuco e em paris, esse rio que fala de favela está sem esperança? Para o resto do Brasil e para o mundo, a cidade da favela não pode dormir. Veja bem, meu bem, agora não vai dar mesmo. Fica atento, olha, aí vem aquela que é a bala. Meu bem, ela, a bala, que nem o rio do bairro de favela, também está perdida. Vem dormir e, quem sabe, talvez sonhar que o espaço do carioca ainda está no mar...

sobre a autora

Arquiteta e professora da FAU/UFRJ.

Cêça Guimaraens, Rio de Janeiro RJ Brasil

 

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