Meu bem, o espaço do carioca é o mar e as praias estão sujas. Veja você que ainda ontem, na rua que era minha e também nas outras que eram de todos nós, soava a melodia do tom&vinicius e andava a coisa-mais-linda-a-caminho-do. Antes desse ontem, no morro, que era de ninguém e hoje é de todos nós, apenas um alguém, que a si mesma chamava de Maria, descia a ladeira com a lata-d’água-na. Ora veja, meu bem, o espaço do carioca é qualquer lugar onde todos sempre fizeram o que bem entenderam. Alguns (e poucos) privilegiados achavam que era assim que a cidadania da cidade livremente se desenhava. Meu bem, veja, agora a favela-favela se tornou o lugar onde os p**** dos políticos e as p**** das políticas promoveram, e ainda promovem, a lírica da liberdade e da variedade da raça carioca em gênero, número e grau. No baixo, ou seja, na cidade-hoje-favela, o que exprime diversidade é o camelódromo da uruguaiana e adjacências. O centro da cidade é o bairro-favela onde as ruas são feitas para os que andam a pé em volta dos largos de sãos franciscos e das cariocas, junto com as praças dos tiradentes e as calçadas da central que ainda fica onde o Rio era o centro do Brasil. Meu bem, mas e o carnaval? Carnaval? Há o carnaval-favela que dança onde nas imensas bancas de jornal, nas esquinas, nas calçadas. No caminho do caos, esse carnaval-favela é tão prefeituramente (não é perfeitamente, não, viu meu bem?) carioca que não é apenas para os pedestres da cidade-favela-do-centro. Onde estão as perspectivas urbanisticamente excepcionais? Meu bem veja que isto não é quiosque modernoso nem é banca de jornal-e-revista, é supermercado. Ora, meu bem, o rio-da-cidade fez da rua a calçada cheia de favela que atravanca os meus e os teus passos que vagueiam em busca do paço perdido? O Rio é um blefe de cidade? Por que vendemos estes exemplos até ontem muito líricos e, hoje, carcomidos por cada vez mais novos e brancos espaços-favelas? Meu bem deixa pra lá, que hoje ainda muito choverá. Ora, é nesta hora que chamo: vem, vem, meu bem, vem ver o Rio do rio de merda que mora no mar.... O quiosque da atlântica é o mesmo antigo quiosque da rio branco, velhas e centenárias avenidas. Agora meu bem, fala sééééério, as favelas do Rio de Janeiro tomam os espaços de todos que aqui vivem, todos os dias. As visitas das polícias oficiais e mineiras fazem os tiros de vários calibres reproduzirem-se cotidianamente. Muito além da guerra fantástica do irak, é aqui o lugar-favela onde os assaltos perturbam o jantar e o café da manhã. É nessas horas que acaba o breve descanso dos cariocas. Os trabalhadores, os vadios e as vagabundas, esses cariocas que são ricos de paisagem e pobres da miséria, estão fartos da odisséia elegíaca que transmudou em poesia todos os morros e manguezais da maravilhosa cidade. Meu bem, e o rio do resto? Bem, meu bem, é na planície que fica este favela-rio. Esse que nunca morou no mar e que é mais extenso em superfície e diversidade do que a zona das terras onduladas do sul. Acolá, da mesma forma que aqui, a instabilidade da cidadania atópica e republicana é embalada pelos anônimos comerciantes do tráfico e, também, abrilhantada pelos heróicos viciados. Meu bem, você não vê que a cidadania da cidade sonha, a cada dia, em ficar maior? Mas, os pobres e ricos não encontram abrigo em nenhuma vizinhança porque, agora, madame não mais costuma ter domésticos e, muito menos, patrões. Meu bem, quem é essa turma que é adepta do faça-você-mesmo e do atire-mais-que-você-possa? E, o que esses ricos de todos os lugares querem com essa gente que vive de favela? O problema, meu bem, quando está assim tão mal posto, não tem solução de maneira formalística. Meu bem, veja melhor. Em outras palavras, já solucionado formalmente está. Aqui, para tristeza de alguns e felizmente para muitos, não há perspectiva de, nas próximas quatro ou cinco décadas, serem promovidas as “ecologias” físicas e sociais hitleristas do início do século passado. Mas, será que estão em curso outras limpezas????? Pois, ora veja meu bem, nesses lugares de favelas, as diferenças de vida e morte encontram-se arquitetadas de modo pleno em pedra e tijolo, alumínio e caliça misturados com desesperança muita. Nas possibilidades perdidas com os (in)conseqüentes governos, o acesso à educação e à alimentação dependeu, exclusivamente, das democracias e, não pasme, dos casamentos televisionados para os últimos capítulos das novelas globais. Anarquistas sem deus, anarco-legisladores e narco-traficantes, todos os personagens dessas tramas diárias muito tiveram a ganhar. Quem perdeu-perdeu foi você, meu bem. As metodologias, formas e fórmulas arquitetônicas e urbanísticas de hoje substituíram as investidas do poder público e o espaço-favela foi privatizado aqui-ali-e-acolá para salvar os novos pobres que, antes e em todas as grandes cidades brasileiras, eram apenas os desvalidos da indústria da seca nordestina. Para enriquecer, os eternos investidores das favelas-de-bairros do brasil não precisam de professores e, muito menos, de arquitetos e urbanistas! Tenha certeza, meu bem, que a solução poderia estar na escola e na moradia das gentes esclarecidas que poderiam localizar-se na planície e no morro porque, há muito, a humanidade desloca-se sob roldanas e rodas de todo tipo. Mas, e o banco da praça, as esquinas sob o farol (êta sãopaulo!) e o espaço-favela-embaixo-do-viaduto-ou-da-marquise? Meu bem, você acredita que é possível promover a educação contextualizada e qualitativa para todos em todos esses lugares-favelas-bairrinhos? Mas, meu bem, o déficit de moradias estará em breve solucionado porque a previsão é a de que a população vai decrescer em número. O que dizem os que estudam os nascimentos e as mortes dos filhos das meninas-fãs-das-xuxas-e-sóis-da-américa? Agora, fecha a boca e vamos falando mais séééério que isto é conversa sem-fim, é coisa dos contos das mil-e-uma-noites. Por isso, meu bem, vem dormir que o sol tá saindo e o rio de todos os brasileiros está rindo às gargalhadas! Fica quieto porque o favela-rio está gritando esperança. Mas, meu bem, você não vê que aqui, em pernambuco e em paris, esse rio que fala de favela está sem esperança? Para o resto do Brasil e para o mundo, a cidade da favela não pode dormir. Veja bem, meu bem, agora não vai dar mesmo. Fica atento, olha, aí vem aquela que é a bala. Meu bem, ela, a bala, que nem o rio do bairro de favela, também está perdida. Vem dormir e, quem sabe, talvez sonhar que o espaço do carioca ainda está no mar...
sobre a autora
Arquiteta e professora da FAU/UFRJ.
Cêça Guimaraens, Rio de Janeiro RJ Brasil