Ricardo Flores e Eva Prats evitam o artifício e o delírio porque, segundo suas próprias palavras, “não nos interessa criar um objeto, mas criar uma arquitetura bem integrada ao seu entorno”. Entretanto, para além da eficiência meramente correta com que muitos profissionais materializam seus projetos elegendo essa mesma premissa, a arquitetura de Flores e Prats, na qual o sentido do significado da palavra “achado” adquire uma dimensão própria, se expressa como uma pragmática forma de sensibilidade no espaço e na matéria de cada obra construída. Valendo-se do desenho à mão e da construção de maquetes que, em diferentes escalas, vão permitindo-lhes analisar as diferentes possibilidades de desenho, que com seu caráter de artesãos laboriosos sempre comprovam in situ, definiram uma atitude e uma forma de operar que lhes outorga uma compreensão total, nos níveis técnico e conceitual, sobre os espaços e as estruturas que geram. Sua arquitetura surge de um trabalho minucioso: primeiro orientado à busca, muito profunda, e ao descobrimento da complexidade essencial que contém em si mesmo cada projeto como desafio único e possível raiz da alma de uma estrutura; depois, “colocada a intensidade nesse ponto”, encontrar qual deve ser o posicionamento do arquiteto frente a ele para projetar sua solução a partir da pureza arquitetônica. Sem outras referências ou alusões: desde a geometria, a racionalidade, a serenidade e o empenho paciente em um bom fazer.
A reabilitação de um moinho de farinha para sua conversão em um museu é um exemplo do domínio de sua capacidade em articular o subjetivo e conferir-lhe entidade com corpo de arquitetura. Trazer a luz e criar para ela uma expressão no interior foi o achado para redefinir desde o absoluto, desde si mesma, esta antiga estrutura muito sólida e intensa, manifestando-se a poética específica da luz como matéria construtora e fundamental para a vida deste espaço.
Em um olhar analítico sobre sua produção, observamos que agrupam suas obras sob diversas famílias: “luz líquida”, “perímetros e pátios”, “torres”, “pérgolas” e “pavimentos”. Termos objetivos – “muito vinculados à construção”, dizem –, nos quais se acha a concretização dos aspectos conceituais que guiam sua arquitetura. Colaboradores próximos de Enric Miralles durante vários anos, para estes dois arquitetos o dar inicio à materialização de seus próprios projetos supôs a introdução na complexidade demandada pela construção, algo que redimensionou sua relação com a arquitetura. O labor de obra se propõe enfrentar à tarefa de manter o fundamento das idéias sobre o papel na estrutura que se constrói ao mesmo tempo em que se permite que o projeto “se enriqueça com os conhecimentos aportados pelos diversos membros da equipe que integra a obra de um edifício”, explicam, sustentando que “os projetos continuam desenvolvendo-se durante o processo de construção”.
O diálogo constitui parte indispensável de sua arquitetura: diálogo que opera desde o nível de conversação com os futuros usuários de um projeto específico, com construtores e técnicos envolvidos na construção ao silencioso diálogo entre estrutura, idéia, e arquiteto para culminar em uma obra arquitetônica que não só é verdadeiramente capaz de comunicar-se com seu entorno, com seus habitantes mas também de criar novas dimensões para seu estabelecimento mediante essas intervenções precisas, aparentemente mínimas, mas depois das quais na realidade sobejassem idéias complexas e fortes que sustentam e geram a fluidez e integridade que caracterizam aos trabalhos de Flores e Prats.
A Praça de Pius XII é um claro exemplo de sua vontade de produzir uma arquitetura que “surja de um trabalho de relação de proximidade com os cidadãos, da compreensão de condições, situações, problemáticas… para acionar sobre o pragmático e real. O oposto a uma arquitetura promovida por interesses econômicos, poderes abstratos, que atua como uma ferida sobre o tecido urbano”. Sua proposta foi produto tanto da atenção às petições e opiniões dos vizinhos da praça como por sua concentração na presença como entidade arquitetônica do bloco habitacional de onze plantas em frente ao terreno que esta ocuparia. Procurando a união entre o espaço público e este edifício se desenhou uma pérgola alongada que retificava o perfil do edifício “como um eco deste”, enfatizando a grande consistência e fluidez com que a praça se comunica e harmoniza com o entorno circundante, destacando ao mesmo tempo sua situação, mediante uma utilização engenhosa e polivalente do mobiliário que a conforma. Vendo-a em uso se constata que a Praça Píus XII é arquitetura de poesia social.
Sua capacidade para a criação de vias arquitetônicas de diálogo se faz também patente na transformação de uma construção industrial em um hotel, no qual a reinterpretação de imagens próprias da vida das salas teatrais e da personalidade de Paralelo – zona onde o hotel se encontra localizado – inspirou o entendimento da dinâmica da atividade local e guiou seu desenho e o experimental tratamento do tijolo como material. E na deliberada vista sobre o Walden 7 de Ricardo Bofill que tem a Nave Y, evidência de seu interesse e respeito pela qualidade e valor de outras arquiteturas e de sua busca por relações com elas.
Rigor, disciplina e sensibilidade distinguem e dotam a Eva Prats e Ricardo Flores ao projetar mediante experimentações para o aperfeiçoamento de cada obra e de toda sua arquitetura concebida e praticada segundo uma forma na qual fidedignamente acreditam.
notas
[artigo publicado originalmente em La Vanguardia, 16 nov. 2005]
[publicação: fevereiro 2006]
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004.
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, Barcelona, Espanha