Quase sempre segregadas em espaços e eventos especializados, com exceção de esporádicas presenças no Instituto Tomie Ohtake, as exposições de arquitetura em São Paulo raramente se apresentam para um público não especializado. Este é o caso da mostra “Coletivo: arquitetura paulista contemporânea”, que acontece no Mariantonia da USP.
A arquitetura é, dentre as artes plásticas, a que mais dificuldade tem em estabelecer um vínculo cultural com a sociedade, possivelmente por seu aspecto utilitário, visível nos artefatos arquitetônicos que habitam nosso cotidiano. Não é muito simples convencer alguém que deixa seu automóvel no estacionamento do Parque Trianon (MMBB Arquitetos, 1999), toma um ônibus no Terminal da Lapa (Núcleo de Arquitetura, 2003) ou usa as dependências reformadas da Faculdade de Medicina da USP (Andrade Morettin, 1996) que a arquitetura codificada em desenhos e maquetes possa ter algum interesse.
Há aqui uma preocupante alienação do cidadão em relação à qualidade de edifícios e espaços públicos que dão suporte material à sua vida cotidiana. Houvesse um maior envolvimento por parte da comunidade, projetos de enorme importância poderiam ser realidade hoje, como é o caso do centro cultural na Agência Central dos Correios (Una Arquitetos, 1997) e reurbanização do Largo da Batata (Projeto Paulista de Arquitetura, 2002). A realização do primeiro se arrasta há anos e é duvidoso que um dia ofereça todos os equipamentos previstos. O segundo, uma proposta de criação de amplos e qualificados espaços públicos em região congestionada, sequer é uma possibilidade, pois mereceu apenas o segundo lugar em concurso nacional cujo júri preferiu premiar, de forma injustificável, um projeto de edifício.
Nesse sentido, merece aplausos a iniciativa dos jovens arquitetos, todos graduados pela FAU-USP, em mostrar sua produção arquitetônica e urbanística em um espaço aberto ao grande público. Convidados pela instituição, são os próprios arquitetos os responsáveis pela seleção de obras e texto de apresentação. Reside aqui a maior restrição à exposição, que se ressente de uma curadoria mais autônoma, que poderia ter ampliado um pouco mais o número de arquitetos, optado por um arranjo temático menos confuso e evitado a presença de projetos de interesse mais restrito, como é o caso de residências unifamiliares.
Mas isso é de somenos se considerarmos que o visitante da exposição se depara com uma impressionante coleção de excelentes projetos de escolas e centros de pesquisa; conjuntos habitacionais de interesse social e reurbanização de favelas; praças e parques públicos; terminais do sistema de transporte coletivo; centros culturais e bibliotecas; equipamentos esportivos e de saúde. São obras que, mesmo considerando visíveis diferenças nas opções formais, se filiam à tradição moderna paulista, o que já é detectável em um dos primeiros projetos presentes na “linha do tempo” da exposição, o não construído Pavilhão do Brasil para a Expo 92 em Sevilha (Bucci e Puntoni, 1990).
Projeto que merece parágrafo á parte, por dois motivos sui generis. Primeiro, por ter interrompido involuntariamente a série de importantes pavilhões brasileiros em exposições internacionais, assinados por Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Sergio Bernardes e Paulo Mendes da Rocha, graças à crise dos anos Collor. Segundo, por assumir, em um período aonde grassava uma barulhenta crítica pós-moderna, uma retomada de um projeto cultural aparentemente combalido. Se naqueles anos agitados o projeto parecia refletir a agonia da arquitetura moderna brasileira, hoje assume o papel de projeto inaugural de um novo encaminhamento da arquitetura paulista.
notas
[artigo originalmente publicado na revista Bravo!, nº 110, out. 2006]
[publicação: outubro 2006]
Ficha da exposição
Exposição
Coletivo - arquitetura paulista contemporânea
Escritórios participantes
Projeto Paulista, Núcleo de Arquitetura, MMBB, Ângelo Bucci + Álvaro Puntoni, Andrade Morettin e Una Arquitetos
Data e local
01 de setembro a 12 de novembro
Centro Universitário Maria Antonia da USP
Rua Maria Antonia 294 Vila BuarqueSão Paulo SP
Fone: 11 3255 7182
Website: www.usp.br/mariantonia
sobre o autor
Abilio Guerra é professor da FAU Mackenzie e editor de www.vitruvius.com.br.
Abilio Guerra , São Paulo SP Brasil