Especialmente em épocas de chuva os acidentes em obras civis têm se multiplicado no país. Diga-se de passagem que essa é a ponta visível do iceberg, pois que os acidentes dos quais a sociedade acaba por tomar conhecimento são os de grande dimensão e visibilidade. Uma miríade de pequenos e médios acidentes acabam não transcendendo o anonimato do circunscrito ambiente de obra.
E, como sempre, sobram dos responsáveis pelos empreendimentos e até de autoridades públicas a eles relacionadas a rápida e cômoda justificativa: o acidente deveu-se à intensidade das chuvas e/ou a imprevistos geológicos.
Não considerando aqui o crime implicado na clara intenção de ludibriar a sociedade, gostaria de me ater aos aspectos puramente técnicos relacionados a essas declarações e aos próprios acidentes.
Na Engenharia há uma regra inexorável: se houve acidente, houve uma falha. Essa falha pode ser de diversas ordens: erros nas informações técnicas (dados de entrada) para o projeto, erros de projeto, erros no plano de obra, erros nos processos construtivos, deficiência em materiais empregados... A redução da margem de ocorrência de erros é uma meta que a boa Engenharia persegue com obstinação. E, ao lado de uma provada competência dos técnicos envolvidos, o maior instrumento para essa redução está na gestão técnica do empreendimento, desde a fase dos estudos preliminares até a entrega da obra acabada e seu futuro plano permanente de monitoramento técnico.
No caso dos recentes acidentes da barragem de rejeitos de mineração da Rio Pombas em MG e da Linha 4 do Metrô na capital paulista, mais uma vez as chuvas e eventuais “imprevistos geológicos” estão sendo apontados como causadores dos problemas. As características e o histórico pluviométrico, assim como todas as informações sobre a geologia regional e local e seus desdobramentos geotécnicos são dados elementares de entrada para a concepção do projeto e para a escolha do plano de obra. Surpresas consideráveis só podem ser debitadas a falhas ocorridas nessa fase inicial de levantamento e recolhimento de informações. No caso da Geologia, até a probabilidade de se encontrar durante o andamento da obra alguma feição particular não anteriormente detectada deve obrigatoriamente ser considerada nos cuidados do plano de obra e dos processos construtivos, que, para tanto, devem sempre ser acompanhados por um eficiente serviço de monitoramento e investigações complementares.
Particularmente no caso da Linha 4 do Metrô, a geologia e a hidrologeologia do local são por demais conhecidas e foram profusamente investigadas nos estudos preliminares.
Da mesma forma, não se pode a essas alturas alegar dificuldades com as chuvas, uma vez que o regime pluviométrico da Capital é sobejamente conhecido.
Ou seja, em defesa dos profissionais brasileiros em Hidrologia, Hidrogeologia, Geologia e Geotecnia, que colocaram o país em nível internacional de competência nessas áreas, e em defesa dos interesses maiores da sociedade brasileira, apelamos às autoridades públicas e privadas relacionadas a esses trágicos acidentes que não capitulem diante dos impulsos naturais em buscar explicações e justificativas que lhes eximam de alguma responsabilidade, e tenham a coragem de “colocar o dedo na ferida”, investigando criteriosamente o plano de gestão técnica dos empreendimentos afetados. Investiguem, por exemplo, as conseqüências de um eventual excesso de terceirizações dos mais variados tipos de serviços de engenharia.
notas
[publicação: janeiro 2007]
sobre o autor
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. Foi Diretor Geral do DCET – Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de C&T do Estado de São Paulo. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar” e “Cubatão”.
Álvaro Rodrigues dos Santos, São Paulo SP Brasil