A arquitetura de Mathias Klotz transcende questões acerca da linguagem e do reconhecimento de adscrições ou heranças estilísticas sobre as quais a miúde lhe interpela. Nascido em 1965 em Viña del Mar (Chile), o inicio de sua caminhada profissional coincide com o fim de dezessete anos de ditadura pinochetista e a eclosão democrática num país que, como exceção na área, gozava de uma economia estável, o que permitiu a jovens arquitetos receber suas primeiras encomendas nas quais se cristaliza o novo espírito social.
Finalizados seus estudos, Klotz começou a construir casas para clientes que solicitavam segundas residências cuja particularidade consistia em estar destinadas a um único residente, fator que lhe permitiu experimentar com a criação de grandes espaços únicos e trabalhar com materiais e técnicas procedentes do lugar de onde as obras se assentavam. Arquitetura que nutria e reinterpretava a paisagem, estas primeiras obras – a Casa Klotz, a Casa Ugarte e a Casa Chiloé, construídas entre 1991 e 1994 - suscitaram um interesse que submergiu ao seu autor quase imperceptivelmente na dinâmica profissional do arquiteto de pouca idade e lhe valeu um justo reconhecimento da crítica internacional.
Ampliação de fronteiras
Gradualmente, o escritório de Klotz, estabelecido em 1991, começou a realizar encomendas que abarcam desde habitações unifamiliares, estabelecimentos comerciais e edifícios públicos ao desenho industrial e à cenografia, o que diversificou a localização geográfica de seu labor, com obras construídas e em andamento no Chile, Argentina, Uruguai, México, Espanha, Itália, Líbano e China. Junto a projetos como a Casa Ponce (Buenos Aires), a Casa Reutter (Cachagua, Chile), o Colégio Altamira (Santiago, Chile), destacam, entre seus últimos trabalhos finalizados, o edifício da Faculdade de Medicina e a reabilitação de um edifício para a Universidade Diego Portales e a construção de um pavilhão militar, ambos em Santiago, projetos afrontados desde a prioridade aos interesses de cliente e usuários, consciente de que é essa satisfação no uso a que garantirá a «vida plena» e a «subsistência» da obra.
José Antonio Coderch cita o desejo de realizar uma arquitetura viva e de adquirir um profundo conhecimento como vocações do arquiteto em Não são gênios o que necessitamos agora, um escrito de 1960 que Klotz aponta como referência pessoal. Coderch defende a exigência de afrontar a criação arquitetônica desde uma responsabilidade ética, num sentido que implica oferecer construções surgidas de uma atitude intelectual fundamentada na dignidade espiritual do humano e na subordinação do ego à procura da excelência.
Tics inconvenientes
De acordo com essas idéias, a atitude de Klotz está despojada das inseguranças, complexos e ambições de genialidade que aproximam outros profissionais à ribombância estilística e ideológica que escava o valor do construído como ato de busca e compreensão essencial da arquitetura. Muito cedo foi elogiada a “sofisticada simplicidade” de suas construções, reflexo da atitude pragmática dotada de sensibilidade ao material e conceitual presente em sua obra, possivelmente derivada de uma atitude mental e da circunstância pessoal de se ver defrontado à experiência da construção desde o próprio começo de sua carreira.
Sua obra está imbuída de um caráter pessoal que tem a ver com a paisagem e a posição geográfica, mas supera estes fatores. Goza do benefício de estar no mundo e, ao mesmo tempo, de poder refugiar-se num confim da aldeia global, estando distantes e, graças a isso, dispor de uma perspectiva periférica de um mundo que, ainda que conectado, está formado por redes assimétricas. Seu lugar no mundo, e o fato de não poder reconstruir sua identidade em termos de pertencimento a uma tradição cultural específica e nitidamente definida (ou estereotipada), são componentes que assinala como relevantes para estabelecer seu retrato intelectual: “Acontece que sou um híbrido, neto de imigrantes que chegaram a um país no extremo sul ocidental do novo mundo, isto é, ao sul do fim do mundo”. Para Klotz, esta complexidade -que se transfere à inquietude de perguntar-se onde está física e filosoficamente um projeto- implica inerentemente a possibilidade de conceber sua própria arquitetura desde uma profunda liberdade, um dos traços fundamentais seria a própria capacidade para não aferrar-se à necessidade de teorias ou interpretações ulteriores.
De forma alguma uma exceção
Apesar de que numa História da Arquitetura escrita desde um ponto de vista eurocêntrico se tende a conceber figuras como Mathias Klotz como avis rara dentro de um contexto que se desconhece quase por completo ou que se mitifica mediante tópicos regionalistas ou de costumes, sua arquitetura deve ser considerada continuadora de uma grande escola legada pelo Movimento Moderno na Ibero-América, que recebeu influências tanto da Europa como do norte do continente, onde os espaços fogem absolutamente aos parâmetros de escala europeus e à liberdade expressiva outorgada pelo relativo peso da História e da tradição. Klotz é herdeiro de tudo isto, numa época em que a linguagem do Movimento Moderno saiu favorecida, o que lhe permitiu trabalhar sem temores, conhecendo e jogando com os postulados, às vezes constrangedores, legados pelos mestres.
Em Klotz, sua própria experiência é o pensamento e a construção de sua própria arquitetura. A uma idade na qual muitos arquitetos assumem sua independência, Klotz consolidou uma aproximação pessoal à arquitetura cujo sustento é ter alcançado uma compreensão essencial dela tendo querido e sabido guiar-se por seu instinto, imbuindo o fazer arquitetura da dimensão singela e nobre do cotidiano, compreendida como um ato humano e vital.
notas
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Artigo publicado originalmente na coluna “Arquitectura y diseño”, do caderno “ABCD las artes y las letras“, de ABC Periódico Electrónico S.L.U, Madri, em 12 de maio de 2007.
[tradução ivana barossi garcia]
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004.
Fredy Massad e Alicia Guerrero, Barcelona Espanha