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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Sonia Manski, que, ao descrever a residência de Anna Veronica, nos fala sobre as apropriações dos moradores de seus próprios espaços de viver, questionando a tarefa concedida aos arquitetos de elaborar vivendas para outras pessoas

english
Sonia Manski, that in describing the residence of Anna Veronica, and tells us about the appropriation of the inhabitants of their own place to live, questioning the task given to architects when designing houses for other people

español
Sonia Manski, que, al describir la residencia de Anna Veronica, nos habla sobre las apropiaciones de los habitantes de sus propios espacios, cuestionando la tarea concedida a los arquitectos de elaborar viviendas para otras personas

how to quote

MANSKI, Sonia. A casa da gente. Quando o habitante se assenhora de sua moradia. Drops, São Paulo, ano 08, n. 022.08, Vitruvius, maio 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/08.022/1753>.



© Fotos Henk Nieman


Embora eu seja arquiteta – ou talvez por isso mesmo – sempre me questionei sobre o fato de se delegar a um estranho, no caso um arquiteto, a elaboração de um projeto para sua vivenda. Ora, como é que alguém com tão pouco contato com os futuros moradores pode criar um espaço que lhes seja conveniente? Hoje pensando – e passadas duas décadas – talvez seja justamente esse o desafio do arquiteto.

Voltando para trás, me lembro muito bem, primeiroanista da FAU, pensei num exercício de projeto a ser dado aos calouros, onde me incluía. Até título tinha a proposta (infantil, é verdade): “Da casa que temos para a que queremos”. A sugestão era propor uma reforma imaginária para sua habitação. A partir da experiência de viver nela, óbvio. Nada mais adequado do que o uso para saber se algo funciona ou não. O tal do método empírico. A tal avaliação pós-ocupacional.

Tudo isso para chegar ao seguinte: por mais moradias que tenha conhecido, nunca tinha entrado numa de que o habitante tenha se assenhoreado tanto, preenchendo o espaço tão concretamente com marcas, sem nenhum canto onde o vestígio da mão do dono não se faça sentir.

Não que isso lhe confira mais características de lar em comparação com outras. Nem que haja algum julgamento de valor estético incluso. Apenas revela um morador a quem não basta simplesmente tomar posse do imóvel. O território, demarcado com objetos pessoais, representa uma história particular.

Diversos são os ambientes.

A área social – ampliada com a retirada da parede entre o segundo quarto e a sala – comporta um lugar para comer e outro para estar com as visitas, conforme o costume. Não tão comum, as paredes disponíveis são inteiramente recobertas com estantes, para acomodar a vasta biblioteca. Uma pessoa cuja vida foi transformada pelos livros não pode deles prescindir. Sem esquecer da prateleira especial dedicada à poesia, indispensável a um intelectual digno do nome.

Não que esse amplo espaço literário tenha se mostrado suficiente. O corredor precisou ser invadido para a mesma finalidade. No momento, existem algumas vagas. Mas apenas para novas aquisições que reúnam qualidades suficientes para fazer parte do acervo. Obras que não fizerem por merecer seu espaço serão sumariamente condenadas à doação.

E como modernamente, um novo instrumento passou a fazer parte das necessidades, a exigência foi incorporada ao programa: um espaço foi reservado para uma estação de trabalho, com computador pessoal e impressora. A medida foi providencial porque facultou utilização de mais uma parede. Nessa, acomoda-se a coleção de dicionários e a bibliografia técnica básica da cientista social posteriormente formada psicanalista que hoje, além da prática em consultório, escreve sobre as questões de seu tempo.

Outra proeza foi incluir uma área ajardinada de aproximados 4 metros quadrados, dentro de um apartamento originalmente de 2 quartos. Com direito a plantas autóctones, originárias da mata atlântica, mescladas com algumas espécies típicas de jardim de antigamente: brincos de princesa, melindres, samambaias bravas, avencas etc; sem esquecer da erva-cidreira para um chá, se necessário. Tudo ao encontro de sua identidade, gosto e idiossincrasias.

A cozinha não fica devendo aos outros aposentos: da mesma forma é habitada. Já que é assim, mostra o dado com a franca exposição do equipamento empregado. Um cozinhador que se preze lança mão de ingredientes e diversos artefatos, facilitadores da arte de criar iguarias para alegrar os sentidos.

Donde se chega à mesa de refeições, redonda para não dar margem ao estabelecimento de hierarquia entre os comensais. Afinal, a preparação de alimentos é sabidamente um processo alquímico, cujo aproveitamento pleno vai desde a transformação dos ingredientes até o repasto, motivo concreto e ocasião para reunir pessoas e efetuar trocas mais abstratas.

Ainda dando vazão à lógica peculiar, a expressão concreta da individualidade ultrapassa barreiras. Eventualmente de alvenaria. Assim, por exemplo, por que não abrir uma passagem naquela parede tão comum entre o banheiro e a área de serviço, de modo a depositar a roupa suja diretamente no tanque? Qualquer que seja a perspectiva, nela pode-se ler: “esta é a minha casa”. Arriscaria dizer até: “esta sou eu”.

Mais do que refletir uma tendência impessoal ditada por profissionais do ramo, a moradora orgulhosa prefere exibir os testemunhos do seu percurso, a projeção do seu mundo interno.

Indiscutível que muitas vezes, interiores criados por arquitetos talentosos possam oferecer mais no sentido puramente contemplativo e estético. Alguns chegam a ser declaração de princípios antes de lugares aconchegantes para morar. E se para o cliente, a função simbólica é prioritária, tudo bem. Não cabe julgamento. Trata-se de escolha.

Se bem que me espanta que a Paulicéia importe (de outros lugares ou de outros tempos) tantos estilos adventícios e que muitas residências se aproximem mais de museus, lojas ou outro espaço de contemplação, mas não de permanência. Também o arquiteto se presta a vender ilusões.

Qual a explicação para tanta procura por cenários estranhos à história pessoal e à cultura local? Talvez entre em jogo a ilusão de que é possível absorver por osmose ou contágio outras, voluntariamente escolhidas. Há quem entenda comprar antiguidades como tentativa de legitimação ou pertinência. Que seja.

Mas, entendendo morar como tomar um espaço para si e nele criar raízes, preenchendo o vazio com a própria presença, eis aqui uma habitação humanizada pelo morador. Será por isso tão acolhedora?

Cada pessoa é única, cada casa também. Esta é a de Anna Veronica.

sobre o autor

Sonia Manski é arquiteta formada pela FAU USP e trabalha no CONDEPHAAT. Sonia Manski, São Paulo SP Brasil

 

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