"Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro..."
(Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto)Em ano de eleição levanta-se a questão da ética e das diametrais diferenças entre o discurso e a prática dos políticos e dos principais candidatos aos cargos majoritários. Nas últimas eleições, por conta das publicações a respeito do patrimônio de cada um dos candidatos ao cargo de Prefeito e Governador, várias dúvidas foram lançadas sobre esta questão. Alguns chegaram a afirmar, cinicamente, que não possuíam sequer um automóvel em seu nome, mesmo que a opinião pública e a imprensa já tivessem conhecimento de fazendas, imóveis e, em muitos casos, até contas em bancos do Exterior e em paraísos fiscais.
Nos últimos meses ficamos estarrecidos e indignados com a quantidade de Políticos de alto escalão que estavam envolvidos em esquemas grandiosos de corrupção e de desvio do dinheiro público. Basta lembrar a operação “Telhado de Vidro” da Polícia Federal, ocorrida no rico e também mal administrado Município de Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio de Janeiro e a operação Pasárgada que prendeu, de uma só vez, 17 Prefeitos de importantes cidades de Minas Gerais e da Bahia.
Portanto, diante de tantas notícias, questionamentos e dúvidas sobre a conduta do político "A" ou "B", sobressai a importância da transparência e da necessidade de se acompanhar os processos políticos e administrativos no que se referem aos interesses públicos. Sabe-se também que é fundamental a contribuição dos meios de comunicação na ampliação da transparência destes processos. Sem a imprensa livre, imparcial e atuante, a sociedade não avança e não evolui.
Após a redemocratização, o povo brasileiro tem se mostrado mais atento aos discursos e à correlação destes com as ações concretas empreendidas por seus representantes, seja no âmbito Legislativo ou no Executivo. É necessário, cada vez mais, uma crescente articulação e coerência entre o discurso vendido no período das eleições e a prática política e administrativa após a posse. A mídia, os "vampiros", e as câmeras do Grande Irmão (Big Brother) estão à espreita, aguardando o menor deslize dos nossos governantes para colocarem em evidência as falsas promessas e os acidentes de percurso, para não dizer a corrupção.
Com esta total ausência de paradigmas e com a morte das ideologias e das doutrinas políticas, outrora geradas no desenrolar da modernidade iluminista, o momento atual aponta para a necessidade de transformação. A crise também pode ser reveladora de um momento de criação. É fazer da adversidade e da turbulência uma oportunidade de mudança! E esta mudança depende muito mais da vontade da sociedade civil organizada que dos governos, não raro, ainda imersos no arsenal de uma arcaica burocracia e da inércia administrativa que não só encobrem a corrupção e o desvio de dinheiro público como inibem a criatividade daqueles mais ousados e realmente comprometidos com o bem comum e com a ética.
Sabemos que novas lideranças surgem no cenário político nacional, sabemos do anseio da população em transformar o Brasil, não apenas em relação ao aspecto sócio-econômico, mas sobretudo, na ética, no sentido mais amplo que este conceito possa exprimir. É com esse espírito de um novo tempo que acreditamos que a tão sonhada mudança só virá através da constante participação popular e da implementação de novas metodologias e modelos atualizados de gestão pública que viabilizem e facilitem o acompanhamento e o monitoramento constante das ações empreendidas pelos governantes. Se o modelo Big Brother é possível de ser realizado com anônimos, também será possível e bem sucedido se for executado em prol da transparência das ações dos nossos governantes.
Oxalá possam ser executados pelos governantes novos modelos de gestão que ousem descortinar outros horizontes para além desta realidade atual em que a ética e a moral dos homens públicos vem sendo chafurdada. Um novo conceito de gestão que possa instigar o homem público a pensar e, sobretudo, a agir sempre com total transparência.
Qual será o diferencial que estes novos homens públicos do século XXI precisam ter para transformar a nossa comunidade, a nossa cidade e o nosso país? Que percepções de mundo eles deverão ter? Quais suas novas atribuições neste mundo tão globalizado quanto injusto? Como administrar tantos conflitos e jogos de interesses antagônicos?
Estamos acostumados a pensar nos defeitos, nos desvios, e nas falcatruas, mas será que passamos para a etapa seguinte? O leitor poderá estar se perguntando, mas qual é mesmo a etapa seguinte? É propor e executar soluções! É agir de forma positiva, é potencializar as virtudes e as forças de cada homem público de bem neste país! E eles existem sim! É contribuir com o que achamos que é pouco, mas que somado a tantos outros poucos pode se tornar muito!
É, portanto, esta a reflexão que devemos fazer para o futuro, procurando enxergar e, principalmente, viabilizar as soluções em meio a tantos problemas. Mais do que nunca precisamos ultrapassar urgentemente a fase dos "diagnósticos" e avançarmos no tempo e no espaço. Ao contrário do que se alardeia por aí, o Brasil é, infelizmente, um país ainda muito atrasado em relação aos avanços que as Nações mais importantes do mundo já atingiram. Basta ficarmos nos campos da educação e da saúde pública para exemplificarmos o perverso nível do nosso atraso em relação a outros países.
A Era da Informação está permeada por muitos aspectos que não podem mais passar despercebidos. A vida, o país, os governos e as ações políticas e públicas não podem ser deixadas ao acaso e sob o controle de qualquer um aventureiro que apareça. Temos de assumir as rédeas da política, temos de conhecer, na medida do possível, todos os aspectos e os atores envolvidos na questão para que possamos agir e cobrar dos nossos representantes.
É por isso que, em questões de interesse público, é fundamental a participação de cada um de nós para que a mudança ocorra, posto que cada indivíduo - além dos governos - é também co-responsável por tudo o que nos cerca. A responsabilidade de termos governos ingovernáveis e corruptos é nossa, que muitas vezes negamos o nosso direito ao voto, que não acompanhamos as ações públicas, que não nos lembramos em quem votamos, que consentimos certos absurdos sem nos manifestarmos de forma contundente. Que, muitas vezes, não conhecemos os nossos direitos e deveres enquanto cidadãos
A verdadeira mudança só virá quando eu e quando você, caro leitor estivermos imbuídos desta nova consciência de que todos somos responsáveis pelo que acontece ao nosso redor e torna-se necessário que cada um faça a sua parte para transformarmos o nosso país em uma verdadeira Nação, fundada na Ética e na Justiça.
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Este artigo foi publicado originalmente no Portal do Jornal O Globo – O Globo On line em 29/04/2008. Em: http://oglobo.globo.com/opiniao/todososartigos.asp
sobre o autor
Antônio Agenor Barbosa é Arquiteto e Urbanista, Mestre em Urbanismo (UFRJ), Doutorando em Arquitetura (UFRJ) e Professor Universitário.
Gisela Verri de Santana é Arquiteta e Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano (UFPE), Doutoranda em Psicologia Social (UERJ), Consultora.
Antônio Agenor Barbosa e Gisela Verri de Santana, Rio de Janeiro RJ Brasil