Desde o começo de sua carreira, no início dos anos 80 do século passado, o trabalho de José Patrício (Recife, 1960) explora as possibilidades construtivas de diversos materiais como o papel artesanal, objetos produzidos industrialmente como bonecos e botões, em composições geométricas, organizadas em módulos que se repetem, mas que são alterados ou subvertidos no seu rigor formal por sutis intervenções do artista. A partir de 1999, dentro de um processo contínuo de experimentação, ele começa a trabalhar com pedras de dominó que vão conferir a marca definitiva de sua obra. Sua produção constitui um conjunto original e único de desdobramentos, na atualidade, de questões fundadas pela tradição construtivo/concreta brasileira, produzindo, entretanto, uma geometria precária, acidental e contaminada pela consciência do aleatório no gesto humano e da fragilidade de sua presença no mundo.
Em composições emolduradas e colocadas sobre as paredes ou estendendo-se como grandes estruturas de plástico sobre o piso, cada peça é articulada não segundo as regas do jogo, mas seguindo outras regras de encadeamento, arbitrárias, definidas pelo artista a partir dos signos gráficos, cores, possibilidades de combinações e de movimentos. Como resultado, surgem surpreendentes composições, marcadas, simultaneamente, por cromatismos e movimentos (pintura), assim como por linhas e grafismos (desenho). Desse modo, José Patrício altera o entendimento não apenas das pedras do jogo de dominó, do uso que se faz delas, mas também do próprio conceito de pintura e de desenho, traduzido em uma superfície artificial, de plástico, industrial e distante das linguagens poéticas tradicionais. As pedras transformam-se em tapetes ou superfícies bordadas, que, pela predominância das formas espiraladas e vibrantes, põem o olho em movimento incessante sobre a superfície. É essa instabilidade mesma do olhar que assegura a esses trabalhos um lugar outro, fora das categorias rígidas que organizam as formas de representação. São espécies de híbridos entre pintura e desenho, entre superfície e objeto, entre criação e sistema de produção.
Por vezes o trabalho adota o formato de uma instalação, algo sítio específico, pensado e produzido para um espaço determinado, como o Octógono da Pinacoteca do Estado. Expansão múltiplaé uma mandala, ou um conjunto delas, pacientemente construído como um grande plano sobre o piso formado por quadrados de diversas dimensões, organizados por tonalidades e motivos em padrões magnetizadores. Justaposta de modo a criar uma superfície dinâmica e provocativa do olhar e da percepção, ela ocupa o interior do museu, alterando usos e circulação. Como um grande tapete a ser contemplado desde as extremidades, ou do segundo andar do edifício, esse plano capta e reflete todas as luzes e sombras que se movimentam pelo interior da galeria, marcando brilhos, pontuando grafias, revelando a sutileza das cores. De um lado, o caráter obsessivo do trabalho e a racionalidade do projeto desafiam a situação de exposição invertendo o modo tradicional de olhar pinturas no museu. De outro, funda um espaço de alegria quase infantil para o olhar.
Exposição
José Patrício: Expansão Múltipla, Projeto Octógono Arte Contemporânea. Pinacoteca do Estado, São Paulo, 11 de maio a 13 de julho de 2008.
sobre o autor
Ivo Mesquita é crítico de arte e historiador formado em jornalismo na ECA-USP. É curador do Projeto Octógono Arte Contemporânea.
Ivo Mesquita, São Paulo SP Brasil