A arquitetura moderna não fez parte, como se sabe, da Semana de 22, marco da absorção antropofágica do modernismo no país. Sua chegada deu-se um pouco adiante no tempo, pela mão de arquitetos como Gregori Warchavchik, Rino Levi, Lucio Costa, Flávio de Carvalho, entre alguns outros que, já em meados daquela década ou início da seguinte, quiseram adequar sua formação semi-acadêmica – obtida na Europa ou no Brasil – às práticas da modernidade estética.
Warchavchik é um caso especial dentro desse grupo de pioneiros pois, formado na Itália, chega ao Brasil em 1923 já com um repertório moderno relativamente consolidado, antes portanto de seus colegas arquitetos brasileiros de fato se terem a si próprios como modernos. Integra-se rapidamente, por meio de sua extensa obra construída e de seus escritos e militância profissional, ao grupo de intelectuais brasileiros que faria, nas décadas seguintes, da estética moderna – tanto na arquitetura como na cultura em geral – um fato do cotidiano, entranhado na vida das grandes metrópoles.
Também conjugou-se – a obra de Warchavchik – aos progressos da arquitetura moderna internacional (a própria arquitetura moderna brasileira como um todo foi, como sabemos, protagonista do modernismo arquitetônico internacional a partir da década de 1930), por meio do diálogo que estabeleceu, ao longo de visitas e contatos pessoais, com os que, como Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Richard Neutra, entre outros, produziram essa arquitetura moderna (inclusive escrevendo intensamente sobre ela, como foi o caso de Le Corbusier) ao longo da primeira metade do século XX.
Esta exposição marca a reabertura da casa modernista da Rua Santa Cruz à visitação pública. Projetada pelo arquiteto ucraniano naturalizado brasileiro Gregori Warchavchik e construída entre 1927 e 1928, é tida pela crítica de arquitetura como a primeira construção brasileira a empregar repertório formal integralmente moderno e, por essa qualidade, valorizada como marco estético de nossa modernização. Foi, também, a casa onde viveu durante toda a sua vida, com sua mulher Mina – que idealizou e implantou os jardins da casa, precursores de um abrasileiramento no trato paisagístico – e os filhos Anna Sonia e Mauris.
Gregori Warchavchik, nascido em 1896 na cidade de Odessa, veio a falecer em São Paulo em julho de 1972, deixando uma obra de importância ímpar na arquitetura moderna brasileira, ainda não completamente estudada, apesar das cuidadosas análises que vêm sendo publicadas recentemente e dos vários estudos e teses acadêmicas que, desde o estudo inaugural de Geraldo Ferraz, em 1956 na revista Habitat, enriquecem e possibilitam sua compreensão.
A casa da Rua Santa Cruz, com outras residências projetadas e construídas pelo arquiteto naqueles anos, constitui uma obra cuja importância foi imediatamente reconhecida – não sem discordâncias, é bom que se diga – gerando intensos debates entre os que, profissionais e intelectuais, se preocupavam, naquela época como hoje também, com a incorporação da modernidade (hoje pós-modernidade) entre nós.
Nesta exposição esta casa será cotejada com algumas outras casas da modernidade, de outros 8 arquitetos brasileiros e estrangeiros. A idéia é mostrar ao visitante um pouco da variedade inerente ao chamado “movimento moderno” na arquitetura da primeira metade do século XX. Contemporâneos de Gregori Warchavchik, mais ou menos jovens que ele, todos os arquitetos escolhidos conceberam e construíram espaços com alto grau de flexibilidade – embora sempre marcados por soluções singulares – como se pode ver pelas fotos que compõem a exposição.
Sabendo que essa flexibilidade é própria da arquitetura moderna o visitante poderá compreender e valorizar as mudanças que a casa da Rua Santa Cruz sofreu em 1935 na disposição e no tamanho dos aposentos e das áreas de circulação, na maior importância do acesso lateral em detrimento do frontal, na alteração de elementos da caixilharia e na redivisão dos dormitórios. Todas obedeceram a uma lógica que a construção já tinha e a obra, vista em sua transitoriedade, atesta de maneira ainda mais rica o valor dessa arquitetura frente à característica dinâmica, fluida e mutante da vida que São Paulo, e o país, passariam a conhecer a partir de então.
sobre o autor
Mauro Claro é arquiteto e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Mauro Claro , São Paulo SP Brasil