Dizer que Oscar Niemeyer era uma lenda viva seria uma afirmação incompleta. Sua vida se estendeu por mais de um século da história do mundo e sua carreira o levou para dentro e fora do "terceiro mundo" e às mais avançadas nações industriais. Niemeyer deixou um legado de cerca de 600 projetos em lugares tão distantes como Rio de Janeiro e Argélia, Pampulha e Paris, e uma série deles podem ser considerados obras primas, em particular, creio eu, o Cassino da Pampulha (1943) e a Casa das Canoas (1952) que combinou o rigor da estrutura moderna com a fluidez do espaço e da forma, e sensibilidade com a natureza. Niemeyer pertenceu ao que é às vezes chamado de "segunda geração" de arquitetos modernos, no sentido que ele herdou e transformou as descobertas dos pioneiros como Le Corbusier e Mies Van der Rohe para lidar com as realidades da rápida modernização em seu país, o Brasil. Ele trabalhou ao lado de Lucio Costa e Le Corbusier no projeto para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro em 1936, um dos primeiros arranha-céus a ser equipado com brises soleils, e um edifício que parece tão atual hoje quanto o foi no dia de sua construção. Subsequentemente ele desenvolveu uma arquitetura que trabalhou em todas as escalas, desde aquela da casa individual àquela do conjunto monumental: suas contribuições para a nova capital, Brasília, projetada nas décadas de 50 e 60 (plano básico de Lucio Costa) como o Palácio da Alvorada, o Presidencial, mostram que ele podia lidar com questões de monumentalidade e representação estatal com grande elegância.
Enquanto moderna e progressista em tom, a arquitetura de Niemeyer absorveu lições do passado e da natureza. Suas formas biomórficas eram inspiradas em parte por Picasso e Arp, mas também pela herança do Barroco no Brasil. Ele desenvolveu um estilo que tornou abstratas as formas dos rios sinuosos e os contornos da paisagem tropical, e aqueles da figura feminina. Sua arquitetura combinou curvas sensuais, materiais ricos, e movimento através de camadas do espaço. Seus edifícios se assemelham com filtros por meio dos quais o ar pode passar enquanto o calor e o brilho são excluídos por telas. Na "utopia" de Niemeyer o homem deveria supostamente alcançar harmonia com a natureza através da liberação do espaço e do uso da nova tecnologia – uma posição que expressava quase inconscientemente os mitos nacionais brasileiros de progresso e identidade. Um comunista que construiu casas para ricos, uma catedral, habitação social e edifícios para diversos estados burocráticos, Niemeyer não era nada além de ideologicamente consistente. Os mundos para os quais ele construiu faleceram mas seus edifícios permaneceram em toda a sua intrigante riqueza. Em direção ao fim ele foi algumas vezes culpado por um formalismo vazio e auto-caricato. Mas sua vasta obra inclui numerosos exemplos de sua fecunda imaginação espacial e habilidade para resolver problemas em todas as escalas. É como um livro aberto de lições e princípios arquitetônicos. Mais do que uma coleção de edifícios, Niemeyer deixa um criativo universo que é suscetível a influenciar os outros por mais um longo tempo que está por vir.
[Tradução Marina Rodrigues Amado]
notas
NE1
Publicação original: Guardian, London, 06 dec. 2012.
NE2
R.I.P. é uma abreviação para “requiescat in pace” (Latin), tradução para o português como "descance em paz".
NE3
O contato com o autor foi intermediado por Carlos Eduardo Comas, a quem os editores agradecem.
about the author
William J.R. Curtis, historiador, crítico, autor de Modern Architecture Since 1900.