O alojamento estudantil na Ciudad del Saber, Panamá (1), é uma grata surpresa para a arquitetura brasileira recente. Projetado por cinco jovens arquitetos formados nas escolas de arquitetura da USP (Eduardo Crafig, Juliana Garcias e Marcio Guarnieri), Mackenzie (Fabio Kassai) e FAAP (Gabriela Gurgel) entre o final dos anos 1990 e início dos 2000, foi pouco divulgado no país até o momento da sua inauguração, em 2014.
São muitas as características que fazem dessa obra um claro exemplar da arquitetura brasileira, e em especial paulista. A primeira, e mais evidente, é o rigor da volumetria em forma de caixa, associado ao uso franco de amplas superfícies de concreto armado e aparente. A segunda, mais profunda, se refere à decisão de definir os apartamentos como celas mínimas usadas apenas para dormir e para um estudo ligeiro, caracterizando o andar térreo como um generoso espaço de usos coletivos ligados ao estar, incluindo salas de leitura e equipamentos maiores, como refeitório.
O desenho geral e os detalhes de acabamento dos apartamentos são muito delicados. Os quartos abrem-se para varandas – algo muito acertado em um clima equatorial –, e fecham-se com grandes paineis de correr de chapa perfurada, que têm o tamanho do pé-direito inteiro do andar. E como os oito blocos edificados estão orientados transversalmente em relação à rua, os apartamentos se abrem não para o grande parque, atrás, e sim para pequenos jardins, definidos pelo intervalo de aproximadamente 15 metros entre os prédios, como singelos pátios internos. Esse sentido de acolhimento doméstico se completa pelo fato de que a galeria de circulação dos prédios fecha um dos lados desses 7 pátios em sequência, conformando-os como “Us” dotados de uma desejada intimidade. A fachada da rua é contínua e uniforme, constituída por uma trama horizontal ritmada, criada pelos leves brises metálicos dessa galeria de circulação.
Outro elemento de destaque é o inteligente sistema de ventilação natural, fundamental em um clima quente e úmido como o do Panamá. Pois a ventilação que entra pela fachada – pelas grandes aberturas formadas pelo sistema painel metálico/porta de vidro, além de grelhas metálicas entre os forros – escoa, por efeito chaminé, pelas claraboias do corredor central de circulação de cada prédio, assim como pelas janelas abertas no fundo desses corredores. Ainda, a água de chuva captada nas lajes de cobertura forma um colchão de isolamento térmico.
notas
NE – Este texto é desenvolvimento da justificativa de premiação presente na Ata de Premiação APCA 2014, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra, Fronteiras da arquitetura, Projeto urbano, Urbanidade, Narrativas urbanas, Difusão e Revelação – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo e Nadia Somekh. O crítico Renato Anelli não participou das deliberações finais por conflito de interesse, uma vez que estava em questão um nome de sua relação pessoal. A lista dos artigos referentes aos sete prêmios da Arquitetura é a seguinte:
SOMEKH, Nadia. Prêmio APCA 2014: Cristiano Mascaro. Categoria “Narrativas Urbanas”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.01, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
GUERRA, Abilio. Prêmio APCA 2014: Documentário Bernardes, direção de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros. Categoria “Difusão”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.02, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
WISNIK, Guilherme. Prêmio APCA 2014: Alojamento estudantil na Ciudad del Saber, Panamá – SIC Arquitetura. Categoria “Revelação”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.03, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2014: Reurbanização da favela do Sapé – Base 3 Arquitetos. Categoria “Urbanidade”, modalidade “Arquitetura e Urbanismo”. Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.04, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
VILLAC, Maria Isabel. Prêmio APCA 2014: "Maneiras de expor: a arquitetura expositiva de Lina Bo Bardi", curadoria de Giancarlo Latorraca, MCB. Categoria “Fronteiras da arquitetura”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.07, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
SERAPIÃO, Fernando. Prêmio APCA 2014: Ponte Bayer, passarela móvel sobre o canal Guarapiranga – Loeb Capote Arquitetura e Urbanismo. Categoria “Projeto urbano”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.08, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
1
O projeto foi publicado pelo Portal Vitruvius em 2008 e a obra construída em 2015. Ver: PORTAL VITRUVIUS. Fundación Ciudad del Saber. Concurso Internacional de Arquitectura. Projetos, São Paulo, ano 08, n. 092.02, Vitruvius, ago. 2008 <www.vitruvius.com.br>; PORTAL VITRUVIUS. La Fundación Ciudad del Saber. Projetos, São Paulo, ano 15, n. 169.04, Vitruvius, jan. 2015 <www.vitruvius.com.br>. Foi publicado também no Anuário 2014 da revista Monolito, p. 50-61.
sobre o autor
Guilherme Wisnik é arquiteto, crítico e curador. Autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001) e Estado crítico (Publifolha, 2009), é professor da FAUUSP, e foi o curador geral da 10a Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013).