O prêmio da APCA, edição 2014, para a categoria urbanidade na modalidade Arquitetura e Urbanismo foi conferido ao projeto Reurbanização da favela do Sapé, desenvolvido pelo escritório Base 3 arquitetos, liderado pelos profissionais: Catherine Otondo, Marina Mange Grinover e Jorge Pessoa de Carvalho, para uma iniciativa da Secretaria Municipal da Habitação.
O desafio deste projeto consistiu em qualificar uma área de preservação ambiental ocupada informalmente, removendo famílias da área de risco e recuperando a reserva natural, cuja complexidade da operação foi o estímulo criativo para o projeto.
A favela do Sapé, localizada no bairro do Rio Pequeno, sub-prefeitura do Butantã, começou a ser ocupada em 1962, e foi se estendendo – chegando a ter 80 mil m² – ao longo de um curso d’água natural perene e intermitente de 3,5 m de largura, cujas margens deveriam ser mantidas, conforme estabelece o Código Florestal Brasileiro, área de preservação permanente. O córrego foi transformado em coletor de esgoto, da vegetação natural nada restou e as margens estavam ocupadas por moradias. Por se tratar de um assentamento consolidado, e com a justificativa de que a remoção do alto número de famílias necessária para a desobstrução da área incorreria em custos sociais e financeiros, e a garantia de que o projeto trará melhorias nas condições ambientais da região, foi autorizado o recuo de uma vez e meia a largura do curso d’água, isto é, uma faixa marginal de 7m, que constituiu o elemento mais forte do projeto, cujo grande desafio foi reverter a sua condição de obstáculo e transformá-lo em um elemento de integração do território, articulando, tal como uma costura, as duas margens do rio, por meio de uma sucessão de pontes e espaços públicos que devem criar oportunidades de conexão, encontro social, vivência e troca.
O projeto envolveu a recuperação das águas e das margens do córrego Sapé, a sua canalização; a implantação de infraestrutura e saneamento – como redes de água e luz, sistema de tratamento de esgoto, contenção de áreas de risco, com a remoção das famílias dessas áreas, que demandou a construção de 700 novas unidades habitacionais, atendendo no total 3.000 famílias. A conexão da favela com a estrutura urbana adjacente buscando dissolver as fronteiras entre a cidade formal e informal, foi estruturada a partir da abertura e pavimentação de ruas, da criação de uma ciclovia ao longo da margem do rio integrada à rede municipal, e de um projeto paisagístico que recompõe a vegetação natural, cria praças de encontro e atividades de lazer.
A partir desse caminho verde foram implantados os conjuntos dos edifícios, de modo que todos lhe tenham acesso, além da entrada pela rua. As novas moradias, de 46 a 50m², têm quatro alternativas tipológicas: dois dormitórios, três dormitórios, duplex e unidade de acessibilidade integral, visando atender à diversidade de necessidades sociais e a articulação entre elas por meio de um sistema de circulação horizontal avarandado busca criar um espaço de convivência, que permite ampliar o ambiente cotidiano e facilitar a troca entre os moradores.
O resultado distingue-se pela criatividade do desenho proposto; pela capacidade de compreensão dos problemas apresentados; pela habilidade em conciliar as questões ambientais às necessidades sociais, articulando com sabedoria as escalas urbana e arquitetônica.
notas
NE – Este texto é desenvolvimento da justificativa de premiação presente na Ata de Premiação APCA 2014, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra, Fronteiras da arquitetura, Projeto urbano, Urbanidade, Narrativas urbanas, Difusão e Revelação – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo e Nadia Somekh. O crítico Renato Anelli não participou das deliberações finais por conflito de interesse, uma vez que estava em questão um nome de sua relação pessoal. A lista dos artigos referentes aos sete prêmios da Arquitetura é a seguinte:
SOMEKH, Nadia. Prêmio APCA 2014: Cristiano Mascaro. Categoria “Narrativas Urbanas”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.01, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
GUERRA, Abilio. Prêmio APCA 2014: Documentário Bernardes, direção de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros. Categoria “Difusão”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.02, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
WISNIK, Guilherme. Prêmio APCA 2014: Alojamento estudantil na Ciudad del Saber, Panamá – SIC Arquitetura. Categoria “Revelação”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.03, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2014: Reurbanização da favela do Sapé – Base 3 Arquitetos. Categoria “Urbanidade”, modalidade “Arquitetura e Urbanismo”. Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.04, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
VILLAC, Maria Isabel. Prêmio APCA 2014: "Maneiras de expor: a arquitetura expositiva de Lina Bo Bardi", curadoria de Giancarlo Latorraca, MCB. Categoria “Fronteiras da arquitetura”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.07, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
SERAPIÃO, Fernando. Prêmio APCA 2014: Ponte Bayer, passarela móvel sobre o canal Guarapiranga – Loeb Capote Arquitetura e Urbanismo. Categoria “Projeto urbano”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 15, n. 089.08, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br>.
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O projeto foi publicado pelo Portal Vitruvius. Ver: PORTAL VITRUVIUS. Reurbanização da favela do Sapé. Projetos, São Paulo, ano 15, n. 170.03, Vitruvius, fev. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/15.170/5441>.
sobre o autor
Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta, professora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo na área de história da arquitetura contemporânea, editora-chefe da Pós – Revista do Programa de Pós-graduação da FAU-USP, ex-conselheira do Conpresp.