A linda praça em São Paulo que era também uma peça de propaganda da Editora Abril, teve sua gestão e manutenção entregues à Subprefeitura de Pinheiros no primeiro dia deste ano (1). É de se esperar que a agenda de peças teatrais, contação de histórias e pequenos shows seja reduzida (a zero). As visitas de escolas em que se abordava a questão do lixo também devem sofrer. E o que será dos sofisticados decks de madeira?
Projeto das arquitetas Adriana Levisky e Anna Julia Dietzsch (2) inaugurado em 2008, a Praça Victor Civita (3) presenteou São Paulo com decks suspensos de madeira que, ao invés de terminarem retos, como seria o convencional, enrolam-se em curvas que se transformam em bancos, guarda-corpos e coberturas. Sob essas coberturas há estação de ginástica, palco e plateia. Tudo elevado do solo, que estava contaminado porque ali funcionou um incinerador de lixo.
O visitante nunca tem contato com o solo. No sopé das árvores existentes foram feitos canteiros com tampas de grade. Os jardins novos e as hortas foram plantados sobre uma base de ardósia isolada do antigo chão. E o passeio é mesmo sobre o deck de madeira. O edifício existente virou uma espécie de museu discreto da Editora Abril e era mais uma atração para descanso, lazer e banheiros limpos.
No link abaixo, Edison Veiga, do Estadão, anunciou o fim da parceria que viabilizou a praça, firmada em 2007 entre o Grupo Abril, que está ainda instalado no terreno ao lado, e a Prefeitura de São Paulo. O site da associação informa: “Embora todas as atividades oferecidas venham de forma graciosa, manter uma estrutura com tantas particularidades exige tratamento diferenciado, o que custa alguns milhares de reais por mês. Seria de se estranhar se a crise que o país enfrenta não nos atingisse. Perdermos empresas parceiras mantenedoras e outras não aderiram ao projeto” (4). O valor gasto na manutenção não foi informado com precisão.
O grande problema é que a praça é de difícil acesso, o que era compensado pela gestão privada, que montava essa agenda de atividades e cuidava da estrutura física com um zelo que não é comum à gestão pública de espaços livres. Quando não recebia nenhuma atividade, o local era pouco frequentado. A praça também não é cercada por ruas, ela dá frente para uma única rua local (como um lote), com quase nenhuma passagem de pedestres. A passagem de pessoas ajuda a inibir violência e vandalismo. Sem o mesmo uso e sem os “padrinhos” que lhe faziam uma manutenção, o risco de degradação é iminente.
O projeto de praça que lá está implantado não é o mais adequado à estrutura de manutenção do poder público, mas é um primor arquitetônico-paisagístico. A transferência de uma repartição pública para o edifício seria capaz garantir um maior uso público? Será que a sociedade terá interesse e recursos para mantê-lo? A chance de sobrevida parece residir numa nova adoção.
notas
NA – publicação original: SAKATA, Francine. Qual será o futuro da Praça Victor Civita? Blog da paisagem <https://blogdapaisagem.wordpress.com/2016/01/03/qual-sera-o-futuro-da-praca-victor-civita/>.
1
BARBOZA, Elisabeth; PAIVA, Maiara. Associação Amigos da Praça Victor Civita encerra um ciclo. Website oficial da Praça Victor Civita, 21 dez. 2015 <http://pracavictorcivita.org.br/2015/12/21/associacao-amigos-da-praca-victor-civita-encerra-um-ciclo/>.
2
GUERRA, Abilio; SILVA, Aline Alcântara. Conversa com Anna Julia Dietzsch. Praça Victor Civita – Museu Aberto da Sustentabilidade. Projetos, São Paulo, ano 11, n. 126.03, Vitruvius, jun. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.126/3946>.
3
PORTAL VITRUVIUS. Praça Victor Civita – Museu Aberto da Sustentabilidade. Projetos, São Paulo, ano 09, n. 106.03, Vitruvius, out. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/09.106/2983>.
4
VEIGA, Edison. Abril encerra parceria na Praça Victor Civita. Blogs Estadão – Edison Veiga, 1 jan. 2016 <http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/edison-veiga/abril-encerra-parceria-na-praca-victor-civita/>. Sobre a parceria público-privado, ver CALLIARI, Mauro. Praça Victor Civita. Um espaço público de qualidade numa antiga área degradada. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 166.02, Vitruvius, out. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.166/5354>.
sobre a autora
Francine Gramacho Sakata é arquiteta e urbanista. É pesquisadora do projeto Quapá – Quadro do Paisagismo no Brasil e autora dos livros Parques Urbanos no Brasil (com Silvio Soares Macedo, Edusp, 2002) e Paisagismo urbano – requalificação e criação de imagens” (Edusp, 2011). Atualmente coordena o Núcleo São Paulo da ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas e desenvolve pesquisa de doutorado, com o tema parques urbanos brasileiros, de 2000 a 2015.Com Fábio Namiki e Fábio Robba, é sócia da NK&F Arquitetura da Paisagem.