O texto a seguir surgiu a partir de pensamentos pessoas diários, a partir das experiências vividas como cidadã somadas às reflexões acadêmicas e profissionais que a graduação e vida profissional me proporcionaram. As reflexões estão diretamente ligadas à Campinas, cidade onde nasci, residi e fortaleci tais questionamentos pessoais.
A cidade é produto das dinâmicas que acontecem em seu espaço, considerando tanto as áreas privativas como as interações em espaços públicos. Circulação, observação, interação são indícios constantes na vivência do espaço, que se dão nas várias formas de espaços públicos – ruas, jardins, praças, espaços de convivência em geral.
Tais características, porém, se associam atualmente às mudanças que as cidades passam, resultantes da globalização e novas práticas culturais, mudanças em mobilidade e até mesmo mudanças nas ações quotidianas. O mote dos espaços públicos também é resultado de tais transformações territoriais, que se apresentam a partir de novas centralidades, novas formas de socialização e comunicação, influências construtivas e pelo uso generalizado do automóvel (1).
Podemos entender, nas dinâmicas mercadológicas da produção do espaço atual que, o mesmo é destinado a poucos atores. Os proprietários fundiários e os produtores imobiliários são os responsáveis por moldar o espaço de acordo com as demandas referentes as classes de médio e alto poder de aquisição (2). Dessa forma, entende-se que essa produção espacial está ligada intrinsecamente as dinâmicas capitalistas e as mudanças de necessidades de seus atores.
A expansão urbana no município de Campinas também foi regrada a partir dos interesses da burguesia que, com o advento do automóvel, pode se retirar de um centro consolidado e estabelecido para uma periferia ainda passível de ocupação. Dessa forma, a malha urbana de Campinas, assim como no estado paulista a partir da década de 1970, foi sendo expandida através de um processo não contínuo e criando dinâmicas urbanas em torno de núcleos distantes da área central (3), atraindo cada vez mais as classes abastadas para a excentricidade do município.
Já no final do século, na década de 1990, com a permissividade municipal da criação de fechamentos individuais para os loteamentos, foi consolidado um produto que supostamente responderia às necessidades das classes com maior poder aquisitivo, solucionando os problemas relacionadas a violência e qualidade de vida, uma vez que o acesso a tais áreas teria um controle legal.
A expansão dos loteamentos fechados voltados para atender a população de alta renda em Campinas se deu nos sentidos norte e leste do municipio, onde hoje se encontram a população com maior concentração de renda. Com a abertura da Rodovia Dom Pedro I, o processo de expansão do eixo norte-nordeste do município se intensificou, com a instalação de hipermercados, universidades. Como o valor da região era elevado, o lançamento de vários loteamentos na região foram limitados para a classe alta (4).
A partir da análise das dinâmicas atuantes no processo de urbanização de Campinas nas últimas décadas, busca-se refletir essa análise na escala da produção do espaço público. As novas demandas e necessidades dos usuários que configuraram a nova conformação urbana e, ate mesmo as próprias relações sociais que foram estabelecidas ao longo desse processo, podem ser entendidas como atuantes diretos na produção do espaço público.
Ao longo da história, o espaço público exerceu um papel fundamental e foi usado como núcleo geográfico da vida social, cultural e das relações comerciais das cidades. Os espaços foram responsáveis por permitir produção cultural e relações que nortearam a vida social e mantiveram ao longo do curso histórico, a ideia da convivência humana.
Atualmente, com a tecnologia existente e com as novas formas de morar na cidade, os espaços públicos dependem das dinâmicas vividas pelos seus usuários e pelas escolhas dos tipos de interação que serão responsáveis pela sua vida social.
Nos casos de loteamentos fechados, a autorização de um fechamento e consequentemente, um controle nos acessos dos usuários, limita quem serão os usuários dos espaços públicos ali existentes. Praças, ruas, jardins, áreas institucionais para escolas/postos de saúde, etc. Na produção de novos loteamentos abertos, a utilização dos espaços públicos não deveria ser considerada apenas como direito dos moradores no empreendimento/novo bairro produzido, mas também das demandas do entorno, uma vez que os loteamentos não são, originariamente, células isoladas com atendimentos das necessidades apenas dos moradores do bairro/empreendimento. As trocas de serviços e oportunidades entre bairros se fazem presentes em todo o processo de formação e utilização do mesmo, mas no caso dos loteamentos fechados, limitam-se como usuários apenas seus moradores e usuários esporádicos – convidados a acessar o espaço e, assim, as interações sociais que acontecem são entre esses únicos usuários.
Como parte das experiências que as cidades oferecem como nós, cidadãos, a interação e a absorção de diferentes costumes, experiências culturais e modos de viver é uma delas, interação essa que se dá no transporte público, nas ruas, nas praças e no caminhar através da cidade. As barreiras físicas que fecham os loteamentos – que muitas vezes passam a se apresentar também como barreiras psicológicos – controlam e/ou impedem acessos dos mais diversos usuários da cidade, limitando-os tanto em questões financeiras como culturais. Essas limitações podem criar a tal sensação de proteção e segurança aos moradores que optam por essa forma de morar, entretanto, criam-se espaços de integração que tem sua função social negada à todos os usuários da cidade. Assim, como questionamento pessoal, indago-me se nas interações sociais internas à um loteamento fechado, é valido considerar como total o aproveitamento das experiências de trocas pessoais, uma vez que o núcleo de usuários do espaço se torna mais homogêneo e semelhante entre si?
As divagações aqui apresentadas não visam discutir e/ou questionar a legalidade e ações regulatórias dos loteamentos fechados, mas sim expor indagações pessoais relacionadas aos espaços públicos dentro desses empreendimentos, de forma que sua denominação originária não perca tal essência.
notas
NA – Trechos desse material foram utilizados como parte do projeto de pesquisa para inscrição no processo seletivo de 2016, do Programa de Pós Graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp.
1
MATOS, Fátima Loureiro de. Espaços públicos e qualidade de vida nas cidades – o caso da Cidade Porto. Observatorium – revista eletrônica de geografia, v. 2, n. 4, p. 17-33, jul. 2010.
2
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo, Ática, 2002.
3
REIS, Nestor Goulart. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano. São Paulo, Via das Artes, 2006.
4
MÍTICA NETO, Hélio. Urbanização em Campinas: mudanças no tecido urbano no entorno da Rodovia Dom Pedro I. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2008.
sobre a autora
Carolina Guida Cardoso do Carmo é arquiteta urbanista, formada pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio em 2013. Com experiência na área de urbanização e parcelamento do solo, interessa-se pelas questões relacionadas as atuais condições dos espaços públicos e relações sociais.