A cada nova eleição renovam-se as esperanças de que algo de mais efetivo vá ser feito no combate às enchentes que castigam a Bacia do Alto Tietê, o que vale dizer, a Região Metropolitana de São Paulo. Mas para que essa expectativa realmente se concretizasse seria essencial, como ponto de partida, que as novas autoridades definitivamente se convencessem do enorme fracasso da atual e velha estratégia de combate às enchentes centrada essencialmente na ampliação das calhas dos rios principais e na implantação de piscinões.
Mais, também seria indispensável que as novas autoridades reunissem a grandeza e a coragem cívicas para confrontar os grandes interesses empresariais privados que se estabeleceram no atendimento da referida velha estratégia.
Houve uma leve esperança que a eleição de Fernando Haddad pudesse vir a significar uma saudável mudança de rota na gestão do problema. Doce ilusão que se desfez logo aos primeiros meses de sua administração, quando ficou a todo o meio técnico bastante claro que o novo prefeito de São Paulo havia feito, nessa matéria, a comum opção pelo acomodamento aos interesses estabelecidos.
Tudo indica que na gestão Dória sequer a ingênua ilusão de alterações na estratégia
se faça presente, uma vez que o novo prefeito acaba de anunciar o foco estratégico de seu programa de combate às enchentes: a construção de algumas dezenas de novos piscinões. Quando se sabe que a decisão pela implantação de um piscinão, pelos enormes males que causa à cidade, deveria ser a última das últimas alternativas, e não o carro chefe de um programa.
Bom relembrar a equação básica das enchentes urbanas: “volumes crescentemente maiores de águas pluviais, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”. Ou seja, a cidade, por força de sua impermeabilização, perde a capacidade de reter as águas de chuva, lançando-as em grandes volumes e rapidamente sobre um sistema de drenagem – valetas, galerias, bueiros, córregos, rios – que já não consegue mais lhes dar a devida vazão. Aí, as enchentes.
Excessiva canalização de córregos e o enorme assoreamento de todo o sistema de drenagem por sedimentos oriundos de processos erosivos urbanos e por toda ordem de entulhos de construção civil e lixo urbano compõem fatores adicionais que contribuem diretamente com o desastre. Essa mesma equação macabra vale para a maior parte das enchentes urbanas em cidades brasileiras.
Ou seja, sem a eliminação das causas da doença, não há como curar o doente. Mas a quem interessa, senão somente à sociedade, o combate à erosão e a decorrente redução do assoreamento de nossos rios? Certamente os interessados não seriam aqueles que faturam alto com as infindáveis operações de desassoreamento e ampliação das calhas do Tietê e afluentes. A quem interessa promover medidas voltadas ao aumento da capacidade de retenção de águas de chuva – reservatórios domésticos e empresariais para acumulação e infiltração de águas de chuva, calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, multiplicação dos bosques florestados por todo o espaço urbano etc.? Certamente não estariam entre os interessados aqueles que hoje se beneficiam da contratação de projetos, da execução e da manutenção de piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, financeiros, sanitários e ambientais.
Essa é a cristalina verdade, e, como Ele nos disse, somente ela nos libertará.
sobre o autor
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia, autor dos livros Geologia de engenharia: conceitos, método e prática, A grande barreira da Serra do Mar, Cubatão, Diálogos geológicos, entre outros, e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.