“concluí que fazendeiro-mór é sujeito da terra definitivo, mas que jagunço não passa de ser homem muito provisório”
Grande Sertão: veredas, João Guimarães Rosa
Nunca fui de muitas coragens. Na vida, acautelei-me mais do que arrisquei. Mas o repentino me encantoou. Reagi e falei com uma voz que não era minha: – posso olhar seu carro patrão?
Vagava em vão, no solzão, na chuva, no chão e no asfalto, nas noites frias e claras, nas escuras sem lua. Não me encontrava, perseguindo chamadas de emprego ou trabalho qualquer. Cansado, quedei numa esquina e deixei o tempo passar sem me cobrar. Consumi, perdulário, o que tinha de sobra: o tempo. Deixei escorrer e varei horas sem arredar o pé, sem mais percorrer ruas. Senti a demora do tempo com certo gosto de vitória, fazendo testemunho da permuta das coisas e das gentes, todas com as suas horinhas de acontecer e passar. Como aquele cachorro que não se apressa e mantém sua lentidão dorminhosa a despeito de tudo. Cansei de errar e gostei de sentir o tempo errar em mim.
Difícil arrumar trabalho com esse meu nome. Esse meu nome escrito no documento. Erraram no meu nome. Se outro nome tivesse, teria me tornado outra pessoa? Penso que sim. Um nome é quase um destino. Invejo nomes solenes, sonoros, singelos, simples, sinceros, são tantos somados que hesito nomeando-me com a procura de um personagem que me tome, que me vista, que me dê rumo, sentido, direção, que me devolva o futuro e o passado, que me substantive e adjetive, que me acompanhe como um amigo.
O patrão voltou e me deu 10 reais.
nota
NE – Terceiro texto da série Homens Provisórios, que conta com os seguintes artigos publicados:
JORGE, Luís Antônio. O Papai Noel. Homens provisórios 1. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 117.06, Vitruvius, dez. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.117/6337>.
JORGE, Luís Antônio. O vendedor de doçura. Homens provisórios 2. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 118.04, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.118/6362>.
JORGE, Luís Antônio. O vigia acidental. Homens provisórios 3. Drops, São Paulo, ano 17, n. 112.05, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.112/6382>.
JORGE, Luís Antônio. Rosalina, a florista ambulante. Homens provisórios 4. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 119.05, Vitruvius, fev. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.119/6414>.
JORGE, Luís Antônio. O poeta da Paulista. Homens provisórios 5. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 120.04, Vitruvius, mar. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.120/6451>.
JORGE, Luís Antônio. Cassandoca, a catadora da Mooca. Homens provisórios 6. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 122.02, Vitruvius, maio 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.122/6533>.
JORGE, Luís Antônio. O marceneiro Messias. Homens provisórios 7. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 127.03, Vitruvius, out. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.127/6725>.
JORGE, Luís Antônio. Estela, a escova, os sons e os sapatos. Homens provisórios 8. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 131.08, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.131/6887>.
JORGE, Luís Antônio. Cida e a cidade desaparecida. Homens provisórios 9. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 136.06, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.136/7061>.
sobre o autor
Luís Antônio Jorge, homem que fez da fronteira seu lugar de residência – meio paulista, meio mineiro – gosta do Brasil, de arquitetura e de literatura.