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drops ISSN 2175-6716

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Nilce Aravecchia Botas comenta a obra do historiador da arquitetura e do urbanismo Leonardo Benevolo, recém-falecido, trazendo à tona a relevância de uma obra muitas vezes classificada como excessivamente superficial.

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BOTAS, Nilce Aravecchia. Foi-se Leonardo Benevolo, ficaram os desafios propostos por ele. Drops, São Paulo, ano 17, n. 112.08, Vitruvius, jan. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.112/6386>.


Fotograma da entrevista de Leonardo Benevolo a F. Erbani
Foto divulgação


Quando ingressei no curso de arquitetura e urbanismo da USP de São Carlos em 1995, logo fui apresentada à Leonardo Benevolo. Essa bibliografia, considerada básica, desde então acompanhou minha formação e toda minha trajetória acadêmica, incluindo o mestrado e o doutorado. Certamente foi assim com inúmeros estudantes de arquitetura, pesquisadores e acadêmicos no mundo todo desde a década de 1970.

Nascido em Orta San Giulio, província de Novara, em 1923, Benevolo formou-se em arquitetura em 1946 na Universidade de Roma, e depois foi professor de história da arquitetura (em Roma, Florença, Veneza e Palermo). Membro do grupo de influentes historiadores italianos, junto com Giulio Carlo Argan, Bruno Zevi e Manfredo Tafuri, protagonizou um dos episódios mais intensos da produção teórica de arquitetura e urbanismo do século 20. Nesse processo, em que muitas vezes se contrapôs fortemente a esses autores, sobretudo a Tafuri, sua participação foi caracterizada pela defesa de um papel ativo da história na formação de arquitetos e urbanistas.

Além de pesquisador e docente, numa clara disposição em reunir sua produção teórica com a prática profissional, participou da elaboração de planos urbanos para Brescia, Roma e Urbino, entre outras cidades, que envolveram organismos estatais, em colaboração com universidades, e escritórios de planejamento.

Mas foi por meio de sua produção historiográfica que nos aproximamos mais de Benevolo. A revolução tecnológica, a cidade industrial, a transformação da disciplina arquitetônica desde o século 18, o nascimento do urbanismo moderno. Para entender tudo isso passamos por Leonardo Benevolo e por seus grandes livros.

Por mais que tenha sido criticado pelas “facilidades” de seus compêndios, fato é que poucos acadêmicos tiveram sua excepcional preocupação didática e sua disposição em se manter engajado na historiografia e na crítica de arquitetura e de urbanismo. Assim, arriscou-se até o final de sua atividade com novas leituras, talvez menos inovadoras, mesmo depois de consagrado por trabalhos considerados clássicos. Mas em realidade, suas histórias panorâmicas nada têm de fácil, já que oferecem inúmeras chaves de leitura. Foram elas que estiveram e continuam presentes em nosso cotidiano de estudo da história da arquitetura e do urbanismo, lançando-nos novas possibilidades de interpretação.

Seu História da arquitetura moderna (primeira edição italiana de 1960) é uma introdução para as questões da arquitetura ocidental desde o século 18, mas é também a história reflexiva sobre o distanciamento entre trabalho intelectual e trabalho manual. Nesse sentido, apresenta-se em diversas passagens como uma crítica contundente à dimensão ideológica da disciplina, que é também a temática central de "Origens da Urbanística Moderna" (primeira edição italiana, 1963). Nessa obra, num aprofundamento mais específico sobre os acontecimentos que para ele, caracterizaram a fundação da disciplina urbanística, seguiu à risca seu compromisso dialético, sendo capaz de antever no "Manifesto Comunista" o rompimento entre as dimensões crítica e propositiva do urbanismo. Ainda que o historiador tenha se posicionado e engajado na defesa do movimento moderno, jamais abriu mão das categorias marxistas, propondo sempre o exercício da consciência crítica acerca dos processos capitalistas da cidade.

Tal esforço fica evidente na nota que abre a quarta edição de História da arquitetura moderna (lançado no Brasil pela Perspectiva em 1976), quando fala das várias versões realizadas para a obra ao longo de mais de uma década, menciona já naquela altura de meados da década de 1970 quais seriam os dois grandes desafios da arquitetura: conhecer objetivamente a estrutura de poder da cidade capitalista “retirando-se a cobertura cultural que a protege”; e “representar claramente, na teoria e na prática, os modelos espaciais alternativos” para que os grupos realmente interessados na modificação estrutural da cidade “possam organizar-se em torno de propostas precisas e tecnicamente fundamentadas”.

Sua história foi por isso chamada de “operativa”. Entretanto, a passagem transcrita revela que os fundamentos da contraposição dos que vieram a advogar a independência da história em relação à prática arquitetônica estavam ali, dialeticamente presentes, na consciência crítica ensejada pela própria obra de Benevolo. Ao mesmo tempo, ele foi capaz de mostrar que essa mesma consciência crítica, tão incentivada, ao nos colocar diante das contradições capitalistas, muitas vezes pode obstaculizar a ação, apontando a necessidade de ter coragem para aceitar o desafio de seguir adiante.

Em que pese a visão eurocêntrica que marcou os seus livros, foi por meio da abundante iconografia presente em seu História da cidade (primeira edição italiana de 1975) que pudemos tomar contato mais direto com a construção dita popular. Construído com afinco e preocupação didática, esse trabalho de pesquisa exemplar incluiu desde a história de cidades milenares do Oriente até a morfologia dos bairros precários resultantes da explosão demográfica das cidades latino-americanas no segundo pós-guerra. Colocando ao lado de cânones e grandes monumentos, as manifestações vernaculares e espontâneas para a solução habitacional nas cidades, esse outro clássico de Benevolo lançou aos estudiosos da arquitetura e do urbanismo a possibilidade de outras interpretações historiográficas. Seu trabalho foi levado adiante, contradito, transformado – e exatamente por isso, cabe-lhe o título de mestre educador. Mas sua obra tem lugar histórico e merece um destaque livre de julgamentos anacrônicos.

Como historiador italiano, carregava o espírito “gramsciano”: pessimista na razão, otimista na vontade. Sua trajetória deve nos inspirar nesse momento em que a guinada conservadora toma conta do mundo. Benevolo, até o fim depositou na arquitetura e no urbanismo um potencial transformador, ao contrário das posturas de abandono deliberado dessa dimensão, tão em voga hoje em nosso campo disciplinar.

O falecimento de Leonardo Benevolo em cinco de janeiro último, aos 93 anos, traz pesar como toda perda dessa envergadura, mas a leitura crítica de sua obra e trajetória é a melhor maneira de homenageá-lo. Empenhar-se nessa prática é uma forma de aceitar o desafio sempre proposto por ele: apostar na dimensão transformadora tanto das nossas disciplinas quanto da construção de sua história.

sobre a autora

Nilce Aravecchia Botas é professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU USP. Arquiteta e urbanista pela EESC USP (2000), mestre pela EESC USP (2005) e doutora pela FAU USP (2011). É autora de Estado, arquitetura e desenvolvimento: a ação habitacional do Iapi (Editora Fap Unifesp, 2016).

BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo, Perspectiva, 1976
Imagem divulgação

BENEVOLO, Leonardo. Origens da urbanística moderna. Lisboa, Presença, 1994
Imagem divulgação

BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. São Paulo, Perspectiva, 1983
Imagem divulgação

 

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