Raízes industriais
Projetar, no século 21, uma escola para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em um dos municípios que é referência na história da industrialização brasileira – São Caetano do Sul –é não apenas uma feliz coincidência, mas um desafio complexo. Se por um lado constitui uma condição histórica privilegiada, por outro, sua inserção no debate contemporâneo requer um olhar de Janus – sensibilidade ao existente e disposição para avançar ao futuro. Claudia Nucci e Valério Pietraróia, arquitetos do escritório NPC – Grupo Arquitetura, responderam a essa tarefa com um projeto que se destaca na produção de 2016: uma arquitetura que não nega suas raízes e se impõe com evidente atualidade.
A arquitetura hoje ultrapassa as tradicionais questões estéticas e construtivas, podendo ser também o modo como compreendemos o ambiente que nos cerca. Esta escola, localizada na divisa dos municípios de Santo André e São Caetano do Sul, com entrada por ambos, pode constituir um elo estratégico de integração intermunicipal, como o projeto claramente propicia –, resultado da atenta leitura que os arquitetos fizeram da situação urbana, das condições topográficas e da vegetação existente. Apesar do grande desnível, a implantação do conjunto escolar foi perspicaz para garantir, por meio de uma passarela, a continuidade do espaço público nas áreas didáticas. Acompanhando a topografia, uma praça elevada e um pátio descoberto fazem a ligação com o bloco do refeitório, do auditório e da quadra coberta, que integram as demais áreas de convivência circundadas por uma densa vegetação. A incorporação das antigas árvores de grande porte, que não eram poucas, como um dado de projeto, tirando delas o melhor proveito no processo criativo, revela a preocupação não apenas com as questões ambientais atuais, mas com o papel da própria arquitetura na conformação da paisagem urbana.
Especializada em tecnologia mecatrônica, esta escola atende à crescente demanda das indústrias por profissionais especializados. O programa, distribuído em quatro blocos interligados pelos pátios e pelas passarelas avarandadas, é composto pelas salas de aula e também por grandes laboratórios com equipamentos de última geração, onde se desenvolve a maior parte das atividades didáticas.
Explorando recursos da consagrada produção paulista – como a racionalidade e a simplicidade, os volumes prismáticos integrados por amplos espaços de convivência, bem como o uso restrito de materiais –, os arquitetos explicitam suas origens. O sistema construtivo da estrutura e dos painéis de vedação, baseado na pré-fabricação em concreto, foi tantas vezes ensaiado pelos arquitetos paulistas, nem sempre com sucesso, e aqui foi plenamente executado. Enquanto os brises de madeira resgatam obras modernas paradigmáticas, a cobertura e as escadas em estrutura metálica consolidam novas combinações construtivas.
Sem se mimetizar – pelo contrário, a transparência dos espaços expõe dialeticamente o contraste entre a exuberância do jardim e alta tecnologia dos equipamentos –, a escola estabelece uma forte relação de pertencimento a esse lugar, como se sempre aí estivesse estado.
nota
NE – O número especial da revista Drops dedicado à premiação da modalidade Arquitetura e Urbanismo da APCA conta com os seguintes artigos:
GUERRA, Abilio. Arquitetura e Urbanismo na premiação da Associação Paulista de Críticos de Arte. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.01, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6488>.
RECAMÁN, Luiz. Prêmio APCA 2016: Sergio Ferro. Categoria “Trajetória". Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.02, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6489>.
WISNIK, Guilherme. Prêmio APCA 2016: Projeto Ruas Abertas – Avenida Paulista / Fernando Haddad. Categoria “Urbanidade”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.03, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6490>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2016: Escola Senai São Caetano do Sul / Claudia Nucci e Valério Pietraróia – NPC Grupo Arquitetura. Categoria “Obra de Arquitetura”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.04, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6491>.
SEGAWA, Hugo. Prêmio APCA 2016: Luciano Brito Galeria – antiga Residência Castor Delgado Perez / Piratininga Arquitetos e outros. Categoria “Preservação de Patrimônio Moderno”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.05, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6492>.
KOGAN, Gabriel. Prêmio APCA 2016: Atlas fotográfico da cidade de São Paulo e arredores / Tuca Vieira. Categoria “Pesquisa”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.06, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6493>.
VILLAC, Maria Isabel. Prêmio APCA 2016: Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos / Fernando Meirelles, Daniela Thomas e Andrucha Waddington. Categoria “Fronteiras da Arquitetura”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.07, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6494>.
PERROTTA-BOSCH, Francesco. Prêmio APCA 2016: Ocupação Hotel Cambridge / Carmen Silva, Pitchou Luambo, Juliana Caffé, Yudi Rafael e Alex Flynn. Categoria “Apropriação Urbana”. Drops, São Paulo, ano 17, n. 115.08, Vitruvius, abr. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.115/6495>.
sobre a autora
Mônica Junqueira de Camargo é arquiteta e professora na FAU USP.