Mais do que um sonho, esta era a sua obsessão. Dedicou toda a vida profissional a este ideal. Na verdade, hipotecou todo o tempo a esta luta, pois não fazia distinção entre o trabalho e o ócio. Consumia as poucas horas livres em elucubrações destinadas à construção de narrativas voltadas à concretização de seus projetos. Era incansável. Viveu para levar a arquitetura a quem mais precisava. E avaliando os impactos sociais de sua vasta obra, não resta dúvida: cumpriu com distinção a missão a que se impôs. Falo do arquiteto greco-iguaçuano Demetre Basile Anastassakis, falecido no último sábado, aos 71 anos de idade.
Precisou e soube manejar todos os fundamentos da arte de projetar e construir para provar que era, não só possível como viável, fazer a opção preferencial pelos mais pobres. Servir à causa da produção em escala da moradia digna, sem abrir mão do protagonismo do projeto de arquitetura, e demonstrando que a qualidade da habitação popular e seu custo de produção não são possibilidades incompatíveis. Em toda a sua vasta obra nunca se deixou vencer por esse falso antagonismo. Perdeu clientes e oportunidades por nunca ceder na altivez do papel do arquiteto e nas sólidas convicções sobre o papel social da arquitetura.
Respeitava a arquitetura dos edifícios emblemáticos, tirou de alguns deles até lições, mas seu foco era o abrigo dos sem-teto, dos moradores das periferias e das favelas. Produziu para eles soluções de urbanização, reassentamento e, principalmente, de grupamentos habitacionais. Fez também planos diretores calcados na mesma crença: a de que é possível e urgente fazer cidade para todos. Em cada intervenção, deixou a marca do diálogo com os destinatários. Em cada projeto, uma silhueta única, ainda que os elementos construtivos fossem os mesmos.
Perseguia a melhor solução à exaustão. Não se importava com o tempo e com os gastos do ato de projetar. O resultado precisava lhe encantar. Fazia dos blocos de Lego um aliado inseparável. Até em mesas de bar foi flagrado compondo maquetes com eles. O projeto da vez consumia toda sua atenção e conhecimento. Pode-se dizer que em cada grupamento habitacional produzido, ele empregou tudo o que dispunha.
Mas soube desde sempre que este seu ideal exigia luta em outros campos, além dos domínios de seu escritório. Fez, então, do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB uma grande trincheira para difundir suas ideias e angariar adeptos. Doou tempo e talento político para ajudar a promover avanços, tanto nas políticas públicas quanto na compreensão da sociedade sobre as urgências da cidade e de seus moradores mais necessitados. Empenhou-se de modo intenso na criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU e, na semana de sua morte, participou de mais uma dessas reuniões de órgãos de classe. Justo dizer, ele nunca abandonou o front. Era um abnegado.
E nesta trajetória soube fazer amigos, e muitos. O trabalho funcionou como pretexto. Sua generosidade e respeito à divergência alimentou as relações. Quase impossível guardar raiva dele. Era até sábado último, quando nos deixou, um homem com coração de menino. Decerto teria dificuldades de viver nos tempos atuais, pois fazia do diálogo e do confronto de ideias uma prática de vida. Sua obra arquitetônica é fruto deste admirável jeito de ser. A nós, seus amigos, resta a imensa gratidão por ter recebido dele tanto ensinamento e estímulo.
sobre o autor
Vicente Loureiro, arquiteto, é diretor da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Estado do Rio de Janeiro.