O recente surto de queimadas na Amazônia provocou muita fumaça. Tanto a fumaça real que escureceu o céu de São Paulo às três da tarde quanto fumaça comunicativa no debate que opôs, para satisfação dos dois, os presidentes da França e do Brasil.
De um lado, Emmanuel Macron, que anos atrás a plutocracia brasileira saudou como seu sonho de consumo: um liberal moderno e popular, uma espécie de Partido Novo (ou Luciano Huck) com capacidade de articulação e voto.
De outro, Jair Bolsonaro, que os mesmos donos do dinheiro decidiram avalizar como mal menor frente à possibilidade de nova vitória da esquerda, na esperança de que seu raivoso despreparo seria controlado pelos militares, por Paulo Guedes e por Moro.
A ação e o discurso de Bolsonaro frente às queimadas, às terras indígenas, à pressão sobre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – órgão de controle do desmatamento respeitado internacionalmente – ofereceu o discurso que Macron, em dificuldades internas frente à revolta dos chamados “coletes amarelos”, precisava para voltar a aparecer como líder moderno e internacional, ávido pelo apoio do forte movimento verde europeu.
Por sua vez, o afã de protagonismo de Macron, que chegou a sugerir um controle internacional sobre a Amazônia, ofereceu a Bolsonaro e aos generais de seu desgoverno o mote para tentar resgatar um nacionalismo dos trouxas, que se empolgam com argumentos de soberania nacional vindos de quem já avisou aos quatros ventos que “está tudo à venda”.
Mas quem, por dever de ofício, tem que pensar além da fumaça, alerta que existe fogo também. Cientistas e ONGs – ridiculamente acusadas de serem as culpadas pelos incêndios – indicam que as queimadas estão concentradas em terras públicas ou indígenas, num sinal claro de grilagem organizada.
E os principais representantes do agronegócio, de Katia Abreu a Blairo Maggi, maior produtor de soja do planeta, afirmam que a política do governo é suicida porque o risco de boicote internacional aos produtos brasileiros é concreto e muito forte.
Nessa rota, corremos o risco de queimar a floresta e o negócio.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos.