Os historiadores sabem que em geral o que se cala é pelo menos tão importante quando o que se diz.
E neste mundo de bombardeio incessante de informações e rápida obsolescência dos assuntos, o efeito dos silenciamentos é ainda mais perverso.
Se o leitor se informa pela grande mídia é provável que não tenha sabido que o Município de Paris outorgou, nesta semana, o título de cidadão honorário a Lula, justificando-o tanto por sua atuação na diminuição da pobreza quanto pela sua atual condição de preso político.
Esqueça por um instante se isso lhe parece justo ou injusto. Pense apenas no fato de que essa informação lhe foi negada.
Assim como, a respeito da Argentina, provavelmente o leitor só foi informado de que o presidente Macri perdeu, para tristeza de nossos comentaristas, as prévias eleitorais.
Eles se dizem preocupados com a Venezuela, mas escondem que os índices de pobreza do país vizinho são as maiores da história, que o país está à beira da inadimplência e, mais importante, que isso é o resultado da mesma política de austeridade que se está implantando irracionalmente no Brasil.
A nossa grande imprensa reclama da falta de compostura de Bolsonaro não pelo que ela representa de retrocesso civilizatório, mas porque “pode prejudicar as reformas”.
Ora, Macri é um sujeito civilizado, se comporta como um presidente, não ofende a esposa de presidentes de outros países, mas acabou de destruir a economia daquele que já foi um dos países mais ricos do mundo.
Nem os donos dos jornais e tvs nem os seus “comentaristas” querem que saibamos que isso foi o resultado da aplicação do mesmo receituário de “reformas” austericidas da turma do Guedes e do “mercado”.
Os modos de Bolsonaro são infames, mas provavelmente passageiros. O retrocesso nas políticas públicas, a liquidação do patrimônio nacional e o desmonte do sistema de educação e ciência no país terão um efeito desastroso e permanente.
Se não acredita, caro leitor, passe uns dias em Buenos Aires. Está barata a oportunidade de ver o nosso futuro.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos.