Há menos de duas semanas Sebastián Piñera, presidente do Chile e um dos homens mais ricos do país, declarava em entrevista que numa América Latina mergulhada em crises e depressão “o Chile é um oásis com uma democracia estável”.
Há quatro dias, quando as manifestações contra o aumento das tarifas de transporte se ampliaram num repúdio generalizado às condições de vida, ao desemprego dos jovens e à pobreza dos idosos, declarou que o país “estava em guerra contra um inimigo poderoso” e convocou os carabineiros – a PM deles – para reprimir a população.
Como as manifestações não refluíram, decretou estado de emergência e toque de recolher nas principais cidades chilenas.
Na sexta feira, quando escrevo esta coluna, a crise já registrava 18 mortos, 2400 presos, entre eles 270 crianças e adolescentes e inúmeras denúncias de tortura e estupros nas delegacias.
Apesar da repressão, mais de um milhão de pessoas, segundo a prefeita de Santiago, se reuniram no centro da cidade e o próprio presidente mudou radicalmente de tom para afirmar que “todos entenderam a mensagem”.
Como “prova”, cancelou os aumentos de tarifa, encaminhou projeto de lei para melhorar as aposentadorias dos idosos e prometeu criar um salário mínimo equivalente a R$ 1.900. E também, horror dos horrores, aventou a possibilidade de ampliar impostos dos mais ricos.
Qual será afinal ”a mensagem”? E será que todos a entenderam mesmo?
O “oásis” de duas semanas atrás era o sonho de consumo, espelho mágico e argumento de nosso posto Ipiranga.
Privatização radical da economia, ensino pago nas universidades públicas, aposentadorias no sistema de capitalização, desregulamentação das relações de trabalho, entrada na OCDE.
Soa parecido com algo que o leitor tenho ouvido ou lido nos últimos anos como a solução para o Brasil “voltar a crescer”?
Bolsonaro, que elogiou Pinochet para constrangimento do próprio Piñera, entendeu a mensagem da sua forma peculiar: do Extremo Oriente, onde foi para comer Miojo, avisou que as nossas forças armadas devem estar preparadas para reprimir manifestações que possam ocorrer.
Chegou a hora de substituir o “vai pra Cuba ou pra Venezuela” por um sonoro “Vai pro Chile?”
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos, que ainda é gratuita.