O mundo inteiro ficou sabendo o nome de George Floyd, o afro-americano asfixiado até a morte por policiais brancos em Minneapolis, Estados Unidos, em 25 de maio deste ano.
Sua morte se transformou num símbolo do racismo sistêmico na “maior democracia do planeta”, motivou protestos mundo afora e foi um dos fatores que contribuíram para a derrota de Trump nas eleições presidenciais.
Durante semanas, manifestantes – e até policiais – se ajoelharam em protesto. 8 minutos e 46 segundos, o tempo que Floyd permaneceu asfixiado, se transformou num código. O grande espetáculo esportivo midiático da NBA foi interrompido por uma greve dos jogadores e depois retomado com todos os times carregando em seus uniformes mensagens contra o racismo e a supressão de voto.
George Floyd se tornou um símbolo poderoso com razão. Pela estupidez de sua morte e pelo repudio e reação que ela provocou.
Entre nós, ao contrário, a matança sistêmica de pretos e pobres desaparece rapidamente do noticiário. Pouco são lembrados hoje os nomes de Evaldo dos Santos Rosa, João Pedro Mattos ou Ítalo Augusto Amorim.
João Alberto Siqueira Freitas, o NegoBeto, será o próximo nome a ser esquecido? Na véspera do Dia da Consciência Negra, foi espancado até a morte por dois seguranças de um supermercado Carrefour de Porto Alegre, enquanto uma funcionária do estabelecimento registrava tranquilamente o assassinato em seu celular e tentava impedir a filmagem por testemunhas.
A rede multinacional, que tem entre seus grandes acionistas Abílio Diniz, um dos 10 homens mais ricos do país, comunica que rescindiu o contrato com a empresa terceirizada de segurança e que espera que os culpados sejam punidos.
Mas não informa o que aconteceu com os funcionários responsáveis por manter o corpo do promotor de vendas Moisés Santos, de 53 anos, escondido por guarda-sóis durante quatro horas para que a rede pudesse seguir com as vendas.
Um movimento de boicote ao Carrefour se ensaia e é difícil imaginar se terá efeito mais duradouro do que os outros ensaios semelhantes.
Racismo não é “só” preconceito. É também excludente de ilicitude num país que manteve por tempo demais a ficção da cordialidade como seu traço distintivo.
O general na vice-presidência afirma que o racismo é coisa importada. Mas não explica por que, no Brasil, para cada branco vítima de homicídio há quase três pretos, pardos ou índios mortos. Seu assassinato em massa remonta a nossa história, mas o negacionismo no poder só faz aumentá-lo.
Nosso desafio não é apenas resgatar injustiças históricas, mas buscar formas para deter seu assustador aumento no presente.
sobre o autor
Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos, é branco e, por isso, tem três vezes mais chance de continuar vivo.