A escolha do tema foi feita por conta da grande quantidade de experiências ruins vivenciadas pelas autoras deste artigo quando se trata de saúde mental dentro do curso, além dos inúmeros relatos de alunos que são afetados psicologicamente. Com isso, foram influenciadas na busca por maneiras de se falar sobre o assunto (que ainda é muito tratado pela sociedade como um tabu), de modo a tentar dar voz aos problemas e angústias dos alunos, visando uma melhora não somente na vida acadêmica, mas também nos aspectos de vida pessoal dos mesmos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade” (1). O curso de Arquitetura e Urbanismo possui uma carga horária de em média 3600 horas determinadas pelo Ministério da Educação, que são distribuídas no decorrer de 5 anos, enquanto na UFMS isso pode chegar a um total de 3944 horas (2), excesso que afeta diretamente os alunos no que é definido pela OMS como saúde.
Podemos citar também pesquisas da National 2016 Study of Student Engagement – NSSE da Universidade de Indiana, que mostram que o curso de arquitetura e urbanismo possui em média 22,5 horas por semana, 2,5 horas a mais que o restante dos cursos. Esses números incluem não só as horas em classe, como também os extraclasses (3). Nota-se que esse excesso de carga horária não é apenas um problema brasileiro, mas sim, mundial, uma vez que em países como a Itália, a carga horária chega a 7.500h, na Alemanha, 3.190h, enquanto na Holanda e Bélgica, 4.200h distribuídas ao longo dos cinco anos (4).
Tudo isso gera uma falta de tempo para lazeres e afins, ocasionando diversos problemas psicológicos nos mesmos. Essa extensa carga horária dividida ao longo de 5 anos, faz com que o curso seja integral, tomando boa parte da vida dos estudantes, que poderia estar sendo destinada para lazer e socialização.
Nesse ínterim, visando uma maior compreensão do que se passa com os discentes no curso, as autoras realizaram um formulário na plataforma “Google forms” em que os próprios alunos, anonimamente, relataram suas angústias, medos, frustrações e doenças.
Alguns dos fatos citados foram: a grande quantidade de trabalhos e a cobrança para que eles estejam sempre em perfeitas condições, a comparação feita pelos professores entre os alunos considerados bons e os ruins, que geram competição, sentimento de frustração e fracasso quando as notas não atingem o esperado. Além disso, a improvável possibilidade de efetuar as atividades com a qualidade esperada, por conta da falta de tempo, que os fazem executar os trabalhos com presteza, sem a devida compreensão, apenas para realizar as entregas dentro dos prazos.
Cita-se também a dificuldade apresentada pelos professores de compreensão para diminuir a quantidade de trabalhos, aumentar os prazos, melhorar as explicações. Além disso, o tratamento por parte dos mesmos para com os graduandos muitas vezes é feito com grosseria e indiferença, atitude que causa medo, insegurança e distanciamento entre ambas as partes.
Os dados obtidos através do formulário, apontam uma unanimidade de reclamações no curso da UFMS, e são compatíveis com o estudo da Universidade de Indiana. A carga horária do curso nos outros países mostra que esse problema é mundial, afetando a maioria das faculdades de Arquitetura e Urbanismo.
Nele, foram obtidas respostas de 39 participantes: foram questionados sobre problemas psicológicos, o uso de medicamentos, tratamentos como terapia e, por fim, se o curso de arquitetura e urbanismo era um fator influente sobre a saúde mental. 100% dos alunos disseram que o curso influencia em sua saúde psicológica e, em alguns casos, na física também. 70% já sofreu com transtornos como ansiedade, depressão ou síndrome do pânico, mas apenas 7% fazem tratamentos com especialistas (dos que não fazem, 70% teria interesse em fazer, sendo possível abrir mais um questionamento sobre esse assunto: a faculdade deveria fornecer mais oportunidades para seus alunos se cuidarem?).
Conclui-se com o formulário, portanto, que ao tentar focar somente na faculdade os alunos acabam deixando coisas importantes de lado como: família e lazeres e se sentem prejudicados, o que, com o passar do tempo, acarreta em enfermidades mentais. Por consequência, o estudante não consegue se dedicar de maneira adequada ao curso, despertando assim sentimentos de insuficiência e fracasso. A faculdade deveria intervir mais efetivamente no assunto: aumentando o número de consultas psicológicas fornecidas a seus alunos, capacitando professores a lidar com esses problemas e tentar distribuir melhor a carga horária, além de escutar as reclamações de seus acadêmicos, o que serviria de guia para novas mudanças ou adaptações.
notas
1
OMS. Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial, 10 out. 2016. Brasília, Organização das Nações Unidas Brasil <https://bit.ly/3foy84U>.
2
UFMS. Grade Curricular do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Campo Grande, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 28 dez. 2018 <https://bit.ly/3pT8NEX>.
3
LYNCH, Patrick. Pesquisa confirma que arquitetura é o curso que mais demanda tempo de estudo. Tradução Romullo Baratto. São Paulo, ArchDaily Brasil, 08 mar. 2017 <https://bit.ly/3nMWNmS>
4
MARAGNO, Gogliardo Vieira. Quase 300 cursos de Arquitetura e Urbanismo no país: como tratar a qualidade com tanta quantidade? Algumas questões sobre qualificação e ensino no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 161.07, Vitruvius, out. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.161/4930>.
sobre as autoras
Clara Macerou Ypiranga, de Andradina SP, Mariana Afonso Rosa, nascida em Patrocínio MG, e Sofia Machado Gasques, nascida em Fernandópolis SP, são alunas do 4º período do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e residem na cidade de Campo Grande MS.