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SEGAWA, Hugo. O porão e a rua: uma escola sem sala de aula. Em memória de Júlio Abe Wakahara. Drops, São Paulo, ano 21, n. 158.06, Vitruvius, nov. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/21.158/7944>.



Júlio Abe Wakahara (1941-2020) será lembrado na FAU USP pelos colegas, alunos e alunas que vivenciaram a escola nos anos 1970 e começo dos anos 1980, período em que foi professor em Programação Visual do Departamento de Projeto. Ele se desligou da FAU para se dedicar mais ao trabalho que o notabilizou: o Museu de Rua. Nos últimos seis anos ele foi reconhecido por esse extraordinário trabalho: Prêmio Murillo Marx na categoria Memória em 2014, concedido pelo DPH – Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, Medalha Mário de Andrade, por ocasião dos 80 anos do Iphan em 2017, e Medalha de Mérito Museológico pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo em 2019.

Filho de imigrantes japoneses que se estabeleceram em Cravinhos, na região de Ribeirão Preto, foi da turma que se graduaria na FAU USP por volta de 1968; como sabemos, poucos são aqueles que regularmente se formam em cinco anos. Começou a fotografar trabalhando no antigo Sphan, ainda no tempo de Luís Saia (1911-1975). Daí para frente, foi se envolvendo em um campo, naquela época, restrito a poucos interessados: o patrimônio cultural. A máquina fotográfica e o estúdio/laboratório foram seus instrumentos de trabalho nessa seara em que ele foi um dos pioneiros em São Paulo e no Brasil.

Não cabe neste pequeno espaço esmiuçar sobre o Museu de Rua. Júlio não era um homem de palavras escritas, e fazia questão de afirmar sua condição de um “prático”. O único texto dele que conheço, ele não escreveu, mas falou, como conferencista convidado, e foi transcrito: está nos Anais do 1º Congresso Latino-americano sobre a Cultura Arquitetônica e Urbanística, organizado pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, em junho de 1991, a respeito da experiência do Museu de Rua.

Ali ele diz que vai fazer um “relato de experiência. Não é um trabalho teórico e nem vou falar sobre a teoria de patrimônio ou sobre museus. Relato de experiência é uma forma de apresentação que se utiliza em encontros de artistas. Não em encontros de teóricos. Aqui a maioria é de teóricos, então, no caso, eu me sinto um pouco com medo de chegar a falar sobre teoria”. Avesso à teoria, era respeitado e admirado por teóricos como Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses.

Ele era o homem do fazer – em quaisquer sentidos que essa caracterização possa ter. Falou na conferência: “parece que sou muitas coisas, mas na realidade não sou nada, porque no meio de arquitetos, eu digo que sou fotógrafo, no meio de fotógrafos, eu digo que sou museólogo e assim por diante”. Ele tinha registro no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – Crea e no Conselho Regional de Museologia – Corem.

Ao lado da figura que se notabilizou como o criador do Museu de Rua, há o professor, designer gráfico e fotógrafo com seu pequeno estúdio. Na segunda metade dos anos 1970 Júlio era sócio do Cláudio Tozzi, também professor da FAU, e foi no porão do sobrado da rua Antônia de Queiroz, 52 (ele e sua família moravam nos pisos superiores), que eles desenvolveram os projetos gráficos dos folhetos e cartazes para a Pinacoteca do Estado, então dirigida por Aracy Amaral. O Júlio fazia de tudo. Recordo-me dele revelando o cartucho do filme e ampliando as fotos que tomou do set de filmagem, com Denise Bandeira e Juca de Oliveira contracenando em À Flor da Pele, filme de Francisco Ramalho Jr. de 1976, que ganhou o prêmio de melhor filme do Festival 2 de Cinema de Gramado de 1977. Se alguém reparar em uma das cenas do filme, há um livro cuja capa o Júlio inventou – não sei o porquê.

Aquele porão – que era os baixos de um casario que não existe mais – era uma extensão da FAU. De alunos e professores. Quando havia alguma reprodução urgente, alguma demanda ou problema de fotografia, era o laboratório que gente como Benedito Lima de Toledo, Carlos Lemos, Antônio Luiz Dias de Andrade (o Janjão), Murillo Marx, Ana Maria Belluzzo ou Aracy Amaral apelavam, e o Júlio ou um de seus “assistentes”, resolviam. “Assistentes” é um modo de dizer: muitos estudantes da FAU circulavam por lá, dia e noite, porque não havia um expediente, mas tarefas a cumprir. Ademais, o Júlio era generoso a ponto de deixar o laboratório livre para quem precisasse, para uso privado. Não era somente a câmara escura e a química; ele tinha um estúdio de fotografia, mesa para reprodução, câmara de negativos de chapa, fotômetro e uma Hasselblad que ele emprestava a quem confiava. Aprendi a mexer nessa parafernália fotográfica frequentando aquele porão. Ele passou serviço para o Jonas Tadeu Malaco (que foi professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU), que então acabava de sair da prisão, “condenado” por “subversão”. O José Salles Costa Filho, hoje radicado em Fortaleza, era um frequentador do porão, quando fazia parte do grupo de estudantes que mais tarde se tornou o Brasil Arquitetura.

Antes do reconhecimento como museólogo, Júlio era um requisitado, mas reservado fotógrafo de arquitetura. Ele atendia aos amigos e à arquitetura que ele gostava. Dava para contar na mão os fotógrafos de arquitetura realmente competentes nos anos 1970 em São Paulo: era o Moscardi Filho, o Júlio Abe e o Cristiano Mascaro; o João Xavier era um fotógrafo bissexto naquela altura. Além do trabalho para o Iphan (ele fotografou as Missões no Rio Grande do Sul) e Condephaat, a documentação dessa época da obra do Décio Tozzi e Eduardo de Almeida era com ele. Como “assistente”, cheguei a fazer fotos para Dácio Ottoni.

Esse trabalho mais fragmentado foi diminuindo na agenda do Júlio à medida que ele foi se dedicando ao Museu de Rua, primeiro a serviço da Secretaria Municipal de Cultura, depois como iniciativa de seu escritório para vários municípios. A partir de um momento, com o auxílio de seu filho Cláudio, também formado na FAU.

Victor Hugo Mori, arquiteto do Iphan, próximo a ele em tempos recentes, conta que o Júlio, ao final da vida, passava por dificuldades financeiras. No projeto do Museu do Anhanguera em Santana do Parnaíba, insatisfeito com o resultado, acabou estourando o orçamento para fazer melhor. Victor Hugo e o Francisco Dias de Andrade – filho do Janjão – o ajudaram para finalizar o trabalho. O empenho à causa tinha uma simetria humana: Odair Carlos de Almeida foi o arquiteto que compartilhou com Júlio o levantamento das ruínas de São Miguel das Missões em 1974, e que veio a falecer anos depois. Atendendo ao último desejo do amigo, ele e a viúva, Marli, dirigiram-se para as Missões para lá espalhar as cinzas de Odair. Ele custeou o velório e a viagem para o Rio Grande do Sul. No dia da concessão da Medalha Mário de Andrade, Victor Hugo recorda do humor peculiar de Júlio, que lhe disse: “quando a gente começa a receber medalhas é sinal de que estamos indo embora”.

Não sei se suas contribuições para a Museologia foram contadas. Se ainda não, precisa ser.

São Paulo, 21 de novembro de 2020 

sobre o autor

Hugo Segawa é arquiteto, professor da Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

 

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