Já é lugar comum dizer que no Brasil ninguém morre de tédio. Infelizmente não se pode dizer o mesmo sobre morrer de nojo, de Covid ou de fome. Ou de balas, chamadas perdidas apesar de raramente errarem a cor da pele.
Difícil escolher as notícias de destaque na semana a menos que a gente brinque de não se fascinar pelas manchetes e procurar as relações entre elas.
Então para quem teve coisa melhor pra fazer do que acompanhar a ópera bufa da pátria amada ou, ao contrário, assistiu tanta sessão da CPI que já está embaralhando tudo, aqui vai o meu resumo. E não, quando passamos de meio milhão de mortos, um bom percentual deles assassinados, não esperem imparcialidade.
Caiu Salles, o da boiada. Por que caiu? Por óbvias e muitas razões, como todos sabem. Mas a pergunta deveria ser porque só agora caiu. E porque a outrora imbatível, mas ainda poderosa, Rede Globo põe o mais respeitado e elegante de seus entrevistadores sentado à frente de um sorridente, confiante e recém maquiado general Mourão. Aquele que é mourão, mas parece disposto a aceitar de bom grado o papel de poste.
Salles era só o berrante, não o dono da boiada. Ele não caiu por causa da boiada nem porque os Estados Unidos o acusaram de contrabando de madeira nem porque a Amazônia vai virar lenda ou as terras indígenas as novas Serras Peladas.
Ele caiu para que o capataz-mor, que também não é o dono da boiada, embora goste de juntar umas vaquinhas para sua família, tentasse desviar os holofotes no dia em que a famosa sentença sallesiana foi invertida: Vamos aproveitar para oferecer o boi quando a imprensa está ameaçando prestar atenção demais na Covid!
Ou melhor, quando descobrimos que desprezo a todas as vacinas (Corona, Pfizer, Aztra, Covax) não era negacionismo, somente business as usual.
Para quem passou a semana em Marte: um funcionário de carreira do Ministério da Saúde, irmão de um deputado do DEM, denunciou que sofreu fortes pressões de superiores para aprovar a compra de uma vacina ainda não testada, por um preço muito superior a todas as outras e a única cuja compra era intermediada por uma empresa privada e devia ser paga antecipadamente em banco de paraíso fiscal.
Como o deputado era da base governista resolveu avisar o presidente, que olhou para o lado imerso em elucubrações filosóficas. No depoimento à CPI o deputado apareceu de colete à prova de balas e Bíblia. Indica domínio de marketing, mas também de que sabe com quem estão lidando.
E, no último minuto, revela-se que, sim, havia um parlamentar envolvido nessa história de gangsters: Ricardo Barros, do PP da república do Paraná, ex-ministro (da Saúde, rs.) do Temer. Acabou o espaço, mas dê um google em Ricardo Barros e você não vai se arrepender.
Roteiristas da Netflix continuam fichinha.
sobre o autor
Carlos Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos e tem saudades dos tempos em que sabíamos de boiadas e berrantes pela ingenuidade da música sertaneja ou pela sofisticação de Guimarães Rosa ou Maureen Bisilliat.