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drops ISSN 2175-6716

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Segundo José Roberto Fernandes Castilho, o contrato de projeto costumeiramente prevê a entrega de arquivo não modificável e só excepcionalmente é que ocorre o oposto.

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CASTILHO, José Roberto Fernandes. Pdf ou dwg? Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo discute o formato do projeto arquitetônico. Drops, São Paulo, ano 22, n. 171.02, Vitruvius, dez. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/22.171/8337>.


Residência Família Ohtake, plantas em arquivo pdf, São Sebastião, 2007. Arquiteto Ruy Ohtake
Imagem de ilustração [GUERRA, Abilio; ROMANO, Silvana (org.). Ruy Ohtake, arquiteto. São Paulo, Romano Guerra/In]


O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou, em agosto passado, agravo com tema que muito interessa a arquitetos e engenheiros. Trata-se do AI 2279120-79.2020.8.26.0000, oriundo da Comarca de Itu. Nele discutia-se o seguinte: arquiteta e contratante se desentenderam sobre a continuidade do contrato e o dono da obra, em ação de obrigação de fazer, requereu, na Justiça, que lhe fosse entregue o arquivo digital do projeto na extensão .dwg (“drawing format”) – arquivo produzido via programa Autocad, portanto modificável a partir daquilo que já tinha sido feito pela profissional. Há outras questões em causa, mas vou me ater ao ponto específico que é saber se o contratante de projeto arquitetônico tem direito de receber o projeto na extensão .dwg. A melhor resposta será: depende das circunstâncias de cada caso.

Em primeira instância, o juiz da Comarca de Itu concedeu a tutela liminar para determinar que a arquiteta entregasse, em cinco dias, a contar da citação, “o arquivo .dwg (arquitetura, estrutura e hidráulica), bem como o projeto estrutural da reforma da residência do autor”. Houve agravo e concessão do efeito suspensivo dessa decisão. Portanto, resta saber se a arquiteta teria a obrigação de entregar o arquivo eletrônico na forma pretendida. Cumpre ressaltar que, durante o litígio, a arquiteta, ré da ação, preocupou-se em consultar o CAU/SP a respeito, que lhe respondeu dizendo que o Conselho não possui “instrução normativa (sic) para a obrigatoriedade de entrega de arquivo eletrônico (dwg, skp, rvt e etc) para os projetos contratados”.

Bem, e não possui porque? Porque isto dependerá, por certo, do contrato como acordo de vontades. É o contrato que vai especificar a forma de entrega do trabalho, clausula fundamental do ajuste. Se não está previsto nem na lei e nem no contrato, não haverá, evidentemente, obrigação de que seja entregue pelo profissional em um determinado suporte escolhido pelo contratante, dentre os vários possíveis. Há a liberdade contratual em nosso sistema acrescida do princípio da intervenção mínima instituído pela lei da liberdade econômica, de 2019 (art. 421 e Parágrafo único Código Civil).

Parece ser incomum se encontrar em contratos de projeto arquitetônico cláusula a respeito do suporte específico em que o trabalho intelectual deve ser entregue ao contratante – afinal, a criação intelectual (corpus mysticum) é mais importante que sua forma de expressão (corpus mechanicum, suporte material da criação intelectual), que pode ser alterada sem perda da substância. Tal cláusula costuma dizer, genericamente, que o projeto será entregue em arquivo de extensão .pdf (“portable document format”, programa desenvolvido pela Adobe), permitindo plotagem, mas não alteração – e daí a segurança da integridade do documento. Excepcionalmente, em um ambiente sem litigiosidade, o contrato pode prever que a entrega de arquivo .dwg até poderia ocorrer, mas apenas para elaboração dos projetos complementares de engenharia, para se fazer a articulação entre eles. Ou seja: o contrato de projeto costumeiramente prevê a entrega de arquivo não modificável e só excepcionalmente é que ocorre o oposto.

No caso em questão, pois, o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para cassar a tutela ao argumento de que não se verificou “a previsão contratual da entrega de tal arquivo (dwg), mas apenas em PDF, o que foi cumprido juntamente com a entrega de uma versão impressa do que teria sido realizado do projeto, o que, em tese já viabilizaria a continuidade da obra por outro profissional contratado pelo autor”. De fato, constata-se que o dono da obra contratou “a elaboração e aprovação junto aos órgãos competentes do projeto em 3D relativo à reforma parcial de sua residência”. Portanto, o contrato nada dizia da extensão específica que o autor pretendeu receber ao depois, tomando-se o projeto como documento modificável. Em tese, caso um arquiteto completasse o trabalho iniciado por outro se daria aqui uma criação integrada em coautoria, com múltiplos efeitos jurídicos – a respeito, ver o caso Ana Hickmann, Ap. 0143842-15.2012.8.26.0100, j. em 2018 (1).

Ademais, registrou o acórdão, reproduzindo a petição do agravo, que a arquiteta “não teria como entregar a parte estrutural do projeto, pois ainda não havia sido realizada inteiramente em razão dos desentendimentos havidos entre os contratantes, falta de pagamento e a rescisão do contrato”. Assim, seria impossível entregar algo que ainda não tinha sido feito, uma criação intelectual inexistente, e ainda por cima no suporte específico pretendido pelo dono da obra, o que seria absurdo: ninguém pode ser obrigado ao impossível tal como seria obrigar alguém a entregar o que não se tem (“ad impossibilia nemo tenetur”, diz o provérbio medieval segundo o vetusto Arthur Rezende).

E, no caso, essa específica forma pretendida pelo autor da ação destinava-se, por certo, a “facilitar” a vida de futuro profissional que fosse assumir o desenvolvimento do trabalho a partir daquilo que fora antes desenvolvido pela ré. Nesse sentido, o Desembargador Andrade Neto consignou a respeito que os arquivos já entregues, em .pdf, garantiriam a “continuidade da obra e obtenção da renovação do alvará de licença perante o órgão municipal competente”, ou seja, para que a obra continuasse não era absolutamente necessário o tipo de arquivo eletrônico pretendido na ação. Esse mesmo argumento da continuidade da obra (reiterado por três vezes no acórdão), aliás, foi utilizado pelo Desembargador Gilberto Lemes, em outro caso, para, contrariamente, determinar a entrega do arquivo no formato modificável.

Disse ele: “Tem razão apenas o autor quando busca que a ré lhe entregue arquivo digital no formato ‘dwg’ uma vez que faz parte de atos necessários para a obtenção do alvará e diz respeito à edificação do autor, não havendo que se falar de que não fazia parte da contratação descrita a fls. 76 uma vez tudo o que fosse necessário para a obtenção do alvará fazia parte do trabalho a ser realizado e que já foi remunerado pelos dois mil reais pagos” (Ap. 1001669-72.2017.8.26.0003, de São Paulo, j. em 2018). Mas a hipótese é distinta – porque neste caso o projeto existia, tinha sido completado – e o entendimento do julgador muito discutível em não havendo nem previsão legal e nem contratual a determinar tal coisa. Se a lei local exigisse a entrega no formato .dwg, o arquiteto que completasse o projeto deveria fazer a devida conversão e ajustes eventualmente necessários.

Portanto, a ementa do acórdão da 30ª Câmara de Direito Privado, datado de 16 de agosto de 2021, ficou redigida assim:

“Ação de obrigação de fazer empreitada – tutela antecipada concedida para obrigar a arquiteta a entregar o arquivo dwg e o projeto estrutural da reforma da residência do autor – falta de previsão contratual para entrega do arquivo desta extensão, mas apenas em pdf – cumprimento – impossibilidade de se cumprir a outra determinação exatamente por desentendimentos entre as partes, aliás, sendo esse o objeto da demanda. Agravo provido”.

A decisão unânime do agravo já transitou em julgado e o processo, na primeira instância, ainda não tem decisão de mérito (feito 1007522-81.2020.8.26.0286).

nota

NE – Publicação original do artigo: CASTILHO, José Roberto Fernandes. Pdf ou dwg: acórdão do TJ/SP discute o formato do projeto arquitetônico. São Paulo, Migalhas de Peso, 6 dez. 2021 <https://bityli.com/OJGwjG>.

1
Assunto tratado no artigo: CASTILHO, José Roberto Fernandes. Alteração de projeto arquitetônico. Um julgamento recente do Tribunal de Justiça. Drops, São Paulo, ano 19, n. 136.05, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.136/7223>.

sobre o autor

José Roberto Fernandes Castilho é professor de direito urbanístico e de direito da arquitetura da FCT/Unesp.

 

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