Durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, o presidente admitiu ter exonerado servidores do órgão em benefício do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, que teve uma obra interditada. “Ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá”, disse Bolsonaro, sob aplausos.
O parágrafo acima é da coluna de Monica Bergamo na Folha de S.Paulo, na quinta feira, 16 de dezembro de 2021. E, como corriqueiro, a declaração do candidato à reeleição não conseguiu manter o interesse da opinião publicada por mais do que dois ou três dias.
Mesmo a notícia de que a juíza federal Mariana Cunha, acatou pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro e suspendeu (novamente) a nomeação da presidente do Iphan, Larissa Dutra, não foi suficiente para manter o tema nas primeiras páginas.
Talvez a história pudesse achar algum espaço nas sessões reservadas a novelas. Afinal, a mesma senhora já teve sua nomeação suspensa em junho do ano passado, a pedido do deputado federal e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que argumentou que a legislação federal exige “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo”.
A presidência de república recorreu à época e o TJRJ devolveu a senhora em questão ao exercício do cargo, o que permite esperar que o desenlace esteja longe do final.
Mas não sejamos apressados em condenar o sabido desinteresse da grande mídia por notícias com mais do que três dias de idade.
Afinal o tema teve que competir com o Lexotan que o general a cargo da Segurança Institucional (sic) afirmou que precisa consumir todos os dias para evitar que o presidente “tome uma atitude mais drástica” contra o STF.
Quanto a esta notícia, a grande mídia ficou devendo ao menos as proverbiais perguntas sobre quem e por que vazou a declaração, já que ela foi dada numa sessão de formatura do Curso de Aperfeiçoamento e Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência – Abin, supostamente um local capaz de guardar segredos.
Considerado o histórico do general, fica difícil resistir a imaginar que se tratasse de uma ameaça explícita de golpe a depender apenas de irregularidades no fornecimento do conhecido remédio, indicado para crises de ansiedade.
E ansiedade não faltou no ataque aos técnicos da Anvisa que aprovaram a aplicação de vacina em crianças face ao surto da nova variante da Covid, ou na inacreditável (será que algo ainda é inacreditável no país de Bolsonaro?) ação da Polícia Federal contra Ciro e Cid Gomes, em função de uma denúncia de dez anos atrás.
Mas nada poderia aumentar mais a necessidade de Lexotan do que as pesquisas da semana que indicam a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno das eleições presidenciais do ano que vem e os avanços na propalada costura de uma aliança com Alckmin para a chapa presidencial.
Voltando ao primeiro parágrafo, o que deveria chamar a atenção não é a grosseria característica do capitão nem o despudor na confissão de crime contra a administração pública, mas o fato de que a declaração foi feita na Fiesp, suposto clube da suposta elite supostamente industrial do estado mais rico da federação... e recebida por aplausos.
E voltando ao penúltimo parágrafo, talvez fosse o caso da esquerda, petista e não petista, parar de rasgar as vestes diante dos problemas de princípios ou da contabilidade dos votos envolvidos na suposta aliança Lula Alckmin e dedicar alguma atenção à possibilidade de que uma eventual interrupção do suprimento de Lexotan do general também receba os aplausos do mal chamado empresariado nacional.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.