Philippe Panerai chegou até mim por intermédio da Sylvia Ficher, durante meu doutorado no PPG-FAU UnB em 2006. Primeiro pelo livro Análise urbana, recém-lançado pela editora da UnB, com tradução de Chico Leitão, e depois pessoalmente ao me receber como supervisor em estágio doutoral em Paris entre 2007 e 2008.
Diariamente ia a seu encontro no bureau à rue des Feuillantines. Atento a suas orientações rápidas e precisas, explorava sua biblioteca em busca de obras indicadas, assim como observava as atividades de sua equipe na execução de um projeto urbano chinês ou na finalização de seu livro Paris metrópole: formes et échelles du grand Paris.
Philippe, por seu vasto conhecimento sobre a arquitetura da cidade, por sua destreza e refinamento em ler e interpretar os espaços urbanos, foi responsável por ampliar meu campo de visão sobre o objeto em estudo – cidades novas – e dele extrair suas principais características.
Mas seus predicados vão além de seu savoir-faire. Acolhedor, bem-humorado e solícito, o ser humano Philippe contrasta com a frieza, a rudez, a solidão dos parisienses. Talvez, nessa parte, Philippe se assemelha muito mais aos brasileiros. Após esta passagem, por mais três momentos nossas vidas se entrecruzaram e deixaram recordações: primeiro, no Seminário de Urbanismo França-Brasil (Brasília, agosto de 2009), quando após sua fala me entregou de pronto o texto de sua exposição e disse-me: “Isso pode lhe ser útil”; segundo, na palestra “Da aldeia à metrópole: a dialética caminho-centro”, uma conversa sobre urbanização, onde expôs sua fala a partir de desenhos feitos à lousa da sala 6 da FAU UnB (Brasília, agosto de 2012); e, por fim, sua escrita para o prefácio de meu livro Cidades Novas (abril de 2018), quanta honra.
Contudo, um ensinamento específico, que repasso a meus orientandos e alunos até hoje, foi algo corriqueiro, porém de extrema valia para estudiosos da cidade. Em seu escritório em Paris aprendi uma artimanha muito peculiar à época: a do 3.51. Se distanciarmos no GoogleEarth o observador a 3.51km do rés do chão, a imagem em tela equivale à escala 1:10.000. E com esta precisão, ao colecionar e montar colagens, temos acesso a qualquer traçado urbano que desejarmos explorar, redesenhar, projetar, comparar etc. Hoje, a realidade do 3.51km fica, mas a sua presença, Philippe, se torna memória, lembranças, ensinamentos, aprendizados para esta e gerações futuras. Meu muito obrigado, Mestre.
nota
NE – A série “Homenagem a Philippe Panerai” é uma iniciativa de intelectuais brasileiros que foram parceiros, orientandos e amigos, ao longo de anos e décadas, do arquiteto e urbanista francês falecido no dia 11 de maio de 2023, em Paris. Os artigos publicados são:
COMAS, Carlos Eduardo; PEREIRA, Margareth da Silva; TREVISAN, Ricardo; FICHER, Sylvia. Philippe Panerai (1940-2023). In memoriam. Resenhas Online, São Paulo, ano 22, n. 257.01, Vitruvius, maio 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/22.256/8815>.
TREVISAN, Ricardo. 3.51, 3.51, 3.51.... Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.06, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8861>.
FORTES, José Augusto Abreu Sá. Merci beaucoup de t’avoir comme ami! Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.07, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8830>.
LEITÃO, Francisco. Um legado que continuará. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.08, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8896>.
HOLANDA, Frederico de. Colocando o dedo na ferida da erosão do espaço público. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.09, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8897>.
SCHLEE, Andrey Rosenthal. Que personaje! Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.05, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8898>.
COSTA, Graciete Guerra da. Memórias de Taguatinga. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.06, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8899>.
FICHER, Sylvia. As cidades e suas contradições. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.07, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8900>.
FERNANDES, Ana. O método de projetar (n)a cidade. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.08, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8901>.
MAGALHÃES, Sérgio. O publicista da boa arquitetura, do bom urbanismo e da boa cidade. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.09, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8902>.
LEME, Maria Cristina da Silva. O incansável andarilho. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.04, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8903>.
MARQUES, Sérgio M. A referência linear e constante para a reflexão crítica arquitetônica. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.05, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8904>.
CABRAL, Cláudia Costa. Energia, entusiasmo e inspiração. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.06, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8905>.
COMAS, Carlos Eduardo. Desenhista, dançarino, cozinheiro, orientador, historiador, crítico e, enfim, arquiteto e urbanista. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.07, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8906>.
ABREU, Silvio de. O estudioso da forma urbana. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.08, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8907>.
sobre o autor
Ricardo Trevisan é professor associado III no Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e em seu Programa de Pós-Graduação.