Recebi um convite e resolvi visitar a Casacor, instalada nos pisos do embasamento do Conjunto Nacional, na avenida Paulista. Me comprometi comigo mesmo em visitar os espaços despido das já desbotadas, mas ainda persistentes, concepções prontas do ambiente acadêmico, que entende esse segmento como um campo profissional onde se encontram aqueles profissionais entregues ao mercado, à sociedade do capital, ao lucro, ao mundo das aparências, da superficialidade etc., etc...
Trata-se um acontecimento de impacto nacional, atraindo arquitetos, designers, decoradores e estudantes dos mais variados cantos do Brasil.
É claro que a profusão quase infinita de ambientes, materiais, formas, espaços e superfícies salta aos olhos. Mas durante as mais de três horas de visita não conseguia deixar de pensar na mobilização descomunal de profissionais da construção civil e do vultoso (e, sem dúvida, compensador) investimento aportado para a realização de um evento de tão grande escala. Me senti o próprio peixe fora d'água. Mas, por me sentir tão deslocado, fui também acometido por um surpreendente e resignado sentimento de culpa. Sim, culpa.
Sou professor de projeto arquitetônico há 21 anos, dezoito destes só na FAU USP, e durante nossa atividade, de modo quase que inconsciente, imunizamos o estudante de um segmento profissional entendido como algo tão menor, se comparado aos projetos de escala geográfica elaborados nas disciplinas de projeto.
Contudo, caminhando por aqueles espaços, percebi não apenas que se trata de uma área que movimenta uma escala imensurável de profissionais e de investimento, mas de uma atividade que sustenta uma cadeia produtiva da qual muitos arquitetos fazem parte. E nesse instante, me dei conta que trata-se de uma área que trará trabalho que naturalmente atrairá grande parte dos estudantes que optarem pela atividade de projeto.
E foi nesse ponto que veio a culpa: não estou formando meus estudantes para essa atividade (que, ao que parece, está em pleno crescimento). Os cursos de arquitetura, de modo geral (ou seja, estou fazendo uma generalização), não lidam com o interior, com o dentro como um problema da arquitetura e muito menos do projeto. Essa nossa atração pela vida pública, fora, nos faz compreender os espaços interiores como um problema menor. A questão é que o sentido do projeto do espaço interior, para a profissão, me pareceu ir muito além do espaço em si. Há toda uma demanda por um pensamento arquitetônico aplicado à tecnologia de materiais e equipamentos que, assim como os espaços, também devem ser desenhados, projetados. No fundo, esse seria o lugar onde os conhecimentos da arquitetura e do design deveriam se interseccionar.
Entendo que os estudantes devem, sim, visitar a Casacor, pois é um evento que trata do campo e de uma escala do projeto que todos aqueles que trabalharem nessa área irão passar, inevitavelmente.
O projeto do espaço interior diz respeito à categoria de materialização da arquitetura mais comum e mesmo popular que conhecemos: a reforma. Estamos falando sobre a reconfiguração do preexistente, algo tão comum e tão próximo do nosso cotidiano, e mesmo assim insistimos cegamente em canalizar nossos esforços em atividades cuja recompensa é a garantia de nos manter imunes ao real.
Aqui, discorro sobre o que pensei. Em uma próxima postagem (com imagens), tentarei elaborar uma síntese sobre aquilo que vi enquanto linguagem. Sim, o esforço por uma unidade estética entre tecnologia e meio ambiente parece também ser o argumento da vez na arquitetura de interiores.
nota
NE – Casa Cor 2023, Conjunto Nacional, Av. Paulista 2073, São Paulo SP, 30 de maio a 06 de agosto de 2023, sábado, 12h às 20h; domingo, 11h às 19h.
sobre o autor
Rodrigo Queiroz é arquiteto (FAU Mackenzie, 1998), licenciado em Artes (Febasp, 2001), mestre (ECA USP, 2003), doutor (FAU USP, 2007) e professor livre-docente do Departamento de Projeto da FAU USP. Curador de exposições de arquitetura moderna, tais como “Ibirapuera: modernidades sobrepostas” (Oca, 2014/2015), “Le Corbusier, América do Sul, 1929” (Ceuma, 2012), “Brasília: an utopia come true”, (Trienal de Milão, 2010) e “Coleção Niemeyer” (MAC USP, 2007/2008).