Beatriz de Abreu e Lima: Uma boa maneira de iniciar um diálogo sobre a Engenharia contemporânea seria discutir alguns conceitos como “ausência de simetria e ausência de malhas cartesianas”. Como o senhor veio a incorporar estes conceitos em seu trabalho?
Charles Walker: Ao longo dos últimos quatro, cinco anos, a maioria das estruturas com as quais venho trabalhando têm características totalmente amorfas. O problema está em como descrever uma geometria amorfa. Hoje temos novas “ferramentas”, principalmente da indústria de jogos computacionais e animação; ferramentas realmente poderosas para descrever geometrias amorfas, como curvas Spline (4) e superfícies NURBS (5). Uma superfície NURB é uma superfície B-spline não-uniforme e racional; vem da Geometria Projetiva, que descreve os parâmetros de uma superfície por meio de uma equação matemática. O resultado é uma superfície NURB totalmente amorfa que, no entanto, possui precisão em termos de Engenharia. Assim, com estas “ferramentas” podemos produzir formas digitalmente, e com os programas de análise numérica disponíveis – como o programa para Análise de Elementos Finitos – podemos analisar digitalmente uma geometria. No final deste processo está a Manufatura Integrada por Computador (Computer Integrated Manufacturing – CIM), em que os componentes de um sistema são fabricados diretamente a partir da informação digital. Isto possibilita que um projeto seja inteiramente executado utilizando-se informações digitais, de maneira que os desenhos bidimensionais – que constituem um processo analógico – nunca são produzidos. Utilizamos arquivos tridimensionais do tipo “dxf” ou, quando modelamos superfícies, arquivos “iges”, pois os arquivos “dxf” não contêm as descrições de uma superfície. Hoje em dia, é possível projetar digitalmente, analisar digitalmente e fabricar digitalmente. Na verdade, não é necessário recorrer a descrições cartesianas, tais como desenhos bidimensionais. Percebemos que quando projetamos estruturas tridimensionais complexas, as tradicionais descrições cartesianas do espaço arquitetônico, tais como plantas, cortes e fachadas, tornam-se menos relevantes.
BAL: Mas o projeto acaba indo para a obra na forma de plantas, cortes e fachadas...
CW: Bem, é claro que temos que produzir esses desenhos, porque constituem o método tradicional que possibilita a visualização da obra na fase dos orçamentos. Os empreiteiros sempre contam com esses desenhos. Por outro lado, quando trabalhei no projeto do grande domo da Casa de Ópera de Cingapura [projeto de Michael Wilford, inauguração em outubro de 2002], os empreiteiros que realmente sabiam o que estavam fazendo foram capazes de adotar a tecnologia digital, e na fase dos orçamentos, quando receberam nossos desenhos, eles disseram: “Ótimo, nós gostamos dos desenhos, mas onde está a informação digital em 3D? Porque é disso que precisamos para apresentar nossa proposta”. Tratava-se de uma estrutura espacial amorfa com dupla curvatura e os desenhos tradicionais não ajudariam em nada. Você pode medir os desenhos e concluir: “Bem, são 100 metros de comprimento por 60 metros de largura”, mas, o que realmente você precisa, são as coordenadas nodais de todas as conexões. Você precisa do arquivo.
BAL: Mas afinal, como um projeto como esse é construído?
CW: Bem, o domo de Cingapura possui conectores nodais industrializados, porém, por causa da sua geometria amorfa, cada conector é uma peça única, totalizando 7.000 nós diferentes. Quem ganhou a licitação foi a firma alemã MERO, que trabalha com um conector nodal esférico patenteado. Cada perfil tubular é fixado em um ângulo diferente e, portanto, cada nó é único. A MERO patenteou um programa computacional de modelagem geométrica e produziu uma interface entre o programa e a máquina que perfura os nós. Seguindo as instruções numéricas controladas pelo computador, o torno perfura cada nó exatamente de acordo com a geometria da sua locação específica na estrutura.
BAL: Como uma estrutura como essa é montada na obra?
CW: Bem, cada nó é estampado com um número para identificá-lo e também com uma seta indicando o norte.
BAL: E como a estrutura é locada? Com um GPS?
CW: Não, nada disso. Os nós são estampados com uma seta indicando o norte para que na obra, alguém possa segurá-los na posição correta e encaixá-los no sistema, como um quebra-cabeça. Então, o nó é identificado, posicionado com a seta do Norte apontando para a direção correta e instalado. Depois é feita a leitura do código de barras existente em cada nó, para que sua instalação seja registrada em um sistema monitorador, pois, de outro modo, não é possível perceber se um nó deixou de ser instalado. Este tipo de logística e os programas computacionais utilizados para lidar com as partes de um sistema são bastante comuns e muito usados nas indústrias, para administrar estoques. As empresas de encomenda expressa, por exemplo, possuem programas computacionais para rastrear encomendas. Apesar de ser, logisticamente, algo complexo, isto é totalmente comum hoje em dia.
notas
4
Spline: curva de forma livre que conecta uma série de pontos de controle com uma curva suave. Mudanças nos ponto de controle resultam em mudanças na curva. Bspline e Bezier são exemplos de curvas spline.
5
NURBS (Non-Uniform Rational Bézier Spline): tipo de curva de forma livre que usa B-splines e permite verificação de valor de cada ponto da superfície.Um segundo aspecto da tecnologia digital que tem um impacto crítico sobre a arquitetura é o fato de que programas como Softimage, 3D Studio Max, Alias e Maya são sistemas NURBS baseados em cálculos. Isto contrasta com outros programas cartesianos muito usados, tais como o Auto-Cad, e apesar de serem versáteis, é muito difícil desenhar curvas fluidas com eles. São programas que se baseiam em coordenadas pontuais para cada ponto, linha ou plano no sistema de coordenadas X, Y, Z. Em contraste, em um sistema de modelagem baseado em NURBS, as Non-Uniform Rational Bézier Spline são a base para a geração de formas. Um sistema de modelagem NURBS é bem diferente. Mediante o uso de fórmulas algorítmicas as linhas e as superfícies são ajustadas e recalculadas continuamente. É um sistema inerentemente mais dinâmico: superfícies e objetos são desenvolvidos em uma relação mutáveis com a superfície. (in IMPERIALE, Alice. New flatness: surface tension in digital architeture. Birkhäuser, 2000).