Beatriz de Abreu e Lima: O senhor mencionou que a revolução que vem acontecendo na Engenharia é de natureza digital. No entanto, o senhor acha que os novos materiais de construção podem contribuir para a Arquitetura em termos de expressão e evolução, tanto quanto o concreto armado já contribuiu?
Charles Walker: Existem muitas pessoas que responderiam sim a esta pergunta, pois existem muitas coisas novas e empolgantes acontecendo na ciência dos materiais; mas a minha resposta é não. Eu não acredito que haja algo interessante acontecendo na ciência dos materiais. Quer dizer, existem muitas coisas interessantes, mas são como a fibra de carbono: tremendamente caras. Todos os novos materiais têm seus problemas. Eu tenho pesquisado bastante um tema que está empolgando todo mundo: o tema dos materiais inteligentes. Descobri que é tudo fumaça sem fogo. Como engenheiro, não encontrei nada que eu pudesse utilizar. Eu gostaria de construir com estes materias imediatamente. Se eu não puder fazer nada com eles dentro de dois ou até dez anos, não estou interessado. Existem materiais inteligentes como: ligas que têm memória de forma, fluidos eletro-reológicos, materiais pozo-elétricos, etc.; mas são todos estranhas “curiosidades” e na verdade, não existe uso direto para eles. Não estou querendo dizer que a idéia de inteligência como um todo seja apenas uma farsa, porque não é. Acho que a inteligência está nas ferramentas que usamos. Acho que a revolução que acontece atualmente não é na área de materiais, e sim na área dos programas computacionais. Agora, estamos utilizando coisas como superfícies NURBS; eu não sei muito sobre a matemática das NURBS, mas também não preciso saber sobre isso ou geometria projetiva, porque o que eu tenho na verdade, é uma ferramenta muitíssimo poderosa e inteligente que eu, como designer, posso utilizar. E no final, quando a estrutura está concluída, alguém diz que ela é uma estrutura inteligente. Para mim a inteligência não está nos materiais. A inteligência está nas ferramentas e nos processos utilizados na criação, tais como a Manufatura Integrada por Computador. Isto para mim é fabricação inteligente. Por que precisamos de algo como um vidro inteligente, ou coisas deste tipo? O paradigma da inteligência está correto, mas não está nos materiais, está no processo.
BAL: O senhor acha que a velocidade que a tecnologia proporciona influi mais na quantidade de projetos realizados ou no processo de criação dos projetos?
CW: Sim, sem dúvida a velocidade nos torna mais criativos. Como eu disse antes, a análise que fazemos hoje em três segundos no computador, há quinze anos atrás, poderia levar três semanas. Então, definitivamente, a velocidade permitiu que pudéssemos experimentar mais, principalmente na análise estrutural. Podemos usar a análise no processo de projetar – há quinze anos atrás, a análise era usada apenas na verificação dos cálculos. Antes, o projeto era feito com base na intuição, nas experiências e opiniões individuais, utilizando regras básicas de projeto, e depois de tudo definido, era realizada uma análise detalhada.
Ao passo que agora, podemos realizar análises no início do projeto, verificando, testando coisas e idéias. Podemos então nos perguntar: “e se fizéssemos assim?”
Isto permite uma grande liberdade para trabalharmos seguindo um palpite. Permite que trabalhemos fora dos domínios daquilo que já se conhece, daquilo que já foi feito; permite a experimentação. É assim que a velocidade nos influencia.
BAL: Em 1957 a firma Ove Arup já usava a tecnologia da análise estrutural computadorizada na solução final da Ópera de Sidney. O que aconteceria se a Ópera de Sidney fosse construída hoje? Qual seria a principal diferença?
CW: Hoje? Acho que seria muito interessante propor aos engenheiros da Ove Arup que projetassem novamente a Ópera de Sidney*. Tenho certeza de que seria uma solução totalmente diferente e não tenho dúvidas de que seria tão boa quanto a que foi apresentada na época. Do ponto de vista da estrutura, a Ópera de Sidney é provavelmente uma das melhores obras de engenharia da segunda metade do século XX, porém, se fosse projetada hoje, tenho certeza de que seria totalmente diferente, mesmo se considerássemos somente a geometria. Por exemplo, as “cascas” de Sidney, que originalmente, nos desenhos apresentados pelo arquiteto Joern Urtzon para o concurso, eram formas totalmente livres, na solução final, tornaram-se superfícies esféricas, segmentos de superfícies esféricas... As formas foram racionalizadas para que se conseguisse uma geometria construtiva cartesiana, de acordo com a tecnologia dos anos 50. Naquela época não havia descrições de superfícies NURBS. Com os programas de animação e as ferramentas de análise disponíveis hoje, acho que teríamos um edifício totalmente diferente.
BAL: Quando o senhor fala de processos de animação em Engenharia, o que quer dizer com isso? Considerando-se que o produto de um engenheiro objetiva aquilo que é totalmente estático...
CW: Na verdade o que eu quero dizer é que, na maioria das vezes, as poderosas ferramentas de modelagem que temos em programas de CAD (Computer Aided Design – Desenho Assistido por Computador) vêm da indústria de animação e da indústria de jogos computacionais, que desenvolveram estes programas. Para modelar um “Godzilla” são necessárias descrições de superfícies muito acuradas e econômicas. Mas o aparato necessário para produzir animações de superfícies amorfas complexas que se movem a 25 quadros por segundo, é mil vezes maior do que o que nós [engenheiros] usamos. No entanto, há um “vazamento” desses recursos para os programas de CAD. A maioria desses programas contém ferramentas incrivelmente poderosas, usadas em operações tais como, unir e associar superfícies, dobrar, envolver, torcer, deformar, esticar, ou seja, certas operações booleanas (9) que possibilitam que qualquer coisa seja modelada.
nota
9
Relativo a George Boole (1815-1864), criador da lógica matemática moderna. Nos programas de computação gráfica, o termo refere-se a operações de união, intersecção e subtração entre objetos; operações que alteram propriedades do objeto (diferentes das operações que alteram a posição do objeto em um ambiente 3D: mover, rotacionar, redimensionar).