Adalberto da Silva Retto Júnior: A biografia, em geral, foi colocada á sombra da historiografia idealista, marxista e da “nova história” quantitativa. Em seu recente ensaio apresentado no Brasil (2002), intitulado “Os arquitetos e a história da cidade: a contribuição italiana”, o Sr. afirma porém que na Itália contemporânea, se desenvolvem dois filões que assumem relevo: as monografias ilustradas, mas também as pesquisas de história local. Carlo Olmo, ao contrário, em “Hipóteses e contradições de uma nova história da arquitetura e da cidade industrial” (1980), dizia que “A distância que separa história urbana e história da arquitetura é, teoricamente menor na Inglaterra que na Itália” e que esta tradição historiográfica de estudos quantitativos no setor da construção (Inglaterra) ajuda a explicar dois fenômenos, aparentemente contraditórios, que distinguem hoje a história urbana inglesa: o aumento de estudos da história local e o interesse por modelos matemáticos, aplicada aos estudos da história econômica.” E reforça que “A historiografia urbana mais em crise e portanto certamente mais interessante é hoje a anglo-saxônica pelos interesses e relações que articula a formação de uma teoria do crescimento urbano e a definição de instrumentos formais de análise quantitativa, a riqueza de trabalhos setoriais, o interesse da demografia histórica, como da história econômica para a organização do território”. Quais são as razões desta particularidade italiana?
Guido Zucconi: É verdade que a dimensão da biografia foi colocada oficialmente à sombra da historiografia idealista, marxista e da “nova história” quantitativa: é também verdade que, se percorrermos os catálogos das principais editoras (a começar pela Electa), encontramos uma nítida supremacia do gênero monográfico-biográfico. Isto vale sobretudo para a atualidade, mas também para o século XX e o século XVI, ou mesmo os dois âmbitos principais da pesquisa histórica.
Deste ponto de vista, a historiografia arquitetônica aparece anos luz distante da revolução quantitativa que ao contrário assinalou a historiografia maior: Le Corbusier, Gropius, Mies ou Behrens que ainda de forma imponente dominam o campo, quase como se representassem o equivalente dos reis e dos chefes tão queridos à histoire événémentielle.
Estamos ainda bem distantes de ter enfrentado uma dimensão quantitativa: o problema é depois agravado pelo “dilúvio” construtor que caracterizou a cidade ocidental (e não somente nos últimos dois séculos): quem mediu seriamente em seus aspectos de construção, nos modelos e nos tipos predominantes? Apesar do grande crescimento, continuamos a falar somente dos pontos de excelência: como se quem quisesse escrever uma história da alimentação levasse em consideração somente as receitas dos grandes cozinheiros franceses.
Chegando à segunda pergunta, eu não sei se a anglo-saxônica é a historiografia mais em crise, como afirma Olmo: certamente, além do canal da Mancha, a história urbana parece sic et simpliciter como um ramo da história econômica. Esta sua particularidade a distingue da Europa continental e da Itália em particular (e do Brasil, de acordo com o que eu pude ver no congresso da Bahia).
Num paralelo entre a Itália – resto do mundo, continuamos porém a girar em torno de um mesmo problema que tem várias faces: eu me refiro à fraqueza dos estudos analíticos e das pesquisas de tipo quantitativo que na Itália tiveram modesto desenvolvimento. Eu me lembro que nos dois primeiros anos do século XX, foi derrotada a facção dos urbanistas-estatísticos que então comandava a União dos municípios italianos e que tinha em Turim a sua cidade de referência: a revista Urbanistica, em suas melhores edições, e a obra de Astengo representaram a deixa desta tradição ininterrupta. Não por acaso, tanto uma como outra constituíram vozes dissonantes em um panorama urbanístico dominado pelos princípios piacentinos e giovanonianos: antes pela direita, depois pela esquerda continuavam (e continuam) a ser reafirmadas a supremacia dos problemas da forma e o primado da arquitetura sobre a urbanística (esta última considerada como um caso particular da primeira). Astengo aparecia porém com um “alienado” quando convidava os alunos de seu curso a recolher preliminarmente e sistematicamente dados estatísticos que diziam respeito à área do projeto: este tipo de operação em outros países aparecia descontado, enquanto que no “país da bela arquitetura”, parecia bizarro.
Discordo portanto, quando Olmo avista uma distância entre a história urbana e a história da arquitetura que seria menor na Inglaterra com relação à Itália; ao contrário, enquanto lá os dois campos pertencem a duas corporações bem distintas (respectivamente dos historiadores econômicos e dos historiadores da arte), para nós os dois âmbitos têm em comum especialistas que provêem da mesma fonte, ou seja, da arquitetura.