Adalberto da Silva Retto Júnior: As biografias e estudos monográficos escritos pelo senhor tendem a reconhecer as peculiaridades de pensar o urbanismo e a cidade. O emergir das diferenças entre os personagens pelo senhor estudados, como Camillo Boito, Gustavo Giovannoni, Camillo Sitte, Daniele Calabi, Rino Levi, seguem uma determinada seqüência histórica ou um linha interpretativa?
Guido Zucconi: Poderia acrescentar outras, como Luigi Mattioni, arquiteto da reconstrução milanesa, Gino Zani, artífice da reparação medieval de S. Marino, Marcello D’Olivo, o arquiteto do 2° pós-guerra italiano mais próximo a Wright. Digo isto não para ostentar outros títulos, mas porque este segundo lote de estudos monográficos revela melhor o meu objetivo de partida: reconsiderar obras ligadas a figuras que permaneceram em um cone de sombra.
Agora existem dois tipos de cones de sombra: os que envolvem as figuras mais seriamente analisadas pelos estudiosos (como Zani, Mattioni, Calabi e o próprio Giovannoni), apesar do valor meta-individual de sua obra. Há aqueles (como Boito ou Sitte) que foram objeto de um culto superficial: o peso de sua contribuição foi considerado tradicionalmente como certa sem sérias verificações a respeito. Veja-se por exemplo a assim chamada “carta do restauro” de Boito ou a “herança” de Sitte: duas noções nebulosas tão citadas, quanto pouco analisadas concretamente.
A biografia deve ser, a meu ver, sempre combinada a um ou mais termos de importância geral: nesta perspectiva, não achatada pelo fato individual, o estudo monográfico se torna o instrumento para medir a distância entre o estado dos conhecimentos e o ponto de chegada que nos propomos no plano da pesquisa crítica. A superficialidade das referências boitianas revelava, na realidade, uma escassa atenção nos confrontos das correntes neo-medievais, bastante mais fortes na Itália setentrional e central de quanto nos dizem os estereótipos correntes no “país do classicismo por excelência”.
As figuras, o objeto de estudo, aparecem neste caso ainda mais indeterminados com relação a setores afins, como aquele dos arquitetos projetistas. Há sociólogos emprestados à urbanística, analistas provenientes das ciências estatísticas e econômicas, arquitetos que se ocupam de planos urbanos, ex-assessores ou ex-funcionários públicos convertidos à academia: enfim, encontramos um leque muito amplo de perfis que são por sua vez reveladores de uma multiplicidade de hipóteses disciplinares.
Em 1989 escrevi um livro intitulado La città contesa. Dagli ingegneri sanitari agli urbanisti, 1885-1942. Tinha colocado em confronto não simples biografias, mas possíveis perfis identitários: o médico-sanitarista, o engenheiro-funcionário, o cultor da arquitetura, o sociólogo, o economista e enfim o urbanista (tanto aquela “alla Piacentini”, como aquele “alla Giovannoni”). Todos tinham reivindicado, entre 1885 e 1945, um primado técnico-intelectual sobra a cidade a nível tanto de indagação como de intervenção.
Em muitos casos, é portanto possível construir uma espécie de “super biografia”, de “biografia das biografias”, que nos permite compreender aquele emaranhado disciplinar-metodológico que acompanha o problema da especificidade no interior da cidade.