José Paulo Mateus: Há arquitetos que caem em exercícios para o próprio umbigo, que os leva a cair em situações que forçam a vida das pessoas para além do razoável?
João Luis Carrilho da Graça: Eu acho que isso é uma espécie de "pecado" ao qual nenhum arquiteto consegue escapar por mais boa vontade que tenha. A mim parece-me fundamental que o arquiteto, quando está a fazer um projeto, imagine que o está a fazer para si próprio, como se fosse viver nela. E que o teste permanentemente em relação às sensações que o resultado pode vir a transmitir e a maneira como pode viver dentro dele. E se encarar isto com este tipo de seriedade, o resultado é forçosamente positivo. Mas há sempre momentos em que existe um desajuste, que esperamos não muito grande, entre as ambições que nós tínhamos e o que na realidade elas comportam de capacidade de suporte para a vida das pessoas.
JPM: De algum modo a sua arquitetura só é acessível a uma certa elite?
JLCG: Eu penso que em relação a isso nós temos de ser realistas. Por exemplo, Nós gostamos imenso do design enquanto conseguimos conferir um sentido quase heróico: desenhar bem objetos adequados e belos que as pessoas possam comprar. Isso cria uma espécie de função social ao design. E eu penso que com a arquitetura é exatamente a mesma coisa. A arquitetura pode cumprir essa função social mas de uma maneira realista. Se tivermos que construir casas para pessoas com poucos recursos nós temos que, mesmo que seja através de processos de industrialização, tentar atingir esse objetivo. Gosto muito daquela idéia do Rem Koolhaas (arquiteto da Casa da Música) de que nós temos de ir mais longe na investigação de como é que se produz a arquitetura para que depois ela surja como uma espécie de produto que possa ser acessível olhando para ele. E não colocar sempre a arquitetura na dependência da procura: o milionário que quer fazer uma casa, etc. Se o contratarem para desenhar mil casas, então desenhe essas casas de uma maneira adequada para se construir uma coisa que eventualmente neste momento é difícil encontrar em Lisboa, ou até mesmo Portugal: casas relativamente banais mas em que se viva bem. Eu muitas vezes pergunto: numa cidade como Lisboa que é fabulosa, lindíssima, onde é que estão as casas verdadeiramente invejáveis?
JPM: No nosso país, 95% das casas são de uma grande vulgaridade e as pessoas não se apercebem disso. A maior parte das pessoas não faz idéia de que poderia viver muito melhor, gastando o mesmo dinheiro. Paradoxalmente é o bem mais caro que possuem…
JLCG: Não só são de uma grande vulgaridade mas também são más naquilo que se pode quantificar: o modo como estão isoladas, construídas, mobiliadas, desinteressantes e continuam a multiplicar-se. É estranho porque havia a obrigação, sendo as pessoas aparentemente mais informadas, de as coisas se processarem de outra maneira. Nós reconhecemos que a indústria produz objetos belos, equilibrados, a custos perfeitamente razoáveis, sempre a evoluir. Há uma coisa que refiro muitas vezes que é a indústria automóvel. Quanto se compra um carro sabe-se exatamente as suas performances, quanto gasta, velocidade máxima, e sabe-se que aquilo está tudo relativamente otimizado. Quando se compra uma casa, não se faz a mínima idéia de quase nenhuma aspecto que se podia quantificar que poderia ter a ver com a performance da casa, não só em termos de construção mas sobretudo sobre a sua utilização ao longo dos anos. Há revistas da especialidade que fazem análises perfeitas aos automóveis mas não há nenhuma que faça uma análise nesses termos àquilo que se constrói. Há aqui um campo de reflexão bastante urgente e importante.