José Mateus: Começou então o projeto. Tratava-se de um objeto isolado ou havia um conjunto planejado?
Eduardo Souto de Moura: Foi-me entregue um Plano para um Parque Desportivo, onde o estádio está inserido, feito por uns arquitetos de Braga e um paisagista. Eu fiz um consórcio com essas pessoas, não seria correto ficar com o trabalho e eles desaparecerem. Ainda por cima havia muito trabalho, e achei que todos deveríamos participar, não só por questões de ética, mas também porque a cidade e o território devem poder socorrer-se de muitas mãos. Surgiu então a proposta de contrato para um estádio que tinha, como base, o que já estava no plano e na candidatura. Daí falar-se num custo de seis milhões de contos e num grande desvio orçamental.
JM: O sítio era já um dado adquirido. E o estádio era encaixado naquele local onde se encontra hoje?
ESM: Era um dado adquirido no Plano mas eu mudei-o completamente, desviei-o uns cem ou duzentos metros. O estádio era encaixado numa linha de água com as curvas de nível simétricas, em que as quatro arquibancadas ficavam assentes em terra. Era um estádio mais convencional e foi assim que iniciei o trabalho. Mas, à medida que fui visitando o local, sobretudo quando o vi de cima, deduzi que era muito mais interessante mudá-lo e usar a montanha, onde estava a pedreira desmontada, e usar a pedra como hipótese de uma modelação para fazer uma arquibancada. Então, desenvolvi dois estádios, o das quatro frentes, e o outro, de duas, que apresentei à Câmara. Mas, antes, certifiquei-me de que obedecia aos parâmetros da FIFA e da UEFA.
JM: Havia um caderno de encargos da UEFA, com as especificações a que o projeto tinha de obedecer?
ESM: Havia mas eu não o tinha… isso aparece muito mais tarde. Marquei então uma reunião na Suíça, na FIFA e UEFA, para saber se era possível fazer o estádio das duas arquibancadas. Para surpresa minha, eles disseram 'os estádios não têm que ter uma arquibancada, nem duas, nem três, nem quatro, pode até fazer um estádio em hexágono com seis arquibancadas'.
JM: E depois, como reagiu a Câmara?
ESM: Eu apresentei as duas soluções ao presidente da Câmara 'tenho uma solução dentro dos valores que me pediram, com quatro arquibancadas, e outra, que acho mais interessante, em que desloco o estádio 200 metros... é preciso escavar uma pedreira’. Expliquei-lhes os motivos pelos quais considerava que esta última seria a solução que deveria ser feita: o estádio deixaria de ser um sítio onde só se faz desporto, e toda a informação que eu tinha da FIFA e da UEFA é que fundamentalmente o desporto, ou o futebol em particular, é um espetáculo para televisão, logo precisa de atores. Eu deduzi, não percebendo muito de futebol, que tinha de fazer um palco verde para 22 pessoas mais 3 árbitros, com 105 câmaras a filmar, para ser transmitido para todo o mundo e cujos direitos são de milhões de contos. O que eu tinha de fazer era um estúdio de televisão. E o melhor estúdio de televisão é a aquela imagem americana dos estádios verticais dos jogos de boxe, com luz de cima, tudo concentrado ali e com as melhores imagens possíveis para a transmissão. O presidente da Câmara disse-me 'arquiteto, eu nem hesito, gosto muito mais deste. O outro é mais um, como há dez mil na Europa. E, pelo que me está a dizer, este representa o futuro, mas quanto é que isto custa?'. Respondi-lhe: 'à volta dos dez milhões de contos'. Ele pensou e disse 'eu gosto tanto dele que aceito fazer isto com os sacrifícios todos…'. E assim começou.
JM: Se o desenho de um estádio se coloca muito nessa sua dimensão de palco relvado para um espetáculo televisivo, será que não se perde um pouco o impacto do outro espetáculo, o da assistência nas arquibancadas, muito forte nos estádios em anel fechado ou caixotão como se vê nos estádios ingleses?
ESM: Tanto recebo elogios (propicia uma assistência ao jogo muito vivida porque se está quito próximo e se tem uma boa visão do relvado), como críticas (perde-se o ambiente de futebol). Mas o que é o futebol? São as duas ou três mil pessoas que vão ver o jogo ou é a transmissão televisiva desse desafio a que assistem dois milhões de pessoas? Aí é que está a questão. Colocamos a hipótese de suspender um robô, nos cabos da cobertura, que deslizasse longitudinalmente sobre o relvado. Esse robô pode filmar a cara do jogador como depois inverter a posição e filmar a cara do guarda-redes no momento da defesa. A partir daí, o espetáculo deixa de ser aquele que observa um tipo sentado a 45 metros de altura que vê o canto que é um pontinho. Passa a ter os grandes planos. Para mim o futuro é o futebol feito num estúdio de televisão.