José Mateus: Atualmente tende-se a pensar o estádio como um edifício multifuncional, que possui um relvado onde se joga futebol, onde se organiza uma ópera ou um concerto de rock. Foi assim para o estádio de Braga?
Eduardo Souto de Moura: Há infra-estruturas preparadas para poderem vir a ser zonas comerciais, bowlings, restaurantes no futuro. O próprio campo de futebol pode vir a ser outras coisas, até uma discoteca. A sala por baixo do relvado, onde se podem cruzar 15000 pessoas, tem uma dimensão brutal que pode ser rentabilizada com eventos. O presidente da Câmara até disse uma vez 'Isso é uma boa idéia. Como há muitas reclamações em Braga por causa das discotecas, podem passar-se todas para a sala debaixo do relvado' (risos).
JM: Um dos aspectos mais interessantes deste estádio é a dificuldade em eleger um determinado ângulo como o mais interessante ou significativo... Tudo muda consoante o ponto de aproximação.
ESM: O estádio é uma surpresa porque é fotogênico. Isto é, se eu entro por cima, pela praça, mete medo porque é impressionante. Tem a praça que se prolonga visualmente sobre a cobertura onde estão as fixações dos cabos, que parecem uma espécie de leões. Depois, desço e entro num espaço fechado, sob a pala, e logo mais adiante encontro-me num jogo de escadas como num ambiente do Piranesi. Realmente, se se entrar pela praça, o estádio tem um caráter, se se entrar por baixo ou se se subir encontram-se as galerias com os buracos, à Kahn, com uma perspectiva que varia de piso para piso. A imagem mais forte do estádio são os montantes da arquibancada poente metidos dentro da pedra e que são fixados com cabos que entram 25 metros no terreno. Esses montantes vão segurar a cobertura de 220 metros que tem de agüentar um vento com 200 km/hora. É impressionante a tensão provocada pela pedra entre cada dois montantes. É o betão a querer socorrer-se da pedra e a pedra a responder, os dois estão"de mão dada".
JM: Esse espaço interessantíssimo entre a encosta e o estádio propriamente dito foi então sendo descoberto aos poucos.
ESM: Quando vi o programa da UEFA apercebi-me que um estádio é uma cidade. Lá encontrar-se-ão dois mil jornalistas, VIPs, super VIPs, seguranças, vedetes. E tudo com exigências funcionais e em termos de circuitos. Então decidi deslocar a arquibancada e consegui uma espécie de metrópole em altura, com elevadores e escadas. Não foi pré-programado. Foi uma resposta direta aos condicionalismos.
JM: Que outras condicionantes chegaram a ser impulsionadoras do projeto?
ESM: As regras de circulação num estádio são a coisa mais complicada do mundo: ninguém se pode encontrar mas toda a gente tem de se encontrar: Um VIP não pode encontrar-se com o Zé da Esquina; O Figo não pode chegar e cair-lhe tudo em cima a pedir autógrafos; um jornalista não pode encontrar um Chirac ou um Jorge Sampaio e começar ‘ó sr. Presidente, o que é que acha da pedofilia e tal’. Temos jornalistas separados, jogadores separados, público separado, árbitros separados, VIPs separados, super-VIPs ainda mais separados, equipas separadas, e hooligans separados. E agora um tipo pega num lápis, arranja cinco cores e diz assim, VIPs a vermelho, os outros a azul. E depois pensa ao contrário: então, o que acontece quando acaba o jogo? É preciso entregar a taça, o super-VIP tem de estar com a equipa, os jornalistas têm de filmar e fotografar... Existem circuitos separados mas bastidores onde todos se encontram. Dessas dificuldades é que se extrai o encanto, a complexidade das coisas. Eu tive uma grande vantagem em não perceber nada de estádios.
O especialista tende a sentir-se mais seguro, não usa tanto a autocrítica. Aquele que não é especialista sente mais ansiedades... Tem o temor da ignorância. Se eu nada soubesse e nada estudasse, teria um resultado desastroso. Assim, questionei coisas convencionais, pensei: se o futebol mudou, porque não muda também a forma?