José Mateus: As obras de maior dimensão são “organismos” complexos que, por vezes, começam a ultrapassar o arquiteto. Chegamos a dar conta que corremos atrás delas. Sentiu isso alguma vez?
Eduardo Souto de Moura: Não, no sentido de dizer ‘aquela parte escapou-me, ficou mal porque não consegui acompanhar ou tratar dela’. Senti surpresas devido a incidentes durante a obra, coisas que fui encarando, apesar de tudo, como fatos normais de uma obra. Incidente, considero a obrigação a certa altura imposta de introduzir dezenas de ventiladores na grande sala debaixo do relvado. Gostava tanto daquela sala, era uma coisa quase emblemática, tem a beleza de um espaço sem função aparente, calmo, e com uma luz bonita. Agora está cheio de ventiladores. O que me custa é que, contrariamente a uma casa de banho onde as pessoas vêem torneiras e percebem para que estão ali, neste caso ninguém percebe, sendo um espaço aberto, a razão para aqueles ventiladores. E há também umas luzes que ficaram maiores do que era suposto, uns “charutos” horríveis.
JM: Para si, que está habituado a desenhar a obra até ao ínfimo detalhe, como foi projetar um estádio, que vive sobretudo do grande gesto? Prescinde-se de detalhes mais finos?
ESM: A preocupação pelo detalhe foi exatamente igual à que existe para uma obra pequena. Simplesmente, tive de reduzir a variedade de detalhes, ou enlouquecia. Um estádio é uma obra de sistematização de meia dúzia de detalhes. Para lá chegar tive de trabalhar duramente e testar protótipos, fizemos quase tudo numa dimensão real. E aconteceu uma coisa com piada: até certo ponto, o projeto era muito mais “janota” que a obra. Ou seja, havia guardas em inox e pavimentos epoxy auto-nivelantes. Quando percebi a escala, e de certo modo a grosseria do betão, que eu não podia controlar, retirei estes materiais. Neste contexto resultam melhor guardas galvanizadas, e são mais baratas; adequa-se mais um cimento afagado no chão que um auto-nivelante suíço. Foi um trabalho quase ao contrário, de retirar desenho, retirar presença das coisas.
JM: Para materializar um projeto destes é necessário uma enorme “cumplicidade” entre todos os intervenientes.
ESM: O número de pessoas envolvido foi tremendo, os paisagistas, outros arquitetos, as engenharias infinitas. Há algumas semanas, o estádio foi tema de um Congresso da Ordem dos Engenheiros em Braga. Eu fiz uma apresentação mas falei em termos de engenharia pois não sei explicar a arquitetura do estádio sem falar da maneira como trabalhei com os engenheiros. Depois falaram os engenheiros, que disseram: 'Então, já que o arquiteto explicou a engenharia, nós vamos falar da arquitetura'. O presidente da Câmara fechou: 'Gostava de dizer uma coisa: isto é uma loucura completa e eu sou louco porque aderi a outro louco que é aquele senhor que está ali com barba, mas só queria dizer que, se fosse hoje, eu repetia tudo desde o início'.