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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com Saturnino Braga, primeiro prefeito eleito da cidade do Rio de Janeiro depois da redemocratização após ditadura militar, fato ocorrido em 1985, há 20 anos

english
Interview with Saturnino Braga, first elected mayor of Rio de Janeiro after the re-democratization after military dictatorship, fact occurred in 1985, 20 years ago

español
Entrevista con Saturnino Braga, primer intendente electo de la ciudad de Río de Janeiro después de la redemocratización pos dictadura militar, hecho ocurrido en 1985, hace 20 años

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Roberto Saturnino Braga. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 021.01, Vitruvius, jan. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/06.021/3319>.


Batalha de Stalingrado, 1943

A formação acadêmica e política

Antônio Agenor de Melo Barbosa: Eu quero justamente avançar por aí e peço que o Senhor nos fale um pouco da sua formação acadêmica e também política, a despeito de pertencer a uma tradicional família de políticos no Estado. Que livros e autores foram importantes na sua formação política?

Roberto Saturnino Braga: Eu sempre estudei no Rio de Janeiro. Estudei no Colégio Andrews que sempre foi um colégio tradicional na cidade. Mas também estudei num colégio pequeno em Copacabana que se chamava Ginásio Pitanga por que a diretora a Professora Maria Luiza Pitanga tinha sido amiga de minha mãe e da família de minha mãe. E um pouco mais tarde eu completei o segundo grau no Colégio Melo e Souza também em Copacabana. Minha vida sempre esteve ligada a Copacabana. E depois entrei para Escola de Engenharia, antiga Escola Politécnica, que naquele tempo era da Universidade do Brasil ali no Largo de São Francisco no centro do Rio. Aquele belo prédio onde hoje é o IFCS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

Sempre tinha sido um bom aluno de matemática e de ciências e de física e química e imaginava que a Engenharia fosse a minha opção profissional mais natural em função destas minhas aptidões. E na verdade me formei em Engenharia e por muito pouco tempo eu exerci a profissão pois logo descobri que , de fato, não era o meu caminho. E naquele tempo o jovem que quisesse seguir o caminho da física e da matemática o caminho natural era a Escola de Engenharia. Por que não existiam os cursos mais específicos e avançados que hoje existem para os que se interessam pela ciência de uma forma geral. E eu sou de um tempo em que as chamadas profissões imperiais ainda eram as grandes vitrines. Portanto ou eu seria engenheiro, ou médico ou advogado e optei pela engenharia em função das aptidões que já mencionei.

Mas já no final do curso eu pude perceber que não tinha a vocação de um Engenheiro, pois não tinha muita atração pelas coisas práticas da construção, cheguei a trabalhar sim por pouco tempo na Companhia Nacional de Álcalis em Cabo Frio. E este foi o único ano em que eu trabalhei, de fato, como engenheiro, pois logo depois foi aberto o concurso para o então BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) e eu fui aprovado no concurso público em 1956 (eu sou formado em 1954). Em 1956 eu entrei para o BNDE, ainda sem o “S” na sigla mais adiante eu retomo esta questão que você abordou. Claro que eu entrei como engenheiro, mas todo o trabalho que desenvolvi no BNDE já era de engenharia econômica e economia propriamente dita, digamos assim. O BNDE era, desde então, a mais importante agência do desenvolvimento econômico do Brasil. E ali começamos a estudar e a trabalhar num projeto nacional desenvolvimentista do Brasil. E, certamente, com a experiência que tive no BNDE muitos horizontes de conhecimento se abriram para mim, e a minha própria vocação política - que já trazia das minhas origens familiares – passou a ser mais trabalhada e mais estudada por mim.

AAMB: A política entrou de vez na sua vida então com a experiência no BNDE?

RSB: Isto mesmo. A política entrou aí na minha vida de fato e irreversivelmente. A minha visão de esquerda também e em certa medida o meu pensamento socialista também. Bem, agora relembro que minha visão política de esquerda na verdade começa um pouco a ser semeada ainda na faculdade de engenharia. Sempre me diziam que eu tinha a voz muito bonita e um bom gosto musical e aí eu comecei a estudar canto e música e comecei a me envolver com alguns artistas, músicos e pessoas que tinham uma atuação política importante, com visão de esquerda, que eram, sobretudo, pessoas contestadoras em geral como costumam ser os artistas.

AAMB: Então, em certa medida, foi uma formação política espontânea e natural que partiu mais da sua vivência do que propriamente de uma sólida formação política teórica de esquerda, certo?

RSB: Certo. Foi sim espontânea. E na verdade muito influenciada pelo clima do pós-guerra que me mostrou o enorme êxito da experiência soviética. A primeira grande experiência socialista concreta do mundo. Por que a União Soviética que tinha passado por uma Revolução em 1918 era um país de camponeses analfabetos e se transformou numa grande potência. Na verdade quem acompanhou a guerra de 39 / 45 como eu acompanhei ainda muito menino, pode perceber que quem ganhou a Guerra foi a União Soviética. Não vamos, de forma nenhuma, desprezar a resistência inglesa, que foi heróica. Eles ficaram sozinhos resistindo contra os alemães. Agora quem virou a guerra foram os soviéticos em Stalingrado, em Leningrado quando barraram a ofensiva alemã e começou a derrocada da formidável e impressionante máquina de guerra do Hitler. Ali os aliados ocidentais compreenderam que se eles não entrassem na França, a União Soviética iria tomar a Europa inteira.

Então este prestígio da União Soviética no pós-guerra, com a resolução dos problemas fundamentais do seu povo, problemas de alimentação, educação, saúde e habitação que o novo regime resolveu, tudo isto, somado aos feitos científicos, tecnológicos contaminou a juventude do mundo inteiro. E eu fui um destes jovens, pois percebi muito claramente estas influências na minha visão política e na maneira como passei a pensar e a me posicionar sobre as injustiças do mundo.

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