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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com Saturnino Braga, primeiro prefeito eleito da cidade do Rio de Janeiro depois da redemocratização após ditadura militar, fato ocorrido em 1985, há 20 anos

english
Interview with Saturnino Braga, first elected mayor of Rio de Janeiro after the re-democratization after military dictatorship, fact occurred in 1985, 20 years ago

español
Entrevista con Saturnino Braga, primer intendente electo de la ciudad de Río de Janeiro después de la redemocratización pos dictadura militar, hecho ocurrido en 1985, hace 20 años

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Roberto Saturnino Braga. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 021.01, Vitruvius, jan. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/06.021/3319>.


João Goulart e Leonel Brizola

Temas atuais, o Governo Garotinho e o futuro político do Rio

Antônio Agenor de Melo Barbosa: Eu gostaria que o Senhor desse a sua versão atualizada deste acordo feito na ocasião da sua última eleição para o Senado e que propunha a divisão do seu mandato (de 8 anos) com o atual Presidente do PDT o Carlos Luppi. Este assunto veio à tona agora recentemente com a morte do Brizola.

Roberto Saturnino Braga: A minha versão é a versão real dos fatos, eu nada tenho a esconder sobre este acordo. Eu estava no PSB que resolveu apoiar a coligação do PDT com o PT dando a cabeça de chapa para o Governo do Rio para o Anthony Garotinho e a vice era a Benedita da Silva e por uma conseqüência natural o candidato a Senador naquela chapa seria do PSB e eu fui o candidato escolhido.

Natural por que era o terceiro cargo majoritário da chapa, o PSB era um aliado histórico do PT inclusive em eleições para Presidente da República e eu já tinha sido também Senador pelo Estado do Rio. Eu já tinha uma grande experiência no Senado.

Tudo estava equacionado desta forma até que, não sei por que razão, alguns boatos começaram a surgir de que não haveria unidade na questão do candidato ao Senado na referida chapa. Aí cada partido da coligação se achou no direito de, em princípio, lançar o seu candidato próprio a Senador. Eu seria o candidato do PSB, o Carlos Luppi seria o do PDT e a Jurema Batista que era Vereadora, seria a candidata ao Senado pelo PT. A Jurema é uma Vereadora “mulher, negra e oriunda da favela” e vinha um pouco no rastro da Benedita da Silva que teve esta mesma trajetória na política do Rio. E nestas condições eu estava decidido a não aceitar, já que não haveria unidade. Além disto, o adversário era o Ex-Ministro Roberto Campos, um homem de direita mas um forte candidato também. Era uma figura quase mítica que gozava de muito prestígio na classe média aqui no Estado e seria uma disputa perdida se não houvesse unidade. Era uma vaga só para o Senado. Aí eu comecei a conversar com o PDT já que percebi que o Carlos Luppi não tinha um interesse muito grande em sair candidato ao Senado e o PDT o apresentou mais por falta de opções que pela sua grande vontade política e pessoal de concorrer.

Indiretamente eu comecei a sondar a hipótese de o PDT me apoiar como o candidato ao Senado porque assim eu diminuiria a força da candidatura da Jurema Batista pelo PT. Aí teríamos dois partidos da chapa a favor da minha candidatura e seria mais fácil costurar a unidade. E em função disto eu cheguei a um encontro com o Brizola, na casa dele, à noite, só ele e eu. Aliás, como eram os encontros com o Brizola. Não havia mais ninguém neste encontro. E começamos a conversar sobre este assunto e o Brizola, grande homem político e muito perspicaz, naquele jeito dele disse: “eu compreendo que as razões todas levam para o seu lado, porque você também já foi Senador e acho justo que o PSB fique com esta vaga, mas você sabe que o PDT precisa ampliar o seu espaço, é um partido que precisa crescer e ter uma representação no Senado pelo Estado do Rio é muito importante para o PDT. Então eu te proponho que você tenha como seu suplente no Senado um quadro do PDT e que você ceda uma parte do seu mandato para o PDT”.

Foi isto que me disse o Brizola porque o natural era que o meu suplente também fosse do meu partido, do PSB, e não o Carlos Luppi do PDT. Eu tinha alguns companheiros do PSB até na expectativa de serem os meus suplentes, mas aí o Brizola, habilmente, colocou esta questão. Brizola inverteu o jogo ao me fazer esta sugestão. E esta reunião foi à noite e no dia seguinte era a convenção do PDT. Era ali ou nunca e o Brizola era muito bom de conversa também. E eu tinha, de fato, muita vontade de ser candidato ao Senado, e fui seduzido, por esta possibilidade que me apresentou o Brizola. Eu sabia que somente teria chances de ser eleito Senador se tivesse o apoio formal do PDT, que era o Partido que dava a cabeça de chapa para Governador com o Garotinho.

Então eu concordei e ele me pediu rapidamente que escrevesse ali mesmo na casa dele uma carta manuscrita em que eu me comprometia a acatar o que nós havíamos conversado. E logo depois chegou o Carlos Luppi, mas o Luppi não assistiu à minha conversa com o Brizola. Ele soube do resultado dela, mas não assistiu à nossa conversa. E quando eu já estava me retirando chegou à casa do Brizola o Garotinho que era o candidato a Governador pelo PDT.

O primeiro parágrafo desta carta que eu redigi ali na hora, mas preocupado com o seu conteúdo era o seguinte: “Dentro do espírito desta coligação que une os partidos de esquerda no Rio de Janeiro e etc..” Ora, eu já abria a carta dizendo que a condição para a manutenção daquele acordo era que houvesse a unidade das esquerdas no Rio. Se esta coligação se rompesse, e foi o que ocorreu algum tempo depois da eleição quando o próprio PT rompeu com o Governador Garotinho, eu não teria mais por que estar vinculado a um acordo que não me era favorável também por razões de divergências políticas. Aí a tal carta ficou, pelos fatos que ocorreram, sem sentido e sem razão de ser.

E a segunda questão é que não foi, em momento nenhum estabelecido que esta participação do PDT fosse meio a meio, ou seja: eu ficaria quatro anos e o PDT os outro quatro anos na minha vaga no Senado. Isto não está dito e escrito na minha carta, e Brizola teria cobrado que estivesse. Lá na carta não fala nada de 50 % do mandato para cada partido como veio a interpretar o Luppi posteriormente, e já com a unidade da chapa rompida. E tem mais o seguinte, eu agora sou Senador pelo PT, o partido do governo federal e o PDT é e faz oposição sistemática ao Governo do Presidente Lula, de maneira que eu não poderia ceder a vaga para um partido que faz oposição ao Partido do Governo no qual eu estou filiado. Seria uma infidelidade ao Presidente Lula e seria um erro político. Com isto voltou a azedar de vez a minha sempre difícil relação com o Brizola que até tinha sido amenizada em função do que já mencionei anteriormente. E ele morreu recentemente e nós não tivemos, infelizmente, uma nova oportunidade de conversar melhor sobre esta questão bastante delicada e que gerou interpretações diferentes das partes envolvidas no acordo.

AAMB: Para que a gente possa finalizar esta nossa longa conversa e já que o Senhor espontaneamente citou o nome do Ex-Governador Garotinho, eu gostaria que o senhor fizesse um reflexão sobre a figura do Garotinho na política do Estado do Rio, até por que ele também é oriundo da sua terra, lá no Norte Fluminense que é a cidade de Campos dos Goytacazes, de onde ele foi Prefeito também. E outro fato é que ele foi eleito pelo PDT, era também historicamente ligado ao Brizola com quem também rompeu politicamente e foi candidato a Presidente da República, nas últimas eleições, pelo seu Partido de coração, digamos assim, e da sua origem que é o PSB.

RSB: Eu não fui contra ao apoio ao Garotinho. Ao contrário, eu sabia que o Garotinho era o candidato que tinha mais chances e sabia que tinha que ser um candidato do PDT ao Governo do Estado. O PT nunca teve e não tem até hoje nenhuma grande projeção no interior do Estado. O PT é um partido da capital e o PSB era um Partido muito pequeno. Portanto tinha que ser o Garotinho mesmo o candidato das esquerdas que efetivamente tinha chances de vencer as eleições no Rio. Entre os três candidatos do PDT que se apresentaram para a candidatura ao Governo, tinha além do Garotinho, que tinha sido Prefeito de Campos, tinha o Jorge Roberto Silveira que foi Prefeito de Niterói e o Noel de Carvalho. O nome mais forte era, realmente, o do Garotinho. Ele é inegavelmente um político carismático, ele é muito inteligente e muito esperto e comunicativo e ambicioso, e um candidato muito jovem que poderia ser uma boa promessa de renovação política aqui no Estado. Ele sabe como manejar a mídia de forma impressionante até pelas suas origens no rádio. Então eu apoiei a indicação do Garotinho, mas depois de algum tempo eu, que já sou um velho político, percebi que ele carrega com ele aquilo que a gente chama na política de um “excesso de esperteza” você compreende? É um cara que quer ser esperto demais e a qualquer custo. Certo grau de esperteza é saudável e necessário, mas nele esta esperteza é excessiva, eu acho. E ele passa dos limites, mente demais e acaba perdendo a credibilidade.

E acho que hoje ele é visto assim pela opinião pública também. Ele é visto como um político que, infelizmente, mente demais. E o PT também não tinha percebido isto até o rompimento com o PDT. E o rompimento foi também, a meu ver, por má fé do Garotinho. Ele imputou coisas ao PT que não correspondiam à verdade dos fatos.

Então logo depois do rompimento do PT com o Garotinho (não se esqueça que a Vice-Governadora eleita era a Benedita da Silva do PT) eu também ali já sabia que o Garotinho ia se perder na condução do Governo e da política do Rio, infelizmente. Acho que a eleição dele realmente foi uma infelicidade para o Estado, porque ele continua inclusive valendo-se da sua condição de religioso e explorando esta temática na condução da política também. E acho que isto tudo é muito negativo sob o ponto de vista político e mesmo do avanço e do aperfeiçoamento da nossa democracia e da nossa representatividade perante o Brasil como um todo. Acho que a eleição dele foi um erro que eu apoiei, como já mencionei, mas estas coisas acontecem e são inevitáveis mesmo numa democracia em que o cidadão escolhe livremente os seus governantes. Acho que em breve a população vai reconhecer também este erro político de ter dado tantos poderes e tanto espaço ao Garotinho aqui no Estado.

AAMB: O senhor citaria um nome que ache que seja uma boa opção para o Governo do Rio em função deste diagnóstico que traçou da Era Garotinho aqui no Estado?

RSB: Eu sou cético quanto a isto. A tão falada “união das esquerdas” não será possível eu creio. Também percebemos o quanto foi difícil, nas últimas eleições para Prefeito em 2004 encontrar um nome de unidade das esquerdas. Então já ouvi falar em nomes de fora, como o do Ministro Ciro Gomes. Cada partido, entretanto, tem a sua lógica interna e vai lutar pelos seus interesses naturalmente. Vai ser difícil conseguir uma boa composição para a eleição do Governo do Estado em 2006, certamente. De forma também que jamais se repetirá o clima de unidade que houve em torno da candidatura vitoriosa do Garotinho. E infelizmente este ceticismo com a política do Estado não é só meu não. Eu o vejo, de certa maneira, generalizado em várias lideranças e mesmo na imprensa e na sociedade, infelizmente. De maneira que o Rio precisa encontrar rapidamente uma saída política que o fortaleça perante o Brasil. O Estado está órfão de lideranças políticas realmente comprometidas com o desenvolvimento do Estado e não com suas ambições pessoais como é o caso do Garotinho. Isto me deixa preocupado e ansioso, mas o Rio, certamente, irá encontrar uma saída honrosa e digna. Temos que acreditar e lutar por isto. Eu também me sinto na obrigação de lutar para encontrar esta saída e lutarei por ela. Disto eu não tenho dúvida.

AAMB: Obrigado pela entrevista Senador. O Senhor gostaria de falar mais alguma coisa?

RSB: Não. Acho que conversamos bem e sobre muitos e diferentes assuntos e eu também agradeço o seu interesse a sua atenção. Foi muito boa a nossa conversa.

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