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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com Saturnino Braga, primeiro prefeito eleito da cidade do Rio de Janeiro depois da redemocratização após ditadura militar, fato ocorrido em 1985, há 20 anos

english
Interview with Saturnino Braga, first elected mayor of Rio de Janeiro after the re-democratization after military dictatorship, fact occurred in 1985, 20 years ago

español
Entrevista con Saturnino Braga, primer intendente electo de la ciudad de Río de Janeiro después de la redemocratización pos dictadura militar, hecho ocurrido en 1985, hace 20 años

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Roberto Saturnino Braga. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 021.01, Vitruvius, jan. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/06.021/3319>.


Vila Kennedy. Foto de 1965

Transferência da Capital para Brasília, fusão, violência urbana metropolitana e políticas de intervenção nas favelas do Rio

Antônio Agenor de Melo Barbosa: O que o senhor acha que um Prefeito pode fazer para combater ou até mesmo minimizar a violência urbana, sobretudo nas regiões metropolitanas? Eu sei que do ponto de vista constitucional esta é uma questão da responsabilidade do Governo do Estado, mas eu queria ouvir o senhor sobre este tema por que penso que os Prefeitos não devem se omitir sobre esta questão.

Roberto Saturnino Braga: Eu sempre defendi que a saída está exatamente na possibilidade de se fazer um investimento social forte que gere a inclusão dos menos favorecidos. Investimentos em construção civil para que se minimize o déficit habitacional são fundamentais. Mas tudo isto tem que ser, obrigatoriamente, subsidiado pelo governo. Não adianta querer resolver estes graves problemas que são geradores da violência urbana com mecanismos de mercado porque a população mais pobre jamais terá a possibilidade de arcar com estas despesas. A implantação de serviços públicos de saúde e de educação dentro de padrões que possam ser acessíveis a todas as camadas da população. Assistência social nas favelas é fundamental, creches, áreas de lazer e de cultura, criação de oportunidades de vida digna sem miséria e sem humilhação e com isto você estaria criando espaços em que a violência não teria como e nem por que se instalar porque a dignidade das pessoas estaria minimamente garantida mesmo nas áreas mais carentes.

Agora no ponto em que estamos está complicado, mesmo sabendo que a favela é tida por muitos estudiosos, como o próprio Carlos Lessa (ex-Presidente do BNDES), como uma solução criativa do povo do Rio para as adversidades, e de fato ela é sim. Mas é que o problema social cresceu tanto e de tal maneira que a gente tem que ter consciência de que a favela hoje não pode ser solução para que se crie um espaço de vida com dignidade. Infelizmente a situação está assim a meu ver. A não ser que pudéssemos, como já falei, promover investimentos sociais maciços – o que é uma utopia, pois a atual política econômica não permite – nas favelas aí poderíamos de fato pensar em melhorar qualitativamente a vida destas comunidades que quase todas hoje são reféns da marginalidade.

O Rio de Janeiro hoje é uma cidade sitiada e no meio a população atônita e sem saída concreta para resolver o problema da violência. Vivemos em uma cidade sitiada com muros altos, grades, carros blindados, cercas elétricas, seguranças particulares, shoppings centers altamente vigiados, a degradação dos espaços públicos, e toda uma parafernália de equipamentos que as classes mais favorecidas buscam adquirir na tentativa, às vezes desesperada, de não ser a próxima vítima do crime e da violência. Esta, infelizmente, é a nossa realidade. Eu estou bastante cético diante disto tudo a não ser que haja uma virada de rumo na própria maneira pela qual o governo e a sociedade tentam enfrentar as nossas mazelas sociais. Na verdade tem que haver esta virada política que afinal de contas é a grande expectativa que ainda temos em relação ao Governo do Presidente Lula. Foi para isto que ele foi eleito.

AAMB: Senador, na época do Lacerda (então Governador da Guanabara), que o senhor já o nomeou aqui como um opositor, a política de planejamento e de organização urbana da cidade passava pela idéia e pela prática da remoção das favelas e a transferência desta população para outras áreas. Uma das mais importantes colaboradoras do Lacerda era a Professora Sandra Cavalcanti. O Brizola – salvo engano da minha parte - quando assumiu o Governo do Estado, no mesmo momento em que o senhor foi eleito Prefeito do Município com o apoio dele, proibiu que esta prática da remoção de favelas fosse adiante. Há inclusive o caso da grande favela de Rio das Pedras na baixada de Jacarepaguá que alguns estudiosos atribuem a responsabilidade de sua expansão, não sei se com ou sem razão, ao próprio Governador Brizola. Hoje a gente vê que os programas atuam pontualmente em relação às favelas como é o caso mais conhecido do Programa Favela Bairro, a maior vitrine do Governo César Maia também um ex-pupilo do Leonel Brizola. Enfim, eu gostaria que o senhor fizesse uma reflexão crítica sobre isto.

RSB: Esta continua sendo uma questão polêmica aqui no Rio. É evidente que na ocasião eu como Prefeito também do PDT me coloquei favoravelmente à política urbana do Brizola. De fato era proibida a remoção, pois eu mesmo tinha verificado a violência com que aquelas remoções foram feitas. A remoção de favelas como a da Praia do Pinto, da Catacumba, a criação daqueles bairros novos como foi o caso de Vila Kennedy lá em Bangu para a instalação destas populações violentamente deslocadas e removidas para locais distantes do seu trabalho; enfim eu não estava de acordo com aquela política autoritária que o Lacerda impunha às classes menos favorecidas.

E o que nós já pensávamos desde aquele momento era que o ideal mesmo era fazer a integração da favela com o asfalto ou, como se chama o programa atual, tornar a favela um bairro como outro qualquer. Esta era a idéia que norteava a minha administração e de toda a minha equipe de colaboradores nesta área urbana. Bairros decentes, dignos, organizados e planejados era o que queríamos que as favelas se tornassem depois de décadas de ausência de investimentos do poder público nas áreas carentes da cidade. A gente tinha sempre como referência aqueles bairros de Lisboa como a Alfama que tem uma topografia parecida e que na sua origem eram verdadeiras favelas. Era por isto também que nós não podíamos ser favoráveis à prática da remoção que violentava os direitos daqueles que eram os menos favorecidos.

Este programa “Favela Bairro” que começou na primeira gestão do César Maia em 1993 quando o Luiz Paulo Conde era o Secretário de Urbanismo, na verdade eu posso dizer que ele foi semeado originalmente lá no meu governo em sua essência, porque o meu Secretário de Urbanismo, que era o Urbanista Flávio Ferreira, que era um homem de grandes formulações e que gostava de fazer os PEUS que já mencionei, tinha como Sub-Secretário dele o Sérgio Magalhães que era o Executivo principal da Secretaria de Urbanismo naquele momento. E o Sérgio Magalhães veio a desempenhar um papel importante posteriormente como o Secretário de Habitação responsável pelo programa “Favela- Bairro”. Flávio Ferreira é um pensador, um planejador, e o Sérgio Magalhães é um executivo.

Então foi Sérgio Magalhães que começou a por em prática os primeiros estudos de remodelações pontuais nas favelas do Rio ainda na minha gestão. E Sérgio Bielchowski economista da Secretaria de Desenvolvimento Social fez o primeiro planejamento das intervenções, cujo custo total ele avaliou em 1 bilhão de dólares, e que nós enviamos ao Banco Mundial.

AAMB: Então o senhor considera–se injustiçado por não ter este reconhecimento em relação a um programa que é a grande vitrine da política urbana na cidade na década de 90 que é o “Favela-Bairro”?

RSB: De certa forma sim. Mas cabe dizer que a minha gestão foi curta, foi de apenas três anos. Em segundo lugar até que estas coisas começassem a ser postas em prática eu já estava no final do meu Governo e no final veio o drama da falência que já falamos e esta ficou sendo a minha marca como Prefeito do Rio, infelizmente. De maneira que eu acho que estas políticas podem ser soluções possíveis para as favelas desde que a grande ofensiva de ocupação social das favelas também seja feita. Mas isto ainda não foi feito, infelizmente. De maneira que o programa “Favela-Bairro” não pode ficar restrito apenas às realizações de obras nas favelas.

AAMB: Ainda sobre o Rio eu queria que o senhor fizesse uma reflexão sobre dois temas que julgo da maior importância que são a transferência da Capital para Brasília e a já mencionada Fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio. Na minha avaliação não são episódios autônomos, isolados mas interdependentes entre si e é curioso perceber que atualmente eclodem aqui na cidade alguns movimentos de políticos e da sociedade civil que pregam a “desfusão” como uma solução para os nossos problemas.

RSB: São dois temas muito importantes para a cidade, você tem razão. É evidente que o Rio como Capital era tratado com o maior carinho da República, digamos assim. Aliás, era o carinho que o Rio recebia de toda a Nação Brasileira sempre amplamente manifestado e nunca contestado. Não havia reclamações dos mineiros, dos gaúchos e dos nordestinos com o dinheiro que se investia no Rio de Janeiro, por exemplo. O Rio, por sua vez, também sempre foi uma cidade muito receptiva a todo o povo brasileiro.

E mesmo os paulistas, dada a sua pujança e força econômica e o grande dinamismo daquela cidade, nunca foram de protestar muito por conta disto. De certa forma, os paulistas até fingiam ignorar o Rio.

E o fato de ser a Capital da República era o que garantia ao Rio a manutenção das suas receitas, das suas atividades econômicas num momento em que o Rio até já havia perdido o posto de cidade mais rica e mais industrializada para São Paulo. E mesmo antes de JK que levou a indústria para São Paulo, o Rio já não estava mais na ponta no setor industrial. O Rio continuava existindo como porto, mas também logo depois o porto de Santos nos superou rapidamente. O Rio, paradoxalmente, enquanto foi a Capital e mesmo algum tempo depois ainda continuou como o centro financeiro do Brasil. Aqui estava a Bolsa de Valores, a sede do Banco do Brasil e de todas as maiores instituições bancárias do país. Mas depois de algum tempo nem esta condição de centro financeiro pôde mais ser mantida e o processo de esvaziamento econômico e político da cidade foi brutal e a cidade sente os reflexos até hoje, certamente.

E o Prefeito Marcos Tamoio , como eu já me referi, gritou pelo Rio reivindicando contrapartidas e compensações da União para com a Cidade que perdera a sua condição de Capital da República. Pois cabe dizer que a mudança da Capital também gerou um ambiente de promessas de compensações para a cidade que jamais foram cumpridas. Eu mesmo durante a minha gestão como Prefeito e enfrentando a questão da falência, já na década de 80, cobrei muito do Governo Federal, mas nada recebemos e o Rio ficou esquecido.

A fusão também está neste contexto porque ao mesmo tempo em que o Rio perde a sua condição de principal pólo industrial, de principal porto marítimo e depois de pólo financeiro, o interior do Estado do Rio também perdia a sua atividade agrícola quase que completamente. O esvaziamento da zona canavieira no Norte do Estado na região de Campos também foi brutal, o Pólo Leiteiro no Vale do Paraíba ali na região de Barra Mansa, Volta Redonda, Resende e adjacências também foi muito abalado e entrou em decadência. A zona de plantação de arroz e de criação de gado no noroeste do Estado do Rio em Pádua, Miracema também foi prejudicada. Tudo entrou em decadência. E todo o Estado entrou num processo de empobrecimento nos últimos quarenta anos. Este é o diagnóstico que eu faço destes episódios.

AAMB: Mas e o petróleo da Bacia de Campos?

RSB: Ah, mas isto é muito recentemente. E antes do petróleo houve um esvaziamento do interior e boa parte da população desceu para a periferia da Região Metropolitana e se instalou na Baixada Fluminense. Municípios como Nova Iguaçu, Caxias, São Gonçalo, São João de Meriti e outros começaram a receber uma população extremamente carente e sem oportunidades. A maioria de pessoas que vinham destas regiões empobrecidas do interior do Estado. O Governo do Presidente Geisel pensou que esta gigantesca população carente que gravitava em torno do Município não poderia ser capaz de ser mantida com as finanças apenas do Estado do Rio que ficaria desbalanceado. Aí o que ocorria era que esta população trabalhava na cidade do Rio de Janeiro (na Guanabara), gerando receitas no Rio e aumentando ainda mais o empobrecimento do antigo Estado do Rio. Mas os encargos dos serviços públicos ficavam com o antigo Estado do Rio que não tinha as receitas geradas na Guanabara pelo comércio e pelos serviços daquela população que trabalhava na Metrópole.

E a fusão foi feita da forma mais arbitrária e antidemocrática possível a despeito de eu concordar com o diagnóstico que tracei acima. Foi, de fato, uma violência imposta ao Rio e sem nenhuma consulta às partes envolvidas. Mas eu concordei com as razões para a fusão, pois achava que a situação econômica estava muito difícil para o antigo Estado do Rio de onde eu vim e onde eu comecei politicamente. Eu fui eleito Senador e Deputado pelo antigo Estado do Rio de forma que a minha lealdade era com o Estado do Rio e eu considerava injusta esta situação em que a população gerava receitas na Guanabara e os encargos ficavam com o Estado do Rio. E prevaleceu aquela idéia de que o Estado do Rio era um corpo sem cabeça e a Guanabara era uma cabeça sem corpo. Nada mais lógico então que se juntasse a cabeça ao corpo com a fusão do Estado do Rio com a Guanabara, gerando uma nova unidade de grande poder político e econômico.

AAMB: O senhor se arrepende de ter apoiado a fusão?

RSB: Não. Eu não me arrependo. Por que eu fico imaginado o que seria a Baixada Fluminense se não tivesse havido a fusão. Estaria muito pior do que está hoje, certamente. E isto em prejuízo da própria Guanabara, pois você imagina o assédio que a cidade sofreria desta população mais empobrecida do que ela está hoje? Seria algo calamitoso. Mas hoje as perspectivas de melhoria do antigo Estado do Rio estão maiores e melhores do que a própria Capital a meu ver. De forma que uma “desfusão” como alguns pretendem não contará com o meu apoio. E pelos seguintes motivos:

Em primeiro lugar por que as novas oportunidades de renascimento e de revitalização econômica do Estado estão fora da Capital. Elas estão no Porto de Sepetiba que vai ser, certamente pela sua vocação, o grande porto da América do Sul. E lá vai ser instalada uma nova siderúrgica e um pólo petroquímico. Será um grande pólo de desenvolvimento e de redistribuição de todas as cargas do comércio marítimo internacional que passam pelo Brasil.

Em segundo lugar é o petróleo. Não só pela produção e pelos royallities que está gerando mas pela implantação em todo o território do antigo Estado do Rio , a partir de Niterói para cima, de todas as indústrias fornecedoras de equipamentos para a produção e exploração de petróleo. Então se você propõe de novo a separação significa que a própria cidade do Rio (antiga Guanabara) vai perder estas oportunidades novas que estão surgindo.

Assim como o Rio de Janeiro então Capital ajudou o antigo Estado do Rio, agora é o Estado do Rio que pode ajudar a cidade a se recuperar em muitos aspectos. É por isto que eu sou contra a “desfusão”.

AAMB: Então o senhor, a despeito do ceticismo que demonstrou anteriormente, vislumbra um futuro promissor para o Estado?

RSB: Sim. Vislumbro em função destas oportunidades que mencionei. E há também mais um motivo que nos levaram a apoiar a fusão que foi o fato de que o poder político do Estado, com a fusão, seria ampliado. De forma que a “desfusão” também seria uma perda política para ambos os lados na minha avaliação.

AAMB: Na verdade Senador eu agora exponho para o senhor uma afirmação que gostaria de ouvir a sua reflexão sobre ela. A afirmação foi feita pelo Arquiteto e Urbanista Pedro Teixeira Soares – que foi Secretário Municipal de Planejamento na gestão do Prefeito Marcos Tamoio - a seu respeito no excelente livro “Capítulos da Memória do Urbanismo Carioca” organizado pelos professores Américo Freire e Lúcia Lippi de Oliveira em depoimentos aos pesquisadores do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

E assim diz o Pedro Teixeira Soares na página 156 do referido livro:

“O Saturnino que tinha um perfil de PMDB, foi eleito junto com Jó Resende, que tinha um perfil de PT; mas ambos estavam no PDT. Saturnino é um político enérgico, mas seu perfil é mais de legislador do que de governante. E faltou execução, planejava-se muito e executava-se pouco. Por mimetismo em relação ao Governo Federal, o Saturnino criou a Secretaria de Desenvolvimento Urbano foi quando o governo federal criou o Ministério de Desenvolvimento Urbano. (...) O Secretário era o Arquiteto Flávio Ferreira e seu chefe de gabinete era o Sérgio Magalhães; e pela primeira vez, tivemos um secretário com títulos acadêmicos nos Estado Unidos. (...)”

E ele ainda afirma: “O Saturnino não agüentou as pressões e o trabalho ficou pela metade gerando uma experiência frustrada. Uma pena porque perdemos a oportunidade de organizar a cidade”.

Sobre o legado do Governo Saturnino para o desenvolvimento urbano do Rio ele afirma: “Sobrou pouca coisa (...) Aí veio a briga do Saturnino com o Brizola e sua saída do PDT. O partido retaliou violentamente, inclusive retirando quadros da Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Mas o Flávio Ferreira e o Sérgio Magalhães foram com o Saturnino para o PSB e ficaram até o final do governo. Mas outros técnicos que se identificavam mais com o PDT foram obrigados pelo partido a pedir demissão. Entre os últimos estava o arquiteto João Sampaio que mais tarde brilhou como Prefeito de Niterói.”

Isto posto, eu gostaria de saber:

O senhor concorda com estas avaliações do Pedro Teixeira Soares?

Qual o verdadeiro papel do Vice-Prefeito Jó Resende na sua administração, já que em várias partes da entrevista o Pedro Teixeira Soares diz que ele era mais forte que o Prefeito?

Por que o rompimento político com o Brizola?

RSB: Bem, você tocou em temas, de fato, muito importantes. Em parte, as afirmações acima preenchem algumas lacunas que ainda não tínhamos mencionado aqui nesta nossa entrevista.

Em primeiro lugar quero dizer que o Jó era um parceiro meu em quem eu tinha total confiança. Jó Resende é meu amigo até hoje. O papel do Jó Resende foi, efetivamente, muito importante e por uma razão básica: o Jó Resende é um executivo e com uma capacidade de gestão impressionante. Ele tinha uma tamanha capacidade de executar tarefas com competência e rapidez e eu, que de fato não tenho este perfil executivo como afirma o Pedro Teixeira Soares, delegava muita coisa ao Jó e acho que isto é natural quando se estabelece uma relação de plena confiança como nós tínhamos à frente da Prefeitura. Eu já disse que sempre fui um parlamentar, um formulador de teses, planos e idéias e não exatamente um executivo, um homem de gestão.

Eu delegava mesmo ao Jó Resende muita coisa. E ele, por seu lado, que vinha da FAMERJ também tinha uma capacidade de liderança e uma inserção forte nas comunidades populares e nas associações de moradores. E isto foi, certamente, parte importante da coluna vertebral da conformação política do meu governo que foi um governo amplamente democrático e com participação popular.

Na verdade foi na minha gestão que houve a primeira experiência brasileira de um governo municipal participativo numa Metrópole. E isto é preciso que seja dito e teria avançado muito se o meu sucessor que foi o Marcello Alencar não tivesse acabado com estas iniciativas populares. Foi uma experiência edificante. E o papel do Jó Resende, portanto, passava por esta linha e por estes canais e, em certo sentido, eu concordo com as afirmações que você destacou acima.

Agora o Jó realmente tinha o espírito do PT que eu, na verdade, nunca tive. E nem tenho até hoje embora seja um Senador do PT. E vou dizer por que: O MDB era o Partido da luta pela abertura política e, em certo sentido, não tinha uma linha ideológica muito bem definida. A essência do MDB era derrubar o regime militar e restaurar a democracia e isto, embora seja uma causa nobre, fazia com que ali coubesse tudo que se enquadrasse nesta idéia, você compreende? E isto explica o que é o PMDB até hoje. Eu não cabia no PMDB, por que eu sempre fui e sou até hoje um socialista.

E qual a diferença entre o socialista e o “petista” (do PT)? É na questão do Estado. O PT tem certa aversão ao Estado e cultiva, de certa maneira, um saudosismo anarquista que acredita que a própria sociedade será capaz de encontrar as suas soluções sem precisar do Estado. E eu sempre achei e acho até hoje que em países como o Brasil que precisam urgentemente recuperar um atraso grande, o Estado é a base e a peça essencial e propulsora do desenvolvimento. É o Estado que pode e deve planejar, alavancar e até, em muitos casos executar o desenvolvimento. Os socialistas acreditam que é o Estado que deve ser o ator principal no enfrentamento dos problemas sociais e econômicos.

Já o meu rompimento com Brizola ocorreu por que eu era ainda Prefeito e em 1987 ele deixou de ser Governador. Enquanto o Brizola foi o Governador nós convivemos muito bem, mas depois a situação ficou difícil. Ele perdeu a eleição com o Darcy Ribeiro e venceu o Moreira Franco como eu já mencionei. Aí, o Brizola, sem cargo executivo e tendo perdido a eleição, achou que tinha o direito de atuar politicamente junto à Prefeitura já que eu ainda era do PDT. Mas aí a situação ficou insustentável para mim. As interferências dele no meu governo foram tantas que eu não pude aceitar, infelizmente. O Brizola, hoje eu penso assim, ele queria ser o Prefeito. E queria que eu tomasse decisões que nem sempre eu era favorável. Aí os choques e os atritos políticos passaram a ser praticamente diários. As divergências foram se azedando até que chegaram a um ponto em que eu não suportei mais as pressões. Foi um rompimento político, mas que chegou a estremecer as minhas relações pessoais com ele por muito tempo. E só muito tempo depois é que eu na campanha para Vereador recebi a surpreendente visita espontânea dele em um comício meu em Jacarepaguá. E ali ele fez um discurso público e disse o seguinte: “eu vim aqui dizer que eu e o Saturnino já nos hostilizamos, por culpa de ambas as partes, mas eu quero dizer que as minhas culpas e responsabilidades foram maiores que as dele”.

Ora, foi uma grande surpresa para todos a aparição do Brizola e ainda mais para dizer o que ele disse publicamente. E aí reatamos a nossa amizade e simpatia a partir daquele momento. No fundo eu nunca tive grandes divergências com o Brizola, pois somos ambos “Getulistas”. Mas as minhas divergências diziam respeito aos métodos que ele usava que eu nem sempre concordava, por que ele era, de fato, um caudilho e aquilo se chocava muito com o meu pensamento e com a minha trajetória. Eu lhe confesso hoje que agora, revendo estes fatos aqui com você, é possível que talvez a grande crise financeira da Prefeitura não tivesse ocorrido se eu tivesse feito o que César Maia e Marcello Alencar fizeram espertamente. Eu não fui tão esperto assim como eles e me desgastei muito com o Brizola talvez por ingenuidade ao lidar com ele. Porque eles também romperam com o Brizola, mas cada um chegou ao fim do seu mandato e eu rompi com o Brizola em pleno mandato à frente da Prefeitura. Isto foi muito desgastante, ainda mais porque a Câmara de Vereadores tinha exatamente a metade dos seus vereadores ligados ao Brizola e ao PDT. E eles seguiam rigorosamente a liderança do Brizola. Então eu não conseguia aprovar nada na Câmara e foi um período muito difícil certamente. E isto também influiu muito no episódio da falência porque uma simples mensagem que eu encaminhei à Câmara propondo uma revisão de IPTU nem isto eu consegui aprovar.

O emperramento da minha gestão também foi decorrência do desequilíbrio estrutural que se agravava mês a mês durante a minha gestão. A nossa margem de manobra e de execução das coisas na Prefeitura era, de fato, muito pequena infelizmente. Estas talvez tenham sido as principais razões da frustração a que você se referiu.

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Jorge Wilheim

Marcelo Corti

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