As referências, os mestres, os ídolos e os aliados e opositores na política
Antônio Agenor de Melo Barbosa: Ainda um pouco nesta linha de raciocínio que o senhor, de forma muito emocionada, nos conta eu quero saber quem foram os seus ídolos na política? Em quem o senhor se espelhava naquele momento?
Roberto Saturnino Braga: Bem. Como eu já mencionei que tive esta forte influência esquerdista a figura de Luiz Carlos Prestes foi central para mim. Eu também fui muito ligado ao escritor Jorge Amado que foi a pessoa que me introduziu nos meios políticos esquerdistas por que foi ele que me levou ao Festival da Juventude em Varsóvia, na Polônia, e depois ao Festival Mundial da Paz em Helsink, na Finlândia. Depois fizemos uma visita à União Soviética. O Jorge Amado, grande escritor brasileiro, devia ter uns quinze anos a mais que eu e, em certa medida, foi também uma figura importante para mim na ampliação da minha visão política.
Eu também tinha uma ligação muito grande com um músico importante que era um esquerdista da época que é o Maestro Edino Kriegger. Ele hoje ainda é meu grande amigo, um músico de grande prestígio, é Presidente da Academia Nacional de Música. Eu cantava composições de Edino Kriegger.
Eu tinha um político em casa que era o meu pai e então vivia nesta dialética entre aceitar o conservadorismo relativo dele que era o do Amaral Peixoto que, aliás, era uma figura que eu sempre respeitei politicamente, e a minha visão socialista. Um pouco mais tarde eu cheguei a conviver um pouco com Amaral Peixoto e sempre respeitei muito a sabedoria dele, embora os meus ideais sempre fossem mais avançados, certamente. Mas sempre o achei um homem muito sério e de grande sabedoria política.
Nesta minha atração esquerdista e me deparando com o projeto desenvolvimentista do BNDE eu comecei a sentir a necessidade de ter um aprofundamento mais teórico das questões políticas, filosóficas e sócio-econômicas de uma forma geral. Então eu fui fazer o curso do ISEB, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros e lá conheci Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe, Roland Corbiser, Cândido Mendes que foram meus professores. Enfim travei contato com todo o grupo do ISEB que era um grupo de intelectuais extremamente ricos nas formulações não só sob o ponto de vista histórico com também do ponto de vista filosófico, político e econômico.
E me liguei muito no BNDE à figura de Inácio Rangel que era um economista esquerdista também importante. Também Juvenal Osório Gomes outro grande economista e funcionário exemplar do BNDE. Enfim era um grupo grande que no BNDE discutia e formulava questões econômicas e políticas relacionadas ao desenvolvimento do Brasil.
Conforme eu mencionei anteriormente a sigla do BNDE não tinha o “S” ainda como é hoje o BNDES. Este grupo do qual eu fazia parte, que entrou no primeiro concurso, era um grupo de técnicos muito jovens e também todos muito fascinados pela política e pelo projeto nacional desenvolvimentista. Então era um grupo de bons funcionários públicos que não só gostava muito do trabalho que fazia, mas também que discutia muito. Depois do expediente a gente continuava as conversas e debates e havia certo sentido de utopia também. A utopia da construção de um Brasil forte economicamente que para a juventude era fundamental.
E um dos grandes temas daquele momento era saber se valeria a pena desviar o foco do BNDE do econômico e cuidar do social e da educação ou era importante concentrar os esforços na construção de uma economia forte para depois cuidarmos das mazelas e injustiças sociais. Então não era apenas a questão da inclusão de uma letra a mais na sigla do banco, mas sim era uma filosofia de trabalho daquele tempo e daquela geração de funcionários do BNDE.
E predominava sempre a tese de que o importante era investir no econômico e que o resto viria por conseqüência e naturalmente por gravidade. Nós acreditávamos nesta tese com muita fé. Mas, infelizmente, ela não se concretizou e o desenvolvimento e a superação dos problemas sociais do Brasil não ocorreram como nós esperávamos. Foi um erro. Eu admito que foi um erro. E eu e toda a minha geração temos que fazer esta autocrítica. Eu faço nitidamente esta autocrítica.
Mas tenho que relembrar também que depois que entrei para o BNDE e um pouco antes de fazer o curso do ISEB que já mencionei, eu fiz o curso da CEPAL. Era o curso de Desenvolvimento Econômico da CEPAL que foi quando eu conheci a importante figura de Celso Furtado que foi meu professor. E desde então ficou sendo um dos meus gurus. Também conheci Aníbal Pinto que era um pensador chileno e um homem de quem me tornei amigo também. Enfim o curso da CEPAL foi uma forma de aperfeiçoar e organizar os meus conhecimentos de economia não só sobre o Brasil, mas também a respeito de toda a América Latina.
A outra lacuna que falta preencher sobre a sua pergunta é para dizer das minhas influências e eu já citei a importância de Prestes, mas cabe dizer que para mim foi muito importante uma viagem que fiz à União Soviética em plena Guerra Fria em 1955. Fui à Varsóvia também e lá verifiquei que por um lado havia um enorme progresso econômico e tecnológico, mas havia uma forte hierarquia de caráter nitidamente antidemocrática que não me agradava na sociedade soviética. E principalmente depois desta viagem eu despertei com mais intensidade para um ponto de vista mais crítico em relação à União Soviética e os meios que eram utilizados para que se conseguissem aqueles avanços.
E aí eu comecei a fazer uma opção bem clara pelo socialismo democrático, mais utópico, tanto que em 1960 ingressei no Partido Socialista Brasileiro e o meu grande guru passou a ser o velho João Mangabeira que era uma figura extraordinária, de ampla cultura e de uma clareza de pensamento muito interessantes e que me influenciou muito. Então, de certa forma, ele foi uma grande influência política para mim também. Havia também os escritos de Hermes Lima que me influenciaram muito, e também um Senador de Alagoas que era o Aurélio Vianna também foi importante.
AAMB: E Cuba o que exerceu de influência e o que o senhor pensa sobre a questão da Ilha?
RSB: Olha, Cuba só aparece para mim um pouco mais tarde. E eu me lembro que a Revolução foi em 1959 e eu, por acaso, estava nos Estado Unidos em uma missão de trabalho do BNDE. E lá de Washington, onde eu estava, eu via na televisão a chegada de Fidel Castro – o líder vitorioso da revolução que derrubou Batista - ele sendo visto nos Estados Unidos como um líder libertário e não exatamente como um Socialista. Era inclusive muito festejado nos Estados Unidos veja que coisa interessante. Pouco tempo depois ele toma rumos mais radicais e vai se definindo como um Líder Marxista que vai começar a gerar a antipatia e a preocupação dos Estados Unidos com os rumos que ele deu para Cuba.
AAMB: Quais foram os seus principais opositores e antagonistas? Eu não diria nem mais recentemente que a gente pode ver pela crônica política que os jornais publicam diariamente. Mas naquele tempo em que o senhor começou a se afirmar como político e com uma visão de esquerda quem eram os políticos que mais eram contrários aos seus pensamentos e à sua atuação? Havia uma personificação de algum político ou de algum grupo que fazia oposição às suas correntes de pensamento?
RSB: Uma certa personificação é inevitável na política. Assim como havia a figura do Prestes que já mencionei, como alguns políticos do PTB que eu admirava muito como o Almino Afonso e o pessoal do Grupo Compacto, a própria figura do Jango para mim era muito simpática e a minha geração gostava muito dele. Mas de um modo geral os antagonistas eram aqueles ligados à UDN e em especial a figura de Carlos Lacerda do Rio de Janeiro. Era inevitável esta personificação do Lacerda. Ele era o líder e trazia a história de ser um traidor, entre aspas, do próprio Partido Comunista ao qual ele tinha pertencido e que renegou algum tempo depois. Então a figura do demônio político da época era o Carlos Lacerda. E então é claro que de um modo geral a UDN era vista como um partido da reação, como um partido retrógrado e que não queria o nacional desenvolvimentismo e que, sobretudo, não queria os projetos progressistas para o Brasil.
E além de Prestes eu quero retomar a figura de Getúlio Vargas como a de um ídolo político para mim. Não posso me esquecer disto.
AAMB: Em certo sentido, a Coluna Prestes tem uma ligação histórica direta com a própria chegada do Vargas ao poder, estou certo? E também com a quebra de uma tradição mais arcaica que a gente chama de Primeira República.
RSB: Certo. Tem ligações sim. A Revolução de 30 e Getúlio Vargas foi uma seqüência da Coluna Prestes. Por que a Coluna Prestes, não era uma coluna comunista, mas sim uma coluna revolucionária que se propunha a lutar contra as oligarquias. Prestes era o Cavaleiro da Esperança. E Vargas ficou marcado naquela minha infância, que foi nos anos 30. A exaltação nacionalista do Governo de Getúlio Vargas. Eu lembro-me que no dia 4 de setembro eu marchava no “dia da Raça” era o dia que os colégios iam marchar antes do “7 de setembro” mas já na semana da Pátria tinha a Marcha dos Colégios. E eu marchei durante uns três anos no dia da Raça que era o 4 de setembro. Pelo Colégio Andrews. Era a exaltação do nacionalismo, da raça brasileira, da Pátria brasileira. Isto tudo ficou na minha cabeça de criança e mais tarde quando me desenvolvi na política eu pude perceber a importância de Getúlio Vargas para o Brasil. Ele foi o primeiro grande estadista brasileiro a falar no problema social como sendo um problema prioritário e não simplesmente uma questão de polícia como dizia Washington Luis. Vargas foi o primeiro brasileiro a ter um projeto de desenvolvimento para o Brasil, da nossa infra-estrutura industrial. Getúlio Vargas foi um grande estadista e esta admiração por ele ficou até hoje, tanto é que recentemente eu fiz um discurso no Senado por ocasião dos 50 anos da morte dele.